Mary Esther Harding era discípula de Car G. Jung e médica e estudiosa da base histórica dos mistérios da mulher
Livros foram feitos para serem lidos. Parece uma observação óbvia. Há, no entanto, livros com textos mais difíceis que exigem um pouco mais de conhecimento e vivência dos (as) leitores (as) daí exigir uma maior atenção com os textos. E quando o tema envolve interpretações psicológicas junguianas fica ainda mais complicado não para aquelas pessoas que são estudiosas desse assunto. Mary Esther Harding, discipula de Carl Jung, obviamente não escreveu seus livros pensando em selecionar os (as) leitores (as). As conferências, sim. Mas, os livros são direcionados a todos.
Em "Os Mistérios da Mulher", Mary Ester Harding, (Editora Paulus, 310 páginas, R$55,00 à venda em vários portais e livrarias, tradução de Maria Elci S. Barbosa e Vilma H. Tanaka - coleção Amor e Psique) a autora aborda uma interpretação psicológica do princípio feminino, tal como é retratado nos mitos, na história e nos sonhos. Haja, pois, complexidade nesse caminho onde são analisadas estruturas mais antigas e profundas do inconsciente e do modo de vida das sociedades inicias da existência do homem na terra.
Médica especializada em doenças psicogenéticas - de origem psíquica com consequências no corpo como a síndrome de pânico - a pesquisadora vai fundo nas pesquisas da base histórica da sociedade e faz uma interpretação psicológica criteriosa da alma feminina.
O livro é dividido em capítulos iniciando com um texto sobre "o mito e a mente moderna" e diz que a vida atualmente (o livro foi escrito em meados do século XX, 1955) "é vazia e estéril e procuramos renovação queiramos ou não, na fonte do despertar espiritual que existe em nosso interior".
Harding advoga que o espírito feminino é mais subjetivo, mais relacionado com sentimentos, do que com as leis e princípios do mundo externo.
A autora mostra que na antiguidade já era assim e os povos primitivos não pensavam, mas percebiam através de um sentido interno, intuitivo - como algumas pessoas ainda fazem nos dias atuais. Ou seja, o inconsciente trabalha sem que o indivíduo perceba isso e essa situação psicológica do inconsciente, somente foi descoberta e analisada por Carl Jung, embora o intuitivo já existisse nas comunidades tribais da Austrália, no povo da Groelândia, na Índia, na China, na Mongólia, na Grécia antiga, entre os celtas, e muitos desses povos incorporavam crenças sobre a lua no centro de sua estrutura religiosa.
Em "A lua como provedora da fertilidade" a autora revela que algumas tribos acreditavam que a lua, sozinha, era capaz de gerar uma criança numa mulher: "Entre a maioria dos povos primitivos, acredita-se que a lua seja não só a responsável pela gravidez das mulheres, como também pela criança na hora do parto" e era chamada de "senhor das mulheres", a fonte da fertilidade.
Já a mulher (lua) no tempo moderno passa por mudanças na ênfase dos valores simbólicos e os relacionamentos sociais e domésticos se modificam. E, segundo a autora, a "mulher passou a sofrer por estar separada das fontes de vida, das profundezas do seu ser".
Nas representações primitivas da divindade lunar (capítulo 4) Harding diz que "o símbolo feminino frequentemente encontrado nas pedras sagradas da mãe-lua é do poder generativo da mulher sagrada e da sua atração sexual pelos homens, tendo uma conotação ligeiramente diferente na taça e no cálice que são símbolos do útero e representam as qualidades maternas da mulher".
A árvore da lua é pintada como uma planta real, com a lua crescente e o Deus da lua com seus ramos representada, às vezes coberta de luzes e frutas, e fitas no tronco como nas figuras assírias.
Essa árvore sagrada é a "casa da mãe poderosa que atravessa o céu". No meio dela está Tamuz - o verde - filho da mãe lua, Istar, sendo que ele próprio é a lua crescente, sucessor de Sin, fruto divino da árvore da lua. Harding diz que, antes que a civilização tivesse progredido, o instinto feminino era percebido como inteiramente animal. Havia uma ferocidade do cuidado materno com a cria e ferocidade de sua luxúria pelo macho".
Assim é o estudo de Harding com base nas interpretações simbólicas dos povos antigos. No capítulo 5, envereda pelo ciclo lunar das mulheres (o desenvolvimento do tabu menstrual foi de fato uma necessidade absoluta para a evolução cultural dos povos primitivos), segue com o sentido interior do ciclo da lua (as superstições são baseadas em conteudos psíquicos projetados no objeto) o homem na lua (Osiris é o deus egípcio da lua) a mãe lua (a palavra hebraica virgem significa jovem mulher), a deusa lua, sacerdotes e sacerdotisas da lua (Mama Quila, no Peru, era a criadora da chuva), o matrimônio sagrado (o reino onde o físico e o espiritual se encontram), Isis e Osíris, o sacrifício do filho, renascimento e imortalidade, a lua mutável e a inspiração e o self (homens e mulheres precisam experimentar a voz do seu demônio interior).
"Os Mistérios da Mulher" é uma aula que deve ser cuidadosamente analisada pelos leitores, de uma profundidade impar e que leva as pessoas a terem um conhecimento mais aprofundado da alma feminina.