Assim Falou Zaratustra, do alemão Friedrich Nietzsche, é um texto filosófico dos mais lidos e influentes de todos os tempos, numa mistura de filosofia, religião e literatura. Haja complexidade para interpretar e compreender a linguagem metafórica desse autor, muito citado no Brasil por alguns intelectuais no academicismo reinante, porém pouco compreendido em sua essência. E, de fato, a imagem poética posta no livro (Editora Edipro 287 páginas, tradução, introdução e notas de Saulo Krieger - filósofo graduado pela USP e doutor pela UNIFESP, SP, R$40,00) narra uma versão europeizada da vida e dos ensinamentos do filósofo persa chamado Zoroastro, seculo VII a.C
Não há uma ordem estruturada da leitura dos textos e Nietzsche emula que o homem seria um ser transacional, um meio termo entre o macaco e o super-man ou além do homem. O que seria o além do homem e sua crítica social à moralidade, processo sempre em evolução, e o que representa sua célebre frase "Deus está morto", a mais debatida e pomelizada do livro? Não há um consenso sobre essas interpretações uma vez que o livre pensar, na sua essência, é livre. E, em sendo assim, cabem interpretações as mais variadas possíveis, críticas e subversões no sentido mais amplo desta palavra, na construção do moderno pensamento ocidental.
Comenta Kriger em sua introdução ao livro: "Zaratustra seria uma tragédia? Pois sim, e o Zaratustra como tragédia será um dos fios que aqui vamos privilegiar, a fim de esboçar o contorno da obra". Ou seja, o entendimento é amplo, e a tragédia é apenas um deles, em meio a tantas paródias, da bíblia, de Platão, de tantas obras que construiram a civilização ocidental. É bom lembrar que, as três primeiras partes do livro foram escritas entre 1883 e 1885 e uma quarta, em volume único, em 1893.
Neste volume completo é que estamos passando as vistas e o leitor deve situar o autor e o pensamento filosífico dele numa Europa do final do século XIX, de grandes transformações em vários campos - na filosofia, na história, no surgimento da psicanálise e na industrualização, e sobretudo na literatura com o positivismo e o romantismo nascente.
Portanto, sua visão subverte as bases do zoroastrismo que datam de 700 anos antes de Cristo, num outro meio social, época de grandes transformações da cultura européia e mundial e do crescimento das cidades com uma população urbana operária e mudanças no estamento da sociedade. Nietzsche é dessa época mais racional e menos filosofia pura e menos teologia religiosa dando lugar ao racionalismo, a instintos do desperar de uma nova consciência.
"O ser humano como toda criatura viva, pensa continuamente, mas não o sabe". O que significa dizer que estava no ar um novo chamamento reflexivo no sentido de pensar de forma diferente dentro de um contexto social que estava sendo modificado pelo próprio homem.
O além do homem no sentido de observar o que ele chamou de "interiorização do homem" já havia sido contemplado com as grandes navegações donde surgiram o novo mundo, a reforma protestante, o renascimento, a revolução científica, e então seria preciso uma reanálise do comportamento humano. Sérgio Krieger diz que tem um "pensar tão espesso quanto a vida, tão trágico quanto viver e morrer num mundo tão indiferente". Assim, a morte de Deus, o pensamento mais polemizado do livro, seria (Krieger,19) a "visão trágica, a esla fazem frente além do homem, vontade de potência, eterno retorno".
O filósofo revistido de Zaratustra vai ao mercado, ao cotidiano, e em "Das Moscas do Mercado" diz: "Foge, meu amigo, para tuda solidão! Eu te vejo ensurdecido pelo ruido dos grandes homens e alquebrado pelos aguilhões dos pequenos. Dignamente sabem calar contigo o bosque e a rocha. Volta a ser igual à árvore que amas, à mais frondosa: silenciosa e atenta pende sobre o mar". E assim fala Zaratustra: "Onde cessa a solidão, ali tem inicio o mercado; e onde começa o mercado, ali começa o ruido do grande ator e o zumbido das moscas venenosas".
O meio é a mensagem. "O povo quase não compreende o grande, isto é o criador. Mas sensibilidade ele tem para todos os apresentadores e atores das grandes causas. Em torno dos inventores de novos valores gira o mundo, invisível ele gira. Em torno do ator, porém, giram o povo e a fama: assim é o transcurso do mundo".
O livro, pois, é repleto dessas metáforas e o leitor vai também tirando as suas conclusões do que quis dizer o alemão Friederich Nietzsche, aceitando alguns dos seus pensamentos, rejeitando outros, assimilando alguns, rediscutindo com amigos e em salas de aulas os demais, num exercício permanente.
Assim, em "Do Amor ao Próximo" ele diz: "O tu é mais antigo do que o eu; o tu foi santificado, mas o eu anida não; de modo que o homem se apressa em favor do próximo. Eu vos aconselho o amor ao próximo? De preferência vos aconselho a fuga do próximo e o amor ao longinquo", assim falou Zaratustra.
Bem, o mais adequado é ler os pensamentos de Nietzsche em "Assim Falou Zaratustra" e tirar as suas próprias conclusões. Eu tirei as minhas: o livro é um aprendizado interminável.