O que efetivamente se sabe sobre a história de Maria, mãe de Jesus Cristo, ainda é pouco. Normalmente os autores brasileiros, quase sempre religiosos vinculados a Igreja Católica tratam desse tema mais com uma visão dogmática, de Maria como santa, a mãe do filho de Deus, do que de Maria, a mulher de José da Galiléia, descendente da casa do Rei Davi, região então ocupada pelo Império Romano.
Era uma época em que messianismo constituia-se numa prática e muitos daqueles 'messias' e anunciados 'profetas' eram lançado aos leões ou então executados a golpes de espada em áreas do Templo de Jerusalém.
O que nos traz de novidade e importância o livro intitulado "Maria", de Rodrigo Alvarez (Globo Livros, 222 páginas, nov 2015) é o fato de que o jornalista da Rede Globo, correspondente em SP, Nova Iorque e São Francisco por muitos anos revela-nos a existência de Maria como pessoa humana, mulher, entregue pelos romanos ao viúvo José para ser sua esposa na Arca da Aliança do Tempo.
E toda a sua trajetória desde o nascimento de Jesus, com a peregrinação após a morte do filho crucificado, os prováveis locais onde viveu e morreu, os primórdios do cristianismo primitivo, as dissidências com o judaismo, as diferentes maneiras de religiosidade daquele tempo, até chegar a condição de santa e uma das personalidades mais importantes da Igreja Católica.
Maria, no dogma religioso cristão, deu a luz virgem ao filho de Deus e José (Yosef, em hebráico, depois São José, tutor de Nosso Senhor e padroeiro dos operários - era carpinteiro) e tornou-se seu pai adotivo.
José é celebrado pela Igreja Anglicana, pela Igreja Católica e pela Igreja Ortodoxa, uma quase unanimidade, que o coloca como padroeiro Universal.
Em alguns locais e países, Maria tem um significado e adoração mais forte do que o próprio Jesus - concebida, imaculada, medalha milagrosa, aparecida, Guadalupe, Conceição, Fátima, Lourdes, Majore, etc - e que nome for designada no laudatório mariano.
Isso, de fato, só começou graças inicialmente a Élia Pulquéria, irmã do imperador Teodósio, que a retirou do anonimato após 400 anos da morte de Cristo. É uma história belíssima, de muita fé, de aparições, de brigas, de intrigas, e que levou a Igreja de Pedro a tratar desse tema nos principais concilios que moldaram a formação da Igreja Católica e seus dogmas.
A Batalha da Ponte de Mílvia vencida pelo imperador Constantino contra Maxêncio foi o que tirou o cristianismo então pregado e difundido no Imprério Romando do Ocidente e do Oriente da clandestinidade.
O bispo Eusébio de Cesária, autor de uma biografia sobre a vida de Constantino revela que o imperador sonhou com as palavras "sob este simbolo conquistarás" e o Cristo lhe apareceu em sonho e mostrou-lhe a cruz. O imperador mandou fazer uma cruz de prata que servia de mastro com uma flâmula cravejada de pedras preciosas com as iniciais de Jesus. O Exército de Constantinio na batalha contra Maxêncio (o usurpador) teria usado escudos com a cruz.
Constantino então lidera a igreja e reúne os bispos no I Concílio, em Nicéia, ano 325. Segundo o autor, os bispos falaram muito de Maria ao tratarem das questões fundamentais do cristianismo, mas, não chegaram a um consenso sobre o seu dogma.
É, no entanto, a obstinada Pulquéria, a imperatriz do Oriente, em Constantinopla, anos depois, que inicia os cultos a Maria detrminando que toda quarta-feira o povo cristão fizesse uma vigilia com velas e hinos em homenagem a Maria e saissem em procissão pelas ruas de Constantinopla.
Mais tarde, uma das igrejas construidas por Pulquéria, Santa Maria de Blaquerna, nos arredores de Constantinopla, receberia roupas que supostamente foram as de Maria no momento de sua morte.
O livro de Rodrigo Alvarez tem uma dimensão toda especial porque o autor narra, como se fosse uma reportagem, todas essas passagens da vida de Maria, desde a concepção do Cristo como virgem para espanto de José e dos sitiantes de Nazaré, na Galiléia, a sua vida em familia, o que dizem os evangélios sobre todos esses episódios nos primeiros anos do cristianismo, antes da decisão do Imperador Constantino e após as realizações dos concilios de Nicéia e Éfeso, o papel Cirilo da Alexandria, a força de alguns bispos regionais que eram maiores do que as do próprio papa, até a sagração do Coração de Maria.
É uma história rica em detalhes, especialmente essa parte do chamado cristianismo primitivo e das concepções diferenciadas da adoração a Maria e a Isis em relação a outros segmentos do judaismo e do cristianismo, como o coopta, do Egito; e ortodoxo, da Rússia, do patricarca Cirilo.
Todo um caldo de cultura que durou anos, séculos, até que Maria, a personalidade da mãe do filho de Deus se afirmasse perante a Igreja Católica e aos seus seguidores em todo mundo.
Não é fácil escrever um livro com esse conteúdo. E Alvarez, não o faz com análises empíricas ou com sentimento dogmático, mas, como jornalista, com dados, fatos, citações históricas, documentos, narrativas de autores. Dados consistentes ainda que, nalguns deles, o prórpio autor faça ressalvas sobre alternativas de concepções.
Sem dúvida, fato relevante para a ascensão de Maria foi a determinação da Élia Pulquéria, esposa do imperador Marciano, em fazer com que Maria se tornasse e fosse reconhecida como Theotokos, palavra grega que significa 'portadora de Deus' , tradução que mais tarde os cristãos abençoaram como "Mãe de Deus".
O autor lembra, no entanto, que nessa época não havia consenso sobre o assunto "e a ortodoxia, a verdade sobre o cristianismo, ainda estava começando a ser escrita".
O bispo Nestório, de Constantinopla, desafeto de Pulquéira, proibiu essa concepção e estabeleceu que o correto seria designar Maria como Cristotokos, a mãe de Cristo, de acordo com a bíblia cristã.
Houve uma briga entre os patriarcas da igreja, basicamente Nestório, de Constantinopla; João, de Antíoquia; Juvenal, de Jerusalém; e Cirilo, de Alexandira; e estabeleceu-se no Concílio de Éfeso, gaças a determinação de Cirilo de Alexandria, que fosse estabelecido o primeiro dogma a Maria como a mãe do filho de Deus, a Portadora de Deus.
Terminada as batalhas de Éfeso, o Papa Sisto III, mandou fazer uma reforma numa majestosa igreja de Roma e deu o nome de Santa Maria Maior. A mãe de Jesus - segundo o autor - passou a ser vista cada vez mais como mediadora, como um caminho alternativo para que os fiéis pudessem obter, graças a milages, capaz de interceder junto ao filho, como fizera em vida, ao pedir que ele transformasse água em vinho (Bodas de Caná).
A história se desenrola até o cisma provocado por Martinho Lutero já no pontificado do Papa Leão com a sua compra do perdão de Deus para construir a Basílica de São Pedro, em Roma, e no Concílio de Trento, que durou duas décadas, até 1563, os bispos não condenaram a indulgência, reafirmaram a doutrina católica e fizerem forte defesa ao culto dos santos e a Maria.
Com a descoberta do Novo Mundo a igreja Católica investiu forte para expandir sua religisão e o caso do Brasil é notório, Jesuitas aqui chegaram com o primeiro governador da Bahia, em 1549, e dá-se, no México, a primeira aparição de Maria Concebida Nossa Senhora de Guadalupe a um nativo Juan Diego, um maya apelidado de Juanito. E esses encontros se deram em 1531 quando o Brasil ainda não era, sequer, feudos constituidos em capitanias hereditárias.
Entre nós, a Maria 'aparecida' deu-se em São Paulo, hoje, Nossa Senhora Aparecida, o mais templo religioso das Américas na adoração a Maria. Assim como, em Fátima, a aparição de Maria a três pastores é um dos cultos mais adorados a Maria no mundo.
O livro de Rodrigo Alvarez é precioso.