Em memória da escritora Danuza Leão que faleceu em 2022, 88 anos, e escrevia sobre comportamento das mulheres (e dos mans)
A escritora Danuza Leão partiu para o outro campo espiritual ano passado aos 88 anos de idade. Meu sentimento é de que pessoas como Danuza deveriam durar como Matusalém 800 anos ou eternamente tal a leveza e categoria com que usava a escrita para contextualizar a sociedade brasileira sem meias-palavras, sem bajulações, sem se preocupar com o patrulhamento de A ou B tão nocivo à vida nacional e expondo suas ideias a luz do seu ponto-de-vista. Falo da escritora e não da modelo e da feminista porque nossa coluna se restringe a literatura e não nos cabe abordar temas como a moda e o comportamento individual, cuidando apenas do que nos legou na arte da escrita.
São muitos livros e textos das colunas jornalísticas que escreveu para a Folha de São Paulo e O Globo, entrevistas e linhas publicadas na internet, e vamos comentar um livro que gosto muito intitulado "Danuza é tudo tão simples (Editora Agir, selo da Nova Fronteira, 2013, RJ, R$40,00 192 páginas - capa foto de Romulo Fialdini; consultoria Pinky Wainer (sua filha) e ilustrações Rita Wainer (sua neta) onde a autora aborda temas do dia-a-dia das mulheres, desde o casamento a coisas com as quais vale a pena gastar, aparentemente corriqueiros, mas que atormentam a vida de milhões de pessoas.
A autora, pelo contrário, como sua longa experiência de vida nos salões da alta roda do Rio de Janeiro, na política e no glamour, foi casada na inicial com Samuel Wainer, diretor do jornal mais influente do Rio na década de 1950, o Última Hora, e depois com o cronista Antonio Maria e com o jornalista Renato Machado, transitando com familiaridade no eixo Rio-Paris-SP-NY cidades que amava igualmente (creio que Paris mais do que qualquer outra) e o faz como diz o título do livro "é tudo tão simples". E quem há de contestar Danuza mesmo ela tendo escrito este livro na primeira década do século XXI quando o patrulhamento ideológico ainda não estava tão arraigado na sociedade brasileira, povoada pelos "sábios da internet".
De qualquer forma sempre é bom lembrar que Danuza deixou a Folha, em 2013, depois que escreveu em sua coluna que NY não tinha mais graça "quando até porteiro podia viajar" e empregadas domésticas estavam melhor sem os direitos propostos pela "PEC das domésticas". A FP, vê-se, também patrulha e Danuza não aceitava qualquer tipo de argola inquisitorial. Em "É tudo tão simples" diz em "coisas que vale a pena gastar" que, sempre vale a pena gastar com coisas para sua casa, "até porque, com o mundo cheio desse jeito, qualquer fim de semana é um estresse com engarrafamentos etc, e a melhor coisa do mundo, cada vez mais é ficar em casa".
Noutro trecho do livro "regras básicas para curtir sua juventude", Danuza polemiza: "Evite sair com casais, sobretudo com casais felizes. Se estiverem quase se separando e brigando muito, deve. Se pintar o assunto idade, vá retocar sua maquiagem: se falar da dos outros, vão acabar falando da sua, o que deve ser cuidadosamente evitado".
E mais: "Ficar nu, quando não é mais uma deusa, pode ser um problema contornável. Os arroubos sexuais devem acontecer, de preferência, na sua casa, onde você tem mais chances de se sair bem; se precisar se levantar para ir ao banheiro, o robe - lindo - já deve estar ao lado da cama, os produtos de maquiagem a postos, a escova de cabelo, o blush. E ninguém precisa transar com as luzes acesas, como se estivesse num palco da Brodway, um discreto abajur no chão pode ser de grande ajuda, para que ele te ache a mulher mais deslumbrante do mundo".
Algumas mulheres leitoras dirão que n]ao concordam com as observações de Danuza, o que é natural, e outras tantas adoram tanto que a escritora faz sucesso desde 1992 quando "Na Sala com Danuza", pela Siciliano, e uma sequência de títulos "As Aparências Enganam" (2004), Quase Tudo (2005) com grande sucesso de público. O detalhe é que a autora diz que seus textos eram livres do pensar e quem quisesse adotar algumas de suas máximas que o fizessem, mas que quem não quisesse ficasse à vontade porque não escrevia para dar conselhos prontos e acabados, mas textos comportamentais que adora em sua vida e uma visa contemporânea do mundo ocidental.
A obra de Danuza deve ser entendida a partir da vivência da autora na sociedade uma vez que esteve muito à frente de outras brasis de sua época de glamour frequentando e vivendo temporadas em Paris a partir do início dos anos 1950, quando a cidade capital da França experimentava as mudanças do pós Segunda Guerra Mundial, a moda avançou como atividade cultural e industrial e ela integrava esse ambiente povoado de intelectuais. Isso seria pouco se ela fosse apenas uma expectadora desse ambiente, mas o que se percebe é de que foi além como analista de comportamentos, de mudanças da cultura, da ascensão da mulher no mundo ocidental não apenas como uma dependente ou coadjuvante dos homens.
E o que é mais importante tendo sua opinião pessoais em relação a mulher brasileira e a contemporaneidade, de cada época, dos agitados anos 1960, da contracultura dos anos 1970 e assim por diante. Foi uma passageira de todos esses períodos (1953/2022) - quase 70 anos - com opiniões próprios, algumas polêmicas, sem se dobrar ao politicamente correto ou ao politicamente engajado em causas feministas.
Danuza era especial e deixa um valioso legado sobre comportamento humano.