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Rosa de Lima

LITERATURA: ROSA DE LIMA COMENTA PARA ENTENDER PARIS, DE SELMA S. CRUZ

Diria que o relevante na obra de Selma é exatamente o detalhe, a sombra do que não se vê numa produção linear sobre Paris e sua história
10/03/2023 às 17:56
     A jornalista Selma Santa Cruz foi editora e correspondente internacional de "O Estado de São Paulo" e "Veja" em Paris e pisou pela primeira vez na capital francesa em meados de 1970 pra fazer um mestrado. Portanto, uma pessoa que conhece bem a cidade mais bela do mundo. 

  Ademais, o trabalho de jornalista obriga um correspondente a saber a história do local e viver os momentos em que está atuando. Ou seja, também participando da história na medida em que cobre um evento, acompanha o desenrolar de uma greve de trabalhadores ou uma manifestação feminista, integrada numa atualidade. Mas, é também necessário fazer referências ao passado para que os leitores fiquem sabendo o maior número possível de informações. Uma greve - por exemplo, não nasceu do nada. Há sempre antecedentes.

  Recentemente, depois que havia retornado de Paris de uma temporada, li o livro de Selma Santa Cruz, intitulado "Para Entender Paris" (Editoria Matrix, SP, 2021, 220 páginas, capa, projeto gráfico e diagramação de Marcelo Correia da Silva, fotos Shutterstock, R$39,20 site da Amazon) e confesso aos meus cativos leitores que se trata de uma excelente obra sobre a história de Paris, por seus detalhes, por conhecimento profundo da história e didatismo. 

  Há, como sabemos, milhares de obras sobre a história da França e Paris - ensaios, romances, estudos acadêmicos, poesias e outros gêneros literários - mas, é raro encontrar uma obra como a que produziu Selma, quase didática, de fácil leitura, linguagem jornalística acessível a qualquer mortal e com informações dos bastidores da história.

  Diria que o relevante na obra de Selma é exatamente o detalhe, a sombra do que não se vê numa produção linear sobre Paris e sua história e isso tem um valor imenso para os leitores sobretudo para aqueles que, como eu, têm uma noção básica da história da cidade - também anda por lá eventualmente em viagens esparsas e conhece muitos dos lugares citados pela jornalista - mas, desconhece (desconhecia até então) os detalhes. 

  É atípico encontrar referências ao romance do filósofo Abelardo e Heloisa considerados símbolos do renascimento intelectual da Paris do século XII, um dos pais da Universidade de Paris. Abelardo teria engravidado Heloisa e foi punido com a castração se tornando monge e recolhendo-se a Abadia de Saint-Denis.
  
   Há inúmeras referências no livro de Selma que não são encontrados noutras publicações e creio, 90% das pessoas que visitam o Louvre desconhecem as galerias subterrâneas do palácio "alicerces de uma fortaleza construída há quase mil anos e que não apenas deu nome ao castelo que a sucedeu, mas garantiu a sobrevivência de Paris ao longo de boa parte de sua existência, nos longos períodos em que a cidade viveu à mercê de saques e invasões, por parte dos mais diferentes inimigos. Fossem os vikings e normando vindos do Norte, fossem os ingleses que atacavam com frequência pelo Oeste", conta a escritora. 

  E quem determinou erguer essa muralha foi Felipe II, em 1190, que reinou por 43 anos "e consolidou o poder da monarquia sobre a nobreza e inaugurou uma era de prosperidade que lhe valeu o epíteto de O Augusto". Pois é, meu caro leitor, Selma narra esses acontecimentos da raiz difíceis de serem encontrados num apanhado só, num único livro, e colocando no contexto da história aqueles que, de fato, são relevantes com o "O Augsuto" que mudou a fisionomia da vila medieval primitiva. "Sob o seu comando a cidade passou por suas primeiras transformações de vulto, no longo caminho de avanços e retrocessos que seria percorrido até se tornar a metrópole esplendorosa de hoje", comenta.  

   Isso, sim, é a história dos bastidores de um rei que mandou pavimentar ruas, alargar vias e construir um sistema de esgotos e criou o célebre mercado de Les Halles para dinamizar o comércio, ainda nos dias atuais, com as devidas modificações da década de 1970, uma área dinâmica da cidade em comércio e serviços, segundo Selma, o que é "mais um exemplo da capacidade de Paris em se renovar continuamente".

  O livro contém apenas 20 capítulos, cada qual melhor do que o outro, melhor no sentido de revelador dos subterrâneos da história quer quando trata da Place de Vosges quando revela o triângulo amoroso Catarina de Médici, Henrique II e Diana de Poitieres (século XVI); quer quando aborda a área das antigas olaria de telhas as Tuileries, Napoleão III e a Comuna; a transformação de Paris, entre o luxo e a miséria (Século XIX); e adiante a Torre Eiffel, símbolo da Cidade Luz entre a Belle Époque e os Anées Folles, as trevas da I Guerra Mundial (séculos XIX e XX).

  Vamos dar algumas pinceladas nesses três itens descritos pela pena de Selma, com ardor e obstinação. Diz a autora sobre o vaidoso rei Henrique II o qual numa tarde do verão de 1599, Paris festejando um tratado de paz com a Espanha, resolve duelar num torneio de cavaleiros com o conde de Montgomery, Gabriel de Lorges, e tem um olho perfurado. Dez dias depois o rei morre e transforma Catarina, "herdeira da poderosa família florentina de banqueiros, até então menosprezada na corte, numa das rainhas mais poderosas, longevas e controversas da história", diz Selma.

  E olha o que aconteceu para infortúnio da amante de Henrique II, Catarina governou a França por 40 anos com mão de ferro, inicialmente como regente do filho mais velho Francisco II "e depois como eminência parda dois outros dois que ocuparam o trono, Carlos I e Henrique III e arquitetou o casamento de sua filha Margarida - Margot - com o líder dos protestantes o príncipe Henrique de Navarre, futuro Henrique IV, "justamente o idealizador da Place de Vosges".

  Para celebrar essa união liderança protestantes estavam reunidas em Paris, agosto de 1572, quando foram atacados pelos católico , na chacina conhecida como "Nuit de la Saint-Barthélemy" (Noite de São Bartolomeu), "uma carnificina hedionda que se alastrou pelo país, resultando em algo entre 15 mil a 30 mil mortos", escreve Selma.

  Sua narrativa sobre o Palais des Tuileries é expressiva e vai ao baú da história contar como Carlos Luis Napoleão, filho de Luis Bonaparte, portanto, sobrinho do original Napoleão Bonaparte, de exilado político com passagem pelos Rio de Janeiro e Estados Unidos, posteriormente, se fixou em Londres e conseguiu eleger-se deputado constituinte e restaurar o império governando a França entre 1852 e 1870, o chamado II Império que durou quase 20 anos e promoveu um ciclo de crescimento econômico sem precedentes. E é este Carlos Napoleão o imperador Napoleão III, que manda reformar o histórico Palais des Tuileries, para acolher a família imperial, originalmente, construído por Catarina de Médici.

  A queda de Napoleão III está associada a Guerra Franco-Prussiana vencida pela Prússia, em 1870, que afundou Paris no caos e na fome, proclamando-se a República pela terceira vez. Revoltas se sucederam o alemão Karl Marx escreve "A Guerra Civil na França", "logo traduzido e reeditado em toda Europa" e trava-se a "Comuna de Paris", uma experiência história pela tomada de poder pelos trabalhadores, que não deu certo e resultou numa repressão violenta na presidência de Adolphe Tiers, com o assassinato de 25 mil pessoas numa semana. Tudo isso quem narra é Selma, de forma leve, escrita agradável e que merece um ligar especial em sua estante.