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Rosa de Lima

ROSA DE LIMA COMENTA LIVRO DE MICHELE OBAMA "MINHA HISTÓRIA"

A vida da ex-primeira dama Michele Obama Robinson
15/08/2019 às 17:19
Michelle Obama Robison foi primeira dama dos Estados Unidos entre janeiro de 2009 e fevereiro de 2017 e deixou um legado importante na história daquele país, quer por ser a primeira afroamericana a exercer essa função não remunerada; mais porque quando partiu da Casa Branca um dos seus projetos para acabar no correr de uma geração com a epidemia da obesidade infantil chamado Let's Move! (Vamos nos mexer) 45 milhões de crianças consumiam lanches e almoços mais saudáveis e 11 milhões faziam sessenta minutos diários de atividades físicas no programa Active Schools, entre outras iniciativas. A atuação mais relevante, no entanto, foi estar ao lado de Barack Obama em todos os momentos e amparar e educar as duas filhas Sasha e Malia como pessoas normais e não como filhas de celebridades.

No livro autobiográfico "Minha História" (Editora Objetiva, 2018, 440 páginas, R$62,00 nas livrarias e R$47,00 pelo e-commerce) tradução de Débora Landsberg, Denise Bottmann e Renato Marques, Michele conta sua trajetória de vida desde a infância no bairro South Shore, de Chicago, uma área habita por afroamericanos emigrados do Sul do país para o meio Oste e Norte industrializados, sua vida escolar nos ensinos fundamental e médio, a passagem pela Universidade de Princeton formando-se em direito, a vida profissional num dos maiores escritórios de advocacias de Chicago (Sidley & Austin) onde conheceu Obama, e sua vida com o líder negro nascido no Havaí e que chegou a presidência dos EUA derrotando o candidato republicano Mit Romney.

Biografia narrada na primeira pessoa, Michele capricha nas lembranças familiares trazendo à tona sua ancestralidade desde os seus bisavós que trabalharam como escravos nas plantações de arroz do sul do país, a postura irrascível do seu avô que internalizara o racismo sem meias palavras, e a conduta serena de sua avó que lhe ensinou a tocar piano e ajudou a moldar sua personalidade. E, sobretudo, a vidaz dos seus pais Fraser Robison e Marian Shields Robison, o primeiro servidor público da Prefeitura de Chicago que controlava os níveis das caldeiras numa estação de tratamento de água do Lago Michigan e sofria de esclerose múltipla, e rejeitava a medicina; e da dona de casa que foi morar com ela e Obama na Casa Branca para contribuir na educação das netas, mas, não mudou sua personalidade e se comportava como se estivesse morando em sua casa da Av Euclid, em Chicago.

O livro é apaixonante. Michele consegue seduzir os leitores desde as primeiras páginas com sua narrativa familiar, sua peregrinação diária nas escolas do ensino fundamental onde presenciou o racismo enraizado na Chicago dos anos 1960, a ascensão de uma jovem negra moradora de bairro afro até a Universidade elitista e branca de Princeton, seu amor à familia, sua ligação fortíssima com o irmão Craig, sua visão de um Estados Unidos visto como se Chicago fosse o centro do universo até crescer e entrar no mundo da política ao conhecer o advogado Barack Obama, um obstinado afromericano filho de um queniano (Barack Obama) e uma norteamericana ambientalista (Ann Dunham) que vivia na Indonésia. Todas essas voltas sinuosas na vida de Michele ela narra no livro a partir do momento em que conhece e se casa com Obama e concebe duas filhas.

São dois momentos cruciais em sua vida. Imaginava, na infancia, ter um casa de dois pavimentos e como advogada ser bem sucedida em Chicago, mas seu mundo mudou a partir de Obama e a compreensão que ela tem desse fato, a sua integração à vida política de Obama sem perder as suas raizes, sem abdicar dos seus pontos de vista, sem se desligar de sua amada Chicago, do seu South Side mesmo trabalhando na Sidley & Austin no centro glamuroso da metróple de vidro à beira do Michigan, é um ponto de reflexão do livro e serve de exemplo a ser seguido. Michele tem uma personalidade altiva, própria, bem sendimentada nos ensinamentos da familia, e não se deixa modificar.

Aos 54 anos de idade ela disse ao deixar a Casa Branca para o casal Trump: "Estou em um momento de recomeço, em uma nova fase da vida. Pela primeira vez em muitos anos não tenho nenhuma obrigação como esposa de político, não levo o peso de expectativas alheis. Tenho duas filhas praticamente adultas que já não precisam mais tanto de mim. Tenho um marido que não carrega o peso da nação sobre os ombros. Minhas responsabilidades de antes - para com Sasha e Malia, Brack, minha carreira e meu país - mudaram e agora me permitem pensar de outra maneira sobre o que virá. Tenho mais tempo para refletir, para ser eu mesma. Continuo avançando e espero não parar".

E, como vimos neste livro, um projeto integralmente seu, de sua pena, onde lembra passagens do velho Dandy seu avô de Low Country - Carolina do Sul - o neto de escravos que participou da grande migração para Chicago onde conseguiu ser carteiro, pois, era proibido trabalhar numa fábrica diante da falta de uma carteira do sindicato, em racismo explicito, e um dia questionara que Michele pensava como uma branca, todas essas narrativas com muita dureza estão em "Minha História". Esse trabalho a levou a ser uma das mulheres mais influentes nos Estados Unidos e no Ocidente, admirada, copiada em pensamentos e atitudes, com ensinamentos que expõe em franqueza plena e honradez.

Não é à toa que "Minha História" se tornou um 'best-seller' não só nos Estados Unidos, mas, também no Brasil onde é um dos mais vendidos em todas as listas publicadas pelos meios de comunicação e pelas livrarias. Não há rebuscamento de linguagem com texto acessível a qualquer leitor (a). E também uma aula para quem deseja conhecer os Estados Unidos a partir da visão de uma mulher, negra, nascida nos turbulentos anos de mudança de comportamento da sociedade (1960) e a década que mudaria a história dos jovens em todo mundo.

Conhece-se, também, os subterrâneos do poder como é a vida na Casa Branca e a presença de uma primeira dama diferenciada, obediente às normas do Serviço Secreto norte-americano, extremamente rigoroso com a segurança, sem perder o seu glamour pessoal, sem deixar de ser Michele Robinson de Chicago. Ou seja, sem que o deslumbre do poder lhe subisse à cabeça e alterasse sua personalidade.

Saiu como entrou. Belo livro, um aprendizado; grande mulher.