Os primórdios da colonização do Brasil e a corrupção
Foto: BJÁ
O historiador gaúcho Eduardo Bueno com a série de livros que escreveu sobre a História do Brasil - Coleção Brasilis - graças a linguagem popular que se utiliza com tons de jornalismo, muito simples no entendimento, tornou-se um dos mais conhecidos do país. Pessoalmente, gosto muito de suas narrativas, algumas até com dúvidas na preciosidade histórica de fontes primárias, mas, nada aberrantes. O seu estilo despojado popularizou a história do país com uso da multimidia, em especial a televisão.
Em "A Coroa, a cruz e a espada - Lei, ordem e corrupção no Brasil (Coleção Brasilis 4, Estação Brasil, Ed. Sextante, RJ, 285 páginas, R$35,00) o autor com seu texto leve e criativo mostra como a Coroa Portuguesa, a partir do insucesso do projeto das Capitanias Hereditárias (1534) resolve com a cruz (a religião) e a espada (a força) colonizar o Brasil de uma vez por todas instalando um governo geral na Bahia a partir de 1º de novembro de 1549, quando, de fato, a cidade Fortaleza de Salvador começou a funcionar com sua burocracia, a 'justiça' e homens em armas.
O livro é delicioso no estilo Bueno, pois, quem conhece sua extensa obra com mais de 30 títulos, sabe que este autor leva o leitor tal como num roteiro para cinema a participar da narrativa como se estivesse vendo os fatos.
Ao narrar, nas primeiras páginas, o fim do Rustição, Francisco Pereira Coutinho, donatário da Bahia, devorado pelos tupinambás habitantes da ilha de Itaparica, em 1546, mostra que esse episódio teria causado comoção em Lisboa, sede 'civilizada' da Corte, um fidalgo ter servido de refeição a 'bárbaros' incultos, vitima de ardial de um "clérigo de missa", João Bezerra", o que apressou a colonização definitiva do país arquitetada pelo conde de Castenheira, dom Antônio de Ataíde.
O que faz com que os livros de Buenos sejam tão aceitos e vendidos ao público são, exatamente, dados que não se encontram nos livros formais de história. Que outro autor descreve, por exemplo, a corrupção estabelecida pelo bispo dom Pero Fernandes Sardinha com suas indulgências a troco de réis vendida a pecadores para ingresso no Reino de Deus e sua gana de tornar-se milionário? Nenhum.
Que outro autor nos revela que no governo de Thomé de Souza só chegaram a Salvador da Bahia três mulheres portugueas, órfãs filhas de Baltazar Lobo, e os portugueses (mais de 600) se serviam das índias tupinambás em sexo? Só Bueno.
Por isso mesmo que seus livros despertam tanta atenção e leitura. E "A coroa, a cruz e a espada" serve como retrato do país nos dias atuais, pois, a sociedade brasileira foi alicerçada desde a Colônia pelo aparelhamento do Estado, por uma Justiça ineficiente e protelatória aos ricos e rigorosa e ágil com os pobres, pelo clientelismo e pela corrupção.
Corrupção que vem dos primórdios com Pero Borges, primeiro ouvidor Geral (Justiça) e Antonio Cardoso de Barros, primeiro provedor mor da Fazenda, cargos hoje equivalentes a ministros da Justiça e da Fazenda, ambos corruptos. Cardoso de Barros chegou a ser condenado por desviar 114.064 réis - equivalente a um ano de salário de um corregedor em Portugal - por desvio de verbas numa obra em Elvas, em 1543, sendo condenado a pagar o dinheiro extraviado.
Há, de certa maneira, na cabeça de algumas pessoas de que o Brasil até hoje é essa desordem administrativa e política porque sofreu a influência de degredados, colonização por degredados, quando, na realidade, essas pessoas - 60 na primeira leva com Thomé de Souza - não tiveram força, nem prestígio e poder na Colônia, portanto, essa assertiva não tem cabimento.
Foram os letrados, os doutores em Coimbra e Salamanca quem mandavam e estabeleceram as nossas bases administrativas, sociais, política e juridicas que, por defeito de origem, seguem até os dias atuais.
O livro de Eduardo Bueno relata os primórdios da colonização brasileira e isso é valioso para que os leitores possam entender o Brasil atual, até porque, mesmo o país passando por transformações políticas com a instalação do Império e depois com a chegada da República, já em três ou quatro novas fases - a Velha, a Nova, e duas ditaduras - pouco mudou em relação a raiz do passado, não houve uma rutura como aconteceu nos Estados Unidos após a guerra da independência e da guerra civil da secessão, e seguimos atolados na corrujpção e num judiciário ineficaz. Quanto ao poder legislativo nem é bom falar esmerou-se completamente na Colônia e seus apadrinhamentos.
Livro bom, didático sem ser escolar, bom dados interessantes e reveladores, minúcias, desde o preço do pão na Colônia as falcatruas milionárias em contos de réis. Boa leitura.