Colunistas / Literatura
Rosa de Lima

ROSA DE LIMA ANALISA LIVRO CRONISTAS DO RIO, ORG DE BEATRIZ RESENDE

Um panorama da crônica no Brasil com abordagem de 8 comentaristas acadêmicos e estudiosos do tema
13/07/2023 às 10:15
   O Rio de Janeiro é o celeiro dos cronistas brasis tantos são e bons desde o fundador da Academia Brasileira de Letras, Machado de Assis, ao poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade, o qual, muitos anos morou até morrer na cidade maravilhosa. Por isso mesmo, é sempre bom comentar sobre os cronistas que revelaram os prazeres e as dores da cidade, a zona Norte e a zona Sul com seus contrastes, a música, a poesia, a picardia, a moda, a culinária e seus restaurantes que fizeram história, o centro antigo com destaque para a Rua do Ouvidor onde os fatos aconteciam, a arquitetura, Pereira Passos e a cooptação com os boulevares parisienses do barão Hausseman, enfim, o Rio tem sempre um lugar especial no Brasil quando se fala de crônicas.
 
   A publicação que vamos comentar é antiga, data de 1995, e intitula-se "Cronistas do Rio", organizadora Beatriz Resende (Editora José Olympio, 163 páginas, capa Ezelvir Comunicação Gráfica, R$15,00 compra pela internet ou em sebos) com artigos de Margarida de Souza Neves, Ângela Maria Dias, Gilda Salem Szklo, Sylvia Paixão. Vera Lins, Victor Hugo Alder Pereira, Renato Cordeiro Gomes, cada qual tecendo comentários sobre temas diferenciados, a história da crônica, a cidade da crônica, a crônica dos anos 1960, Drummond e Bandeira, Clarice Lispector e Marina Colassanti, Antônio Maria, Nelson Rodrigues e os bairros de Marcos Rabelo.
 
   O livro é desse que se lê de um fôlego diante da leveza dos textos, da curiosidade em se saber alguns detalhes sobre a história e a memória da crônica no Rio e esses ases da pena, de como Bandeira e Drummond, que eram poetas mas também atuavam nos jornais como cronistas, do flâneur Antônio Maria, considerado o Beaudelaire brasileiro, boêmio, andarilho da cidade, romântico; enquanto Victor Hugo mostra personalidade dramática de Nelson Rodrigues, também dramaturgo e comentarista esportivo. 
 
   Portanto, melhor prato de saladas em crônicas para os leitores, não há; ou se há, sim são complementos ao organizado por Beatriz Rezende pois esse tema não se esgota num único livro e há outros comentados sobre os cronistas que usaram o Rio como base dos seus textos, e há uma infinidade de livros dos cronistas não só os citados neste livro, mas de outros, os antigos e os atuais.
 
  A professora da UFRJ e pesquisadora do CNPq, Beatriz Rezende, esclarece que o livro em tela traz uma série de estudos apresentados durante um seminário que aconteceu no Centro Cultura Banco do Brasil, em 1994, cuja proposta foi mostrar a produção em crônica dos anos em que o gênero chegou ao auge do prestígio, 1956, com o início da era dos suplementos literários culturais, a 1968, ano da morte de Sérgio Porto, "quando p arbítrio do AI-5 silencia a crônica e entristece o carioca".
 
  Margarida de Souza Neves professora da PUC comenta em "História da Crônica; Crônica da História" como relacionar crônica e história? Eis a questão. E cita que Machado de Assis, "nos fez uma advertência preciosa: - viaja-se mal sem itinerário". A articulista, portanto, reduz o seu roteiro e diz que relacionou, apenas, "crônica moderna e história moderna e sublinhar algumas personagens que a leitura e a análise dessas crônicas e desses cronistas abrem para os que fazem da história sua profissão". 
 
  Após uma série de análise e observações, Souza Neves diz que "crônica e história podem ser consideradas, portanto, como particulares 'lugares de memória' () ...cronistas e historiadores são homens memórias e desempenham seu ofício como autores e intérpretes da memória coletiva". 
 
  A análise do tema "Rio de Janeiro, Cidade da Crônica" coube a Beatriz Resende, a qual, abre o texto afirmando que "há entre a cidade do Rio de Janeiro e a crônica, como gênero literário, uma relação longa, apaixonada, uma relação toda especial ()...que a crônica é uma modalidade de literatura urbana, não resta dúvida, mas no caso brasileiro há esta peculiaridade: é no Rio de Janeiro que o gênero nasceu, cresceu e se fixou".
 
  Beatriz Resende aduz que sendo o Rio a capital do país entre 1763/1960, "portanto sede do poder, centro da vida política e cultural, mesmo quando já perdera para São Paulo a supremacia econômica, colaborou para esta identificação de discursos que, referindo-se à cidade, se referem ao país".
 
  O terceiro comentário do livro é da pesquisa Ângela Maria Dias com o tema "Memória da Cidade Disponível: Foi um Rio que passou em nossas vidas, a Crônica dos Anos 60" e ela conta como a crônica chegou ao Brasil sob a forma de folhetim "filha dileta do jornal e da cidade" desde Machado de Assis, Olavo Bilac, João do Rio, Mário de Andrade e Carlos Drummond de Andrade. A crônica foi consolidada na década de 1930 sobretudo com Rubem Braga, "o mais religioso dos cronistas nacionais", no sentido de que, por toda a vida se dedicou ao gênero. 
 
  A quarta análise com o tema "Drummond e Bandeira, os cronistas-poetas" é da professora da faculdade de Letas da UFRJ, Gilda Salem Szklo, "nossos companheiros destas jornadas pelos bairros, pelas ruas, pela vida da cidade do Rio de Janeiro nas décadas de 1950 e 1960". Segundo Gilda, "ambos, Drummond e Bandeira, viajam no tempo e no espaço, dão vida ao seu passado, perdem-se nos restos de coisas e almas e, ao longo das ruas, das avenidas, em meio a multidão, desvendem mundos na recordação dos seres, de objetos, de objetos e de fatos pretéritos". 
 
  Adiante, no capítulo seguinte, a professora Sylvia Paixão, aborda "Clarice Lespector e Marina Colassanti: mulheres no jornal" e diz que "falar da mulher brasileira é rever a sua história como uma voz ausente do espaço público, até meados do século XIX"; Luzes, primeiro jornal feminino surge no Rio de Janeiro, em 1852, o 'Jornal das Senhoras' seguido de outros, como 'O Belo Sexo', 'O Sexo Feminino', 'Jornal das Damas', 'Eco das Damas', o 'Direito das Damas".
 
  Com a roda do tempo girando, Salem Szklo comenta que "as crônicas de Clarice Lispector publicadas no JB de 1967 a 1973, nos permitem compreender melhor a escritura desta que consagrou como uma das maiores do país". A subjetividade impera nas crônicas de Clarice, "onde o factual importa menos do que o seu exercício ficcional e autobiográfico".
 
  Acrescenta que, contemporânea e amiga de Clarice, Marina Colassanti iniciou sua carreira jornalística como repórter do JB e substituiu Carlinhos de Oliveira na sua crônica diária, uma missão bastante delicada. Era uma iniciante na crônica e Carlinhos um mestre no gênero. Mas deu conta do recado e se firmou.
 
  Já a pesquisadora da Fundação Casa de Rui Barbosa em "Antônio Maria: Baudelaire nas noites do Rio", diz que o pernambucano faz "crônica de si mesmo, enquanto faz a crônica da cidade ou, melhor, de um bairro". A Copacabana dos anos 50! "vira ao avesso a imagem de paraíso da modernização quando fala da hipocrisia, da solidão, da miséria, dos que habitam como em "O caso das vitrines", numa narrativa curta, rápida, que parodia a notícia, mas surpreende o leitor pelos conflitos que condena".
 
  O professor da UERJ, Victor Hugo Adler Pereira, em "Nelson Rodrigues - dramático cronista" traça o perfil deste renomado cronista que também era autor de textos para peças de teatro; e Renato Cordeiro Gomes aborda o tema "Os bairros de Marques Rebelo e a cidade". 

  Em resumo: um livro essencial para se entender alguns traçoes e a história da crônica no Brasil.