Colunistas / Literatura
Rosa de Lima

ROSA DE LIMA COMENTA O LIVRO CLEÓPATRA, DO FRANCÊS ALBERTO ANGELA

Um livro que expressa bem os acontecimentos que resultaram na morte de Júlio César e o surgimento do Império Romano
28/05/2020 às 11:45
   A rainha que desafiou Roma e conquistou a eternidade chamava-se Cleópatra (glória de seu pai) Filópator (aquela que ama o pai), greco-macedônica, filha de Ptolomeu I, rainha Cleópatra VII do Egito. 

   O livro do paleontólogo francês Alberto Angela, um intelectual que atua em pesquisas de campo no Zaire, Ishango, Tanzânia (Vale do Awash), Mongólia (deserto de Gobi)  e outros países da África em busca da origem do homem, comunicador de ciência, escritor e produtor de séries para a televisão, em 2019, publicou um ensaio sobre Cleópatra (Harper Collins Brasil, 447 páginas, R$49,00) que narra a trajetória dessa mulher extraodrinária, seria belíssima, mas, nem tanto; e inteligente e racional como poucas de sua época, a ponto de conquistar em amor Júlio César, imperador de Roma, de quem tem um filho, e depois Marco Antonio, com quem tem mais 3 filhos, um dos herdeiros de César, que dividiu o seu legado com Otaviano.

   A narrativa produzida por Alberto Angela foge completamente do tradicional, do linear, e ele leva os leitores para os detalhes diante de uma prosa incomum e inteligente fazendo com que, quem lê o livro, se sinta como se estivesse vivendo aquele ambiente anterior ao nascimento de Cristo, épocas de Júlio César, e depois da fundação do Império Romano, 27 a.C. por Otaviano.

   E o faz de maneira perspicaz, detalhista, expondo desde as vaidades pessoais da mulher Cleópatra e suas maquiadoras e amas de companhia Eiras e Carmione, que seguem com ela até sua morte, as questões políticas no Senado na época de Júlio César e da Roma de intrigas palacianas e mundanas. 

   E, depois, nas desavenças entre Marco Antonio e Otaviano que resultou numa guerra fraticida em Alexandria com o fim de Marco Antonio e de Cleópatra, então juntos por amor e interesses políticos, e a ascensão de Otaviano como Augusto e único detentor de todo o poder no Império.

   O livro é empolgante exatamente por essas sutilezas. O leitor não acompanha apenas relatos da história de maneira protocolar, mas, participa do cenário como se estivesse em Roma, em Tarso ou na Alexandria, como se também usasse punhais e espadas, ou no caso das mulheres todos os produtos da maquiagem de Cleópatra e as jóias e riquezas que ostentatava no corpo e no palácio real.

   Não dá para ficar indiferente a esses detalhes e só conhecendo a história nua e crua, mas, todos esse enredo, toda essa trama nas camas e nos campos de batalha, na prosopopéia e nos debates das leis, na ponta da espada e na força das legiões romanas, no mecenarismo internacional porque os homens das legiões de vários países eram pagos com moedas de ouro e com terras, propriedades, todo um caldo de cultura bem exposto no livro.

   Diz o autor: "Este livro se concentra em um período crucial da História. Em particular, foca em 14 anos, de março de 44 a.C. a agosto de 30 a.C. É importante descobrir como esses poucos anos foram fundamentais para a antiguidade e para a história do Ocidente. Essa narrativa, na verdade, inicia-se com seis grandes nomes ligados ao poder - César, Cássio, Brutus, Marco Antônio, Otaviano e Cleópatra - e ao fim só Otaviano permanece. Enfim sem rivais, ele terá então o tempo e a sabedoria para estabelecer as fundações de um dos maiores impérios de todos os tempos, o Império Romano".

   E dizemos nós, Alberto Angela narra exatamente as batalhas e as lutas políticas internas que se sucederam após a morte de Júlio César, seguida da execução de todos aqueles que assassinaram o imperador mais querido da história de Roma, a divisão do poder entre Marco Antonio e Otaviano, a presença e o poder de Cleópatra, a qual além de ser amante de Júlio César e Marco Antônio, em períodos distintos, sabia da força e da riqueza do Egito, com suas terras férteis do Nilo com grãos para alimentar o mundo e produzir riquezas.

   Todo um romance extraodrinário onde luxo e espada se mesclam, o Mediterrâneo tem um papel fundamental para que Otaviano conquiste Alexandria e surja, finalmente, o grande império.

   Emoções na leitura desde a narrativa inicial do livro quando o filósofo grego Artemidoro de Cnido atravessa as ruas de Roma com uma mensagem para Júlio César mostrando que uma conspiração estava em curso para matá-lo, o autor vai revelando cada lugar da cidade antiga "rainha das águas", Roma acordando, a população saindo às ruas, as lojas vendendo produtos de seda e de beleza, o perímetro sagrado que define o "pomerium", cada detalhe impressionante que leva o leitor a sentir-se como se fosse Artemidoro, seguindo os caminhos até César.

   Angela é detalhista e oferece aos leitores um livro de história como se você, o leitor, estivesse participando daquela jornada até que os punhais dos conspiradores executam César e este depois é transportado por escravos, numa liteira, já morto, até a sua residência onde vivia com a esposa Calpúrnia Pisônia. 

   A aflição da Calpúrnia ao ver o morto, ela que presentiu a sua morte e naquele dia tentou evitar que o marido fosse ao Senado, a reação popular, o que se seguiu com os assassinos que ficaram atordoados e tiveram que fugir de Roma.

   A par disso, do outro lado do Tibre, na Vila Horto Caesaris, os conselheiros Antônio e Serapião (o velho) e mais o médico de Cleópatra, Olimpio, avisa a amante de César da sua morte e preparam a sua fuga para o Egito. Angela faz uma descrição fantástica, minuciosa de como se deu esse momento, claro, com as observações cautelosas de um historiador com verbos nas condicionais, mas, que retraram a possibilidade real do que teria acontecido.

   Depois, a narrativa sequencial dá-se na disputa pelo poder entre Marco Antônio e Otaviano até a batalha final de Accio, no Mediterâneo e as mortes de Cleópatra (por suicídio) e Marco Antonio (também por seu punhal) e a glórificação de Otaviano.

   Livro ótimo de se ler, leitura leve e sem rebuscamentos, uma aula de história com o fim do helenismo e o surgimento do Império Romano a partir de 27 a.C. Mas, essa é outra história, mais longa e complexa. O Império Romando mudou a cara da Europa, da Ásia e da África, do mundo daquela época, numa transição da antiguidade para uma nova era, sobretudo com uso da engenharia.