Desta feita, em crônicas de textos curtos e linguagem popular, nos oferece "Conversa de Buzú" (Editora do Autor, 114 páginas, EGBA, 2021, ilustrações e arte da capa Lucas Batatinha, edição André Carvalho e Maria Pinheiro, projeto gráfico Everton Marco - Dingo, R$30,00 à venda na Cantina da Lua) uma delícia bem baiana de como as pessoas, os mortais que usavm o transporte coletivo por ônibus em Salvador - apelidados de buzú - conversam e expõem as suas vidas, os seus dia-a-dia, em movimento.
De repente, o leitor está se deliciando com o palavreado de dois usuários do buzú falando da vida alheia de uma vizinha - o pular a cerc - e eis que um deles salta no ponto próximo dando "tchau, até amanhã" e deixa-nos com água na boca do que poderia acontecer o que seria o desfecho da conversa. "Conversa de Buzú" é, portanto, movimento, ação, cotidiano, dizeres, falas, papos, o que acontece dentro dos ônibus em Salvador, o que não é pouco. Não traz interpretações e/ou reflexões salvo se o leitor quiser levar o assunto para o campo da socilogia ou da filosofia ppopular.
- Ô, amigo, esse ônibus é Beiru?
- Não, é Tancredo Neves.
O motorista intervém:
-E Beiru, sim.
De repente, surge a discussão. O passageiro que pediu uma informação, de uma maneira muito grosseira, xingou aquele que deveria lhe dar a informação. E, como muitas pessoas que acompanham modismo, sentiu-se ofendido. Disse que nãoi era carteiro, nem contador de luz ou de água para ter obrigação de dar informação de nome de rua. E muito menos de ônibus! No banco de trás, um garoto, então, falou:
- Parem com essa discussão! Consulta este homem de branco que tá aí perto dos senhores.
O roteiro das crônicas do livro vai nessa direção. O homem de branco citado pelo garoto é o próprio Clarindo, o qual, cheio de dedos para não melindrar nem um; nem o outro passageiro, explica que ambos estavam corretos porque Beiru foi um escravo alforriado dono original das terras daquele bairro e a mudança de nome deu-se quando da morte de Tancredo Neves, político mineiro eleito presidente da República que morreu antes de tomar posse, em 1985. Houve protestos da população contra a mudança do nome e ficou, em síntese, essa confução algumas pessoas ainda chamando-o de Beiru e outras de Tancredo Neves.
Nesse papo, o homem de branco passou do ponto, mas, em compensação foi abraçado pelos passageiros em tertúlia.
O livro tem muito da linguagem baianês que é utilizada pela população de Salvador expressões tais como "passar do ponto", "a valença é que tinha uma mixaria na bolsa", "danei a mijar", "ó mainha, você disse que ia comprar coisas para descarrego", "porra nenhuma", "fazer uma desgraça", "tomei uma dúzia de bolos", "uma espelunca no Largo 2 de Julho", "manda ele pra quele lugar e pronto", "tá lascado", "ela saiu da linha" - esta última frase com dois sentidos: a mulher que desligou o telefone; e a mulher que era decente e deu pra cachorra.
Dá pra ler o livro num fôlego só na própria Cantina da Lua saboreando uma gelada. São apenas 50 crônicas levíssimas, histórias do cotidiando, do preço do pão, dos jogos Bahia x Vitória e das pirraças dos torcedores, da carestia, da moda, dos penteados das pessoas, da vida das vizinhas, dod escritórios, do trabalho, de uma cidade do Salvador bem simples com a sua população falando daquilo que mais gosta, a fofoca do dia, a crônica popicial, a luta pela sobrevivência.
Clarindo, como sabemos, é um desses personagens da cidade - o homem de branco, aquele que está sempre vestido com roupas brancas - que luta, há anos, pela sobrevida do Pelourinho, do centro histórico de Salvador como um todo, representante do que a comunidade negra da capital, a principal frequentadora desse bairro, chama de personagem da resistência.
Conversa de Buzú não traz essa mensagem em sí, diretamente, mas deixa nas entrelinhas. Ou como diz o autor: vou ficando por aqui que meu ponto chegou.