A internet expõe de forma mais aberta a irracionalidade do todos contra todos no Brasil
Na semana passada, hostilizado e chamado de "golpista" por participantes do encontro anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), no campus da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), o senador Cristovam Buarque cancelou o lançamento do livro "Mediterrâneos Invisíveis". Sabem onde estão acontecendo os debates nacionais sobre política, economia, ciência e outros? Em Harvard, em Priceton, em Cambridge. No Brasil, os brucutus da esquerda não aceitam debates. Querem impor seus argumentos e pronto.
Nesta semana, o escritor Anderson França cancelou sua participação na FLIP/Parati, feira de literatura, por ter sido ameaçado de morte, ele que é popular no Facebook e debateria sobre o tema "Literatura em todas as plataformas".
O professor de História da Unicamp, Leando Karnal, colunista do Estadão e doutor pela USP, lançou, recentemente, o livro "Todos contra todos - o Ódio Nosso de Cada Dia" (Editora Leya, 143 páginas, R$35,00 nas livrarias), o qual traz ao debate exatamente essas relações sociais que no Brasil praticamente deixaram de existir com civilidade e só existem demarcados territórios ou guetos onde só se reúnem aqueles de idéias comuns, idênticas, alinhadas. Não há avanços. Giram em círculos concêntricos dos mesmos;
E quem contesta ou for do contrário, mesmo com os mais sólidos argumentos, é enxotado. Karnal diz que "o ódio integra mais do que qualquer outra coisa". E ele tem absoluta razão nessa afirmativa e em outras citações expostas no seu livro, ainda que eu não concorde com algumas questões relacionadas no contexto histórico.
Quando Karnal aponta que tivemos lutas reolucionárias, o que considera uma guerra civil, e diz que os historiadores nacionais esconderam isso com essa expressão, de fato, não chegamos a ter aqui uma guerra civil no modelo clássico envolvendo todo um país, mas, episódios isolados estaduais não itegradores ou sensibilizadores.
Nem a Independência da Bahia, o 2 de Julho de 1823, cultuada no estado como consolidadora da Independência do Brasil, pode assim ser considerada. Alguns ufanistas assim o fazem, mas, ninguém no país se sensibilizou com a revolta de Madeira de Mello e as lutas foram poucas. Tanto que Madeira fugiu para Portugal com toda sua tropa, comerciantes portugueses e parte da elite que residia em Salvador, sem perder um navio, o almirante Crochane que deveria combatê-lo olhando ao largo a fuga.
O que me agradou mais no livro de Karnal são as observações que faz sobre o ódio nosso de cada dia e esse todos contra todos que se expõe na internet, plataforma de 'sábios' onde cada qual se sente dono da verdade e desfila seus ódios a granel.
Karnal diz que a "internet não criou os idiotas, mas o ataque anônimo nas redes deu ao ódio do covarde uma energia muito grande. Deu-lhe a proteção física e do anonimato". Entende que se trata de uma questão cultural antiga, não apenas pertinente ao Brasil, uma vez que "os males imperarm porque a natureza humana é regida pelo egosismo e pela autro preservação. O homem não possui uma disposiçãoi natural para a vida em sociedade", frisa.
O livro traz inúmeros conceitos e citações de clássicos da literatura, de Platão a Friedich Nietzsche, até para alicercar as observações e tiradas do autor, bem fundamentadas, na abordagem de um tema bem atual (o ódio) alimentado por um meio de comunicação devastador que é a internet, sem fronteiras.
Descreve Karnal: "O ódio transfere a você tudo o que é de ruim. Você só pode ser petista por ser um ladrão. Você só poder ser do PSDB porque é de uma elite branca, insensível e fascista". Ou seja, os rótulos vão tirando a capacidade de raciocínio das pessoas como se usassem orelhas de burro vendo apenas numa determinada direção.
"O problema da polarização é que ela não pensa. Quando digo que você é petralha ou coxinha, paro de discutir as suas ideias e apenas o rotulo. A polarização é burra". O autor complementa que a polarização vem acompanhada de algo ainda pior, que é a vontade de eliminar o oponente. Nada mais oportuno e atual essa observação. É o que vemos no Brasil nos dias atuais, especialmente na política, segmento onde grupos querem impor as suas verdades como únicas e absolutas, a ponto de até decisões judiciais bem fundamentadas serem questionadas de público, peitadas.
O autor não tem receitas para por fim a esse ódio reinante e exposto de forma visceral pela internet e destac que a ética pode ser para nós uma maneira de melhorar e tornar a vida mais reta e melhor.
"Então, o combate ao ódio não deve existir por causa de uma natureza boa ou má do ser humano, mas para tornar mais viável a existência em sociedade. E se a escola, as empresas, a imprensa, se a sociedade em geral lutar por uma vida mais ética, a Presidência da República, os governos em todos os níveis, o prefeito, os agentes legislativos, o Judiciário, todos estarão atrelados a uma mudança".
Parece simples, mas, não é. A gente percebe, em princípio, é que falta esse sentimento. O autor esboça uma solução simples e prática: "Para que interrompamos o fluxo do ódio é preciso interromper o fluxo de ataque irracional". O outro conceito é mais abrangente: "Para quebrar a cadeia do ódio, a primeira tarefa é parar de ensiná-lo às crianças. Interromper esse fluxo de ódio exige interromper a educação do ódio", frisa.
Em sínteve, o livro de Karnal é inteligente, atual, contemporâneo e aborda a natureza das reações raivosas que tomou conta do Brasil tema que povoa as redes sociais e tem provocado tanta polêmica e alimentado ainda mais o ódio.
Livro para servir de cabeceira, de alerta, uma luz no final do túnel para que as pessoas voltem a racionalidade e aos debates, sem extremismos.