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Rosa de Lima

LITERATURA: ROSA DE LIMA COMENTA "AS VOZES DO SILÊNCIO", ANDRE MALRAUX

Um livro mais dedicado aos estudiosos da arte visual - pintura, escultura, etc - e os iniciados nessa matéria
02/06/2023 às 09:06
Costumo apresentar aos meus leitores algumas informações sobre um autor que pouco se fala dele ou que não tem um conhecimento mais abrangente. Assim faço, então, para falar do francês André Malraux, o qual, nasceu em Paris no primeiro ano do século XX e se tornou ao longo dos anos um escritor de obra não muito extensa, porém, valiosa e um e um dos mais respeitados críticos e analistas da arte visual mundial, desde a pictórica do homem das cavernas, até os modernistas europeus.

  Aos dezoito anos abandonou os estudos formais - não chegou a frequentar a universidade - tornou-se autodidata, destacando-se como jornalista, político e escritor. E olhem que a França sempre gostou de um academicismo, de cultuar os acadêmicos da Sorbonne, de valorar quem alisava os bancos das universidades e das academias literárias espalhadas pelo país, sobretudo em Paris.

  Malraux era um rebelde, insubmisso. Aos 23 anos de idade estava na Indochina já negociando com obras de arte. Em 1939, se engaja na luta dos republicanos da Espanha na longa guerra civil espanhola. Durante a 2ª Guerra Mundial serve no Exército é capturado pelos alemães, mas consegue fugir e integrar a “Resistência” francesa. Depois da guerra, já em 1945, De Gaulle chamou-o para a política, foi Ministro do Interior (Informação) e depois Ministro da Cultura (Assuntos Culturais). Morreu em Créteil em 23 de novembro de 1976.

   O que De Gaulle, o general francês que comandou a "Resistência" e foi presidente da França viu em Malraux? O destemor e o saber já revelado na sua mais conhecida obra intitulada "A Condição Humana", de 1933, que lhe valeu o Prêmio Goncourt, seguido de "A Esperança", romance extraído da sua experiencia pessoal na Guerra Civil de Espanha (1937). Falaremos, no entanto de "As Vozes do Silêncio", vol II, estudo sobre a crítica da arte - a criação artística e o preço do absoluto; complemento do volume I, o museu imaginário e as metamorfoses de Apolo. (Editora Livros do Brasil, Lisboa, 375 páginas, tradução de José Julio Andrade dos Santos, coleção Vida e Cultura, 1970, Estante Virtual os 2 volumes R$500,00)

  Acompanhar o pensamento crítico de Malraux nesta obra é necessário um exercício cuidadoso da percepção da arte, de preferência um iniciado em produzir arte ou ao menos ler compêndios sobre artes visuais - pintura, escultura, desenho, etc - porque se trata de um autodidata conhecedor profundo da matéria e ele observa de imediato nas primeiras páginas deste segundo volume que "quando acontece que o artista fixa um instante privilegiado, não o fixa porque o reproduz mas porque o metamorfoseia. Um pôr do sol admirável, em pintura, não é um belo pôr do sol, mas o pôr do sol de um grande pintor; assim como um belo retrato não é, necessariamente, o de um belo rosto".

  Não se trata, pois, de uma metamorfose ambulante e sim, assim imaginamos, a visão particular de cada artista em ver a arte e expressá-la. Ele diz: "Chamo de artista a todo aquele que cria formas, quer ele seja santeiro como Gilbert d'Antum, anônimo como o mestre de Chartres, iluminista com Limbours, embaixador como Rubens, funcionário e amigo do rei como Velasquez, capitalista como Cézanne, doente como Van Gogh ou vagabundo como Gaugin.
  Malraux era um crítico que não se limitava a analisar uma obra pura e simplesmente. Emitia opinião sobre a arte e os artistas independente da arte em si, a contemporaneidade em que viviam e as influências que exerciam e também as que embasavam alguns dos seus traços e estilos. Para ele, "um estilo não é apenas a sua caligrafia, não se reduz a esta senão quando deixa de ser conquista para se tornar convenção".

  Decifrava qie os gostos da época são caligrafias que seguem as dos estilos ou seguem sem elas. "Mas o estilo romântico não é um 'modern-style' medieval, é um sentimento do mundo; e todo e verdadeiro estilo é a redução a uma perspectiva humana do mundo eterno que nos arrasta num desvio de astros seguindo o seu ritmo misterioso". 

  Na sua visão o artista nunca se submete ao mundo, pois, a vontade de o transformar é inseparável da sua natureza de artista. "Todo estilo cria o seu universo próprio ao conjugar os elementos do mundo que permitem orientar este para uma parte essencial do homem",

  "Como é pequeno o papel desempenhado por Jesus na Bíblia da Sistina! A abóboda inteira a anunciava; e quando ele apareceu por cima do altar (quase trinta anos depois" os Tempos estavam volvidos. Esta lamentação heroica - a única que a pintura mundial conhece - ignora o estremecimento que a piedade de Rembrandt impôs às mãos postas do seu Cristo, assim como as mãos ameaçadoras de seus profetas. Rembrandt é o homem da bíblia inteira", confessa o autor.

  Portanto, esta obra de Malraux em epigrafe é recomendável somente aqueles amantes da arte e que tenham, ao menos, conhecimentos básicos sobre escultura e pintura senão o leitor que se aventurar por ela se perderá ou terá que ficar consultando as enciclopédias pelos iphones. Quando ela pergunta: "As pequenas origens luminosas de Latour são realmente destinadas a estabelecer uma iluminação?" entra no campo de um dos elementos cênicos de uma obra (pintura a óleo em tela ou na madeira), um dos mais difíceis de serem analisados: a iluminação.

  Há, como se pode perceber em algumas obras do século XVI - só para dar um exemplo - quando a iluminação dos ambientes era pela luz do sol, da lua ou das velas, a maior parte por chamas das velas, que observando-se, hoje, as imagens das figuras humanas pintadas parecem iluminadas com as novas tecnologias que temos. E, cada artista, tem sua própria percepção e interpretação na pintura. 

  Veja o que diz Malraux: "A luz dos caravagescos (de Caravágio) começar por tender a separar as suas personagens da obscuridade; mas o que Latour pinta não é a obscuridade: é a noite. A noite que se estende sobre a terra, a forma secular do mistério pacificado...Latour é o único interprete da parte serena das trevas".

Esta obra de Malraux é, diria que para os iniciados da arte e estudiosos da matéria uma aula monumental sobre a Arte Universal com abordagem das civilizações e todas as épocas das obras de arte, das mais célebres às anônimas. Nada escapa do olhar e da pena deste grande escritor e intelectual da arte. 

E, independe da análise dessa obra literária de Malraux ele foi um ministro da Cultura na França inovador e que deixou um legado enorme em Paris, sobretudo, sua terra natal.