Há, na Europa, estudiosos da cultura chinesa mesmo antes da descoberta do Novo Mundo interessados em desvendar e entender essa civilização oriental, sobretudo em relação a conceitos relacionados à filosofia de vida e à religião. Os sábios da China encantam o mundo há milênios e são difíceis de serem entendidos pelos ocidentais diante das distinções das culturas.
Nos modos de vida de cada povo (orientais x ocidentais) existem enormes diferenças, abissais. Entendimentos que podem parecer banais para uns são preciosos para outros. Os sinólogos - estudiosos da cultura chinesa - tentam explicar ao Ocidente o porquê de determinados conceitos e atitudes - modos de vida terrena e espiritual - toda essa intricada fenomenologia, copiar e praticar algumas delas. Os ocidentais adoram fazer isso como se fossem orientais.
Em 1929, psicoterapeuta Carl Gustav Jung e o sinólogo Richard Wilheim publicaram o livro "O segredo da flor de ouro" (No Brasil, Editora Vozes, 15ª edição, tradução de Dora Ferreira da Silva e Maria Luiza Appy, 149 pág, R$35,00 reimpressão de 2020) que contém a tradução de um texto chinês Tai I Ging Hua Dsung Deschi (o segredo da flor de ouro) com comentários e esclarecimentos.
É um livro pequeno em quantidade de páginas, porém de um conteúdo profundo e que exige dos leitores muita atenção. Numa palestra que Jung proferiu em Munique, em 10 maio de 1930, por ocasião da homenagem póstuma a Richard Wilhelm, falecido em 1º de maio desse mesmo ano, disse que "precisamos de uma vida tridimensional se quisermos vivenciar a sabedoria chinesa.
Para tanto, carecemos, em primeiro lugar, da sabedoria europeia de nós mesmos. Nosso caminho começa em nossa realidade e não nos exercícios de ioga que nos desviam dela".
Ou seja, assim como Wilhelm traduziu os tesouros espirituais do Oriente para a visão ocidental, "devemos transpor esse sentido para a vida".
Diz que RW traduziu o termo "Tao por sentido" e transpor para a vida este sentido - realizar o Tao - conceito de Tai I Ging constitui tarefa dos discípulos. Jung questiona: Por que é difícil para o ocidental compreender o Orienta. E responde: "A imitação ocidental é trágica, por ser um mal entendido que ignora a psicologia do Oriente".
Porém, quando fez esse comentário na década de 1930, admitia que a psicologia moderna abria uma possibilidade de compreensão e ele (Jung) era o principal arauto dessa nova psicologia, da psique inconsciente, o que chamou de 'inconsciente coletivo'.
E o que tem isso a ver com o livro do sábio chinês sobre o segredo da flor de ouro?
Para Hui Ming Ging "o segredo mais sutil do Tao é a essência da vida", ou seja, uma elevação da consciência a fim de que a morada da essência espiritual seja "iluminada".
A consciência + a vida é = a exaltação. Segundo Hui, os antigos sábios conheciam o modo de suprimir a separação entre a consciência e vida, para cultivar as duas e chegar ao "schêlti" (corpo imortal) quando se completa o grande Tao.
Haja cuidados na interpretação dos textos de Jung e Wilhelm para que os leitores possam entender o segredo da flor de ouro que é a luz, e a luz do céu é o Tao que habita na "polegada quadrada" no "rosto", isto é, entre os dois olhos das pessoas, o chamado 'ponto criativo'.
No comentário conclusivo de sua análise, Jung diz que a finalidade foi de estabelecer uma ponte de compreensão íntima e anímica entre o Ocidente e o Oriente.
"A consciência ocidental não é a única forma existente de consciência, ela é condicionada histórica e geograficamente, e só representa uma parcela da humanidade. A ampliação de nossa consciência não deve se processar à custa de outras formas de consciência, mas deve proceder do desenvolvimento daqueles elementos de nossa psique, análogos ao da psique estrangeira".
Recado dado.
No seu texto R. Wilhelm diz que Oriente e Ocidente não podem mais serem separados. Psique e cosmo comportam-se como mundo interior e mundo ambiente.
O Tao - sentido do mundo - o caminho, domina o homem do mesmo modo que a natureza invisível e visível (céu e terra). O consciente é o elemento da diferenciação individual e o inconsciente, o elemento da união cósmica", diz,
Em suma, a flor de ouro é a luz e vale para todos os sapiens, em princípio.
Os confucionistas chamam-na o centro do vazio; os budistas o terraço da vitalidade; e os taoistas a terra dos antepassados, o castelo amarelo, a interpretação filosófica: - O coração celeste se assemelha a morada, a luz é o senhor da mesa.
Para RW o animus reside no coração celeste e sua natureza é a luz, é a força do leve e do puro. O animus ama a vida, a anima procura a morte (a anima é feminina - yin - substância da consciência).
O livro traz exercícios de estágios da meditação - concentração da luz, o primeiro. O segundo estágio é o começo do renascimento do espaço da força; o terceiro - libertação do corpo-espírito para uma existência autônoma; e o quarto, o centro em meio às circunstâncias.
São estágios para encontrar a luz (o Tao) exercícios meditativos a partir do vazio, do nada, até o encontro da luz, a verdadeira. Uma viagem à distância a fórmula mágica o modo pelo qual algo se cria a partir do nada.
O Segredo da Flor de Ouro - um livro de vida chinesa - traz ensinamentos valiosos.