A espiritualidade, no entanto, é um conceito superior que está acima da religiosidade - se refere a todas as formas de religiosidade
Nos dias atuais em que muito tem se falado na morte diante da pandemia do coronavirus e apelos são feitos à sentimentos de fé, até porque muitas pessoas estão desesperadas e sem saber o que fazer, também tem se comentado bastante sobre a espiritualidade no sentido do apego, como uma espécie de tábua da salvação para os dramas que estamos vivenciando no Brasil. Há uma quantidade enorme de óbitos de pessoas vitimadas por um patógeno invisível, um virus devastador e que ataca impíedosamente os pulmões de suas vitimas. Nesse bojo estão aflorando problemas psicológicos, estresse acentuada em parte da população e outros sintomas.
Vivemos, pois, uma nova realidade na sociedade mundial (e na brasileira em particular) que pegou a todos de surpresa, já dura um ano, e as reflexões sobre esse tema já se tornaram abundantes neste 2021.
Hoje, vou comentar o livro de C.G. Jung, "Espiritualidade e Transcendência" (Editora Vozes, 4ª impressão, 2019, tradução de Nélio Schneider, 353 páginas, R$50,00 nos portais de literatura da internet) que, embora seja um trabalho mais voltado para estudantes de psicologia, psicólogos, médicos e profissionais da área de saúde, também pode ser lido pelos mortais comuns, por se tratar de um assunto de domínio popular.
Os temas religiosos penetraram na consciência coletiva há muitos anos e no Brasil, com o evangelização protestante ascendente pela TV, isso tem se aprofundado e sido comentado no dia-a-dia das pessoas.
A espiritualidade, no entanto, é um conceito superior que está acima da religiosidade - se refere a todas as formas de religiosidade - e que muita gente vem praticando sem, necessariamente, se vincular a uma determinada religião, seita, filosofia espiritual determinista, tornando-as mais livres para pensar e tratar o que emana do espírito ou como etimologicamente se diz a espiritualidade (cheio de espírito, inspirado, animado).
Com isso, os praticantes da espirutalidade se sentem satisfeitas consigo mesmo e com o próximo e preenche sua relação com Deus.
Parece complicado, mas não é. Abstraindo-se dos conceitos relacionados com a psicologia transpessoal, a espirtualidade tem múltiplas formas de manifestações. O desenvolvimento da consciência humana - comenta Jung - "tem um significado cósmico, porque nele o universo reconhece a si mesmo; o ser humano existe para que o Criador se torne consciência de sua criação e o ser humano de si mesmo". Isto é, estabelecer uma correspondência com a essência de Deus, depende da alma de cada pessoa e dos níveis de consciência que ela atinge.
Praticar uma determinada religião é mais simples do que a espiritualidade em si, esta última, uma maneira mais ampla e trancendental de pensar, que exige muito mais do indivíduo do que uma prática religiosa com dogmas pré-estabelecidos, a necessidade de um orientador e um templo - pastor, padre, xamã, monge, etc - e que as pessoas seguem e praticam de acordo com as suas preferências, quer seja o cristianismo, o budismo, o xamanismo ou outras formas de religião, de crenças ou de seitas.
Na espiritualidade, o diálogo interior consigo mesmo tem que ser praticado pelo sapiens, individualmente, a amplação de sua consciência com introspeções pessoais sem seguir determinados dogmas praticados pelas religiões.
"O conceito de Deus - diz Jung - é simplesmente uma função psicológica necessária, da natureza irracional, que absolutamente nada tem a ver com a questão da existência de Deus. O intelecto humano jamais encontrará uma resposta para esta questão. A existência de Deus não tem resposta possível. Mas, o 'consensus gentium' (o consenso dos povos) fala dos deuses há milênios e dentro de milênios ainda dele falará".
O livro é dividido em 5 capítulos - As dimensões da psique, simbolismo religioso, psicoterapia e religião, caminhos espirituais e sabedoria oriental, e realidade e transcendência da psique com suitens de cada tomo, o inconsciente pessoal e o inconsciente coletivo, a função transcendente, a autonomia do inconsciente; a função dos símbolos religiosos, a cura da divisão; introdução à problemática da psicologia religiosa da alquimia, sobre a relação entre psicoterapia e a direção espiritual; comentário sobre o livro Tibetano da Grande Libertação, a ioga e o ocidente, consideração sobre a psicologia da meditação; o real e o suprareal, a alma e a morte, a sincronicidade e o renascimento.
Vê-se, pois, a profundidade da obra é intensa e leigos poderão sentir algum difificuldade de entendimento. O autor, no entanto, procura ser o mais didático possível, pois tinha interesse que seus conhecimentos sonre a espiritualidade e a transcendência chegasse ao conhecimento (pelo menos do entendimento superfial, compreensivel) ao maior número de pessoas possívei.
As considerações em torno da psicologia da meditação oriental, Jung observa as diferenças culturais entre Ocidente e Oriente e copiar modelos de um para o outro, sem uma introspecção na cultura, tem validade diminuta.
Diz que existe uma diferença sutil, mas enorme, entre o mandala cristão e o mandala budista. O cristão jamais dirá em sua contemplação: "Eu sou Cristo. Confessará como Paulo: eu vivo mas já não sou eu, é Cristo que vive em mim. Mas no sutra afirma> Saberás que tu és Buda".
Excelente leitura este livro de C.G.Jung.