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Rosa de Lima

ROSA DE LIMA ANALISA LIVRO DE ARTHUR SCHOPENHAUER "AS DORES DO MUNDO"

O filósofo do pessimismo e suas teorias sobre o amor, a ética e outros temas relacionados com a existência humana
05/05/2023 às 11:53
        
  Arthur Schopenhauer é assustador. Esse crítico ferrenho da sociedade de sua época, nasceu em 1788, em Danzigue, Reino da Prússia e morreu em Frankfurt, em 1860, e foi o filósofo alemão que desenvolveu teses metafísicas em Gdansk, Hamburgo, Frankfurt am Main, com conceitos ateus e éticos configurando-se o que os analistas consideram o pensamento filosófico do pessimismo. Assim atuou e difundiu seus postulados com críticas azedas à sociedade em sua obra polêmica, bem fundamentada, em especial no livro "O Mundo como Vontade e Representação" (1816), influenciado pelo pensamento indiano e alguns elementos dop budismo. 

  Vê-se, pois, o choque que provocou na sociedade literária da época, não só introduzindo elementos de uma cultura estrangeira que os europeus não estavam acostumados a vivenciar, como na sociedade não literária de uma forma geral e o século XIX foi efervescente no surgimento de grandes autores na literatura, sobretudo com os russos niilistas e os francesas iluministas,  Schopenhauer, um solitário individualista, apimentou o debate e angariou seguidores sendo objeto de admiração e de estudos nas universidades, provocando, também, muita polêmica na mídia impressa que era a predominante naquela época.

  O que analisamos para os leitores do BJÁ é sua obra intitulada "As Dores do Mundo" (Edipro, 126 páginas, tradução de José Souza de Oliveira, 2020, Amazon.com R$38,95) em que o autor alemão emite conceitos sobre o amor, a morte, a arte, a moral, a religião, a política, o homem e a sociedade. São reflexões sobre a existência observando o conceito aristotélico da investigação das realidades supersensíveis (metafísicas) naquilo que é extremamente difícil de uma abordagem, tais como a felicidade e o amor. E Schopenhauer, neste livro, coloca a dor como a essência. Ou seja, somente o sofrimento é positivo (sente-se por inteiro) enquanto a felicidade é negativa (mera interrupção temporária da dor). 

  Vejamos o que ele diz sobre o amor: "O amor tem, portanto, sempre por fundamento um instinto dirigido para a reprodução da espécie; essa verdade e nós parecerá evidentemente clara. Em primeiro lugar, deve-se considerar que o homem é, por temperamento, sujeito à inconstância no amor; a mulher, à fidelidade. O amor do homem declina de modo sensível desde o momento em que foi satisfeito: dir-se-ia que todas as outras mulheres que oferecem mais atrativos do que a que possui; aspira à mudança. O amor da mulher, pelo contrário, aumenta a partir desse momento".

  Na visão de Shopenhauer o homem pode gerar mais de cem crianças num ano, se tiver outras tantas mulheres à sua disposição; a mulher, embora tivesse o mesmo número de maridos não poderia dar a luz mais do que uma criança por ano, executando-se gêmeos. Entende o filósofo que, é por isso, "que o homem anda sempre à procura de outras mulheres, enquanto a mulher permanece fielmente dedicada a um só homem, porque a natureza a impede instintivamente e sem reflexão a conservar junto de sí aquele que deve alimentar e proteger a pequena família futura".

  Fosse Shopenhauer defender essas teses nos dias atuais seria linchado diante de suas posições masculinistas e extremamente machistas sempre colocando a mulher numa posição de subordinada. Segundo o filósofo, em relação ao parágrafo acima, "daí resulta que a fidelidade no casamento é artificial para o homem e natural para a mulher, e portanto, o adultério da mulher, devido às consequências que acarreta, e porque é contra a natureza, é muito mais imperdoável do que a do homem".

  Adiante, prospera seu pensamento afirmando que "o gosto pelas mulheres, por muito objetivo que possa parecer, não é senão um instinto disfarçado, isto é, o sentido da espécie que se esforça para lhe manter o tipo". E faz considerações filosóficas pela busca do prazer (de um homem) observando-se uma mulher no que dizem respeito a beleza, às qualidades psíquicas; e por último, as considerações (observação do autor) "puramente relativas a necessidade de corrigir e neutralizar umas pelas outras as disposições particulares e anormais dos dois indivíduos" - (homem e mulher).

  Em relação ao primeiro item, a beleza, diz que, em geral, "a mulher que escolhemos encontra-se na idade compreendida entre o fim e o começo dos mênstruos; damos, todavia, uma preferência decisiva no período que decorre dos 18 anso 28 anos. Nenhuma mulher nos atrai não estando nas condições precedentes. Uma mulher idosa, isto é, uma muher incapaz de ter filhos, só nos inspira um sentimento de aversão".

  No que diz respeito ao segundo ponto, a saúde; e ao terceiro, o esqueleto, o filósofo é ainda mais cáustico: "Doenças agudas só perturbam as nossas inclinações dum modo passageiro; as doenças crônicas, ao contrário, assustam ou afastam; e quanto ao esqueleto "o mais lindo rosto pode compensar um corpo deformado; mas um rosto feio num corpo direito será sempre preferido".

 O filósofo alemão defendia em suas teses filosóficas que "a morte é o gênio inspirador, a musa da filosofia...sem ela dificilmente ter-se-ia filosofado". Adiante, comenta que "nascimento e morte pertencem igualmente à vida, e formam um contrapeso; uma é a condição da outra; são as duas extremidades, os dois pólos de todas as manifestações da vida. É o que a mitologia hindu, a mais sábia de todas as mitologias, exprime por um símbolo, dando como tributo a Shiva, o Deus da Destruição, um colar de caveiras e o Lingam, órgão e símbolo da geração".

  E mais dizia: "Parece que o fim de toda atividade vital é um maravilhoso alívio para a força que a mantém: é o que se explica, talvez, essa expressão de doce serenidade espalhada sobre o rosto da maioria dos mortos. Quão longa é a noite do tempo sem limites comparada ao curto sonho da vida!".
  
  Schopenhauer conceitua que a "virtude, assim como o gênio, não se ensina; a ideia que se faz da virtude é estéril, e só pode servir de instrumento, como as coisas técnicas em matéria de arte. Esperar que os nossos sistemas de moral e as nossas éticas possam tornar os homens virtuosos, nobres e santos é tão insensato como imaginar que os nossos tratados sobre estética possam produzir poetas, escultores, pintores e músicos".
  
 Estabelece, assim, o que considera as três causas fundamentais das ações humanas: o egoísmo, que quer seu próprio bem (não tem limites); a maldade, que deseja o mal de outrem (vai até a extrema crueldade); e a piedade, que quer bem a outrem (vai até a generosidade, à grandeza da alma). Segundo ele, toda ação humana depende dependete de uma dessas três causas ou de duas delas.

 E, sobre a política, bem atual no momento do Brasil das 'fake news" e da censura, diz que "o estado não é mais do que uma mordaça cujo fim é tornar inofensivo esse animal carnívoro que é o homem, e dar-lhe o aspecto de um herbívoro".

 Para o filósofo alemão "se os governos fizessem o seu dever, o céu existiria na Terra, isto é, todos os homens poderiam sem trabalho e sem cuidados comer e beber à farta, propagar-se e morrer: porque é isso que eles entendem quando falam de progresso infinito da humanidade, de que fazem o fim da vida e do mundo, e que não se cansam de anunciar em frases pomposas e enfáticas".

 Pois dito, Schopenhauer é assustador, porém sábio. Sua filosofia é bem fundamentada daí os inúmeros seguidores e discípulos que tem até os dias atuais. "As Dores do Mundo" é um livro básico para entender sua filosofia.