O Cemitério de Praga não é um livro para iniciantes e merece cuidados especiais em sua leitura, especialmente conhecimento da história universal
Presto aqui minha homenagem ao escritor italiano Umberto Eco que deixou para o mundo da literatura um enorme legado.
Ensaísta, articulista da imprensa, professor e romancista Eco se tornou um nome global impulsionado após a queda do Muro de Berlim (1989) com o romance "O Nome da Rosa" (1980), associado as grandes tendências de integração mundial, a consolidação da União Europeia e as novas formas de intercâmbio das comunicações com as redes sociais e a internet.
Os seus livros e as teses defendidas pelo professor Eco - criticava o canhestro das redes sociais, o tosco, o vultar exarcebado onde todo mundo virou ensaistas a falar inverdades - ganharam o mundo, nos quatro ou mais cantos do pleneta.
Creio que lí quase toda a obra de Eco publicada no Brasil em livros embora seja muito mais extensa do que isso, pois, existe sua produção acadêmica sobre os mais variados temas, em especial sobre a Estética de São Tomás de Aquino e a Semiologia.
No Brasil, como de resto em vários outros países, sua obra literária mais conhecida foi "O Nome da Rosa" (1980), seu maior sucesso literário e que também virou filme com grande público em todo mundo, e seu último trabalho foi "Número Zero" tratando da edição de um jornal que nunca saiu.
Escolhi entre seus livros para um breve comentério, o que considero o mais denso deles em erudição, "O Cemitério de Praga" (Editora Record, 480 páginas, 2010) uma bem tramada fantasia de investigação histórico imaginária das origens do mais destrutivo documento antisemita "Os protocolos dos Sábios de Sião", com singulares críticas ao mundo judeu e a avareza jesuítica na Europa..
Não se trata de um livro para qualquer leitor. Exige-se conhecimento de história universal particularmente da Europa - continente que dominou o mundo da economia, das letras e das artes até meados do século XX - e o livro aborda uma história de complôs, enganos, falsificações e assassinatos, em que encontramos o jovem médico Sigmund Freud (que prescreve terapias à base de hipnose e cocaína), o escritor Ippolito Nievo, judeus que querem dominar o mundo, uma satanista, missas negras, os documentos falsos do caso Dreyfus, jesuítas que conspiram contra maçons, Garibaldi e a formação dos Protocolos dos Sábios de Sião. Todos conspiram contra todos.
Curiosamente, a única figura de fato inventada nesse romance é o protagonista capitão Simone Simonini, um investigador falsário que odia judeus, padres jesuitas, alemães, mulheres, franceses, turcos e muitos mais, e vai destruindo um a um com sua volúpia, com suas verdades e sua bengala de estoque.
Diz Solange Noronha, em crônica sobre "O Cemitério de Praga": "Cheia de tramas conspiratórias contra jesuítas, maçons, judeus e qualquer grupo considerado uma ameaça por outro (ou outros), a história passa da Itália à França nos estertores do século XIX, e conta a História, com “H” maiúsculo, alternando os diários de um capitão e um abade — duas faces da mesma moeda — e interferências de um “narrador isento”.
O fictício Simone Simonini está (ou acredita estar) no centro das inúmeras tramoias verdadeiras relatadas ao longo do livro, entre elas as muitas versões criadas e difundidas para o que se conhece como “Os protocolos dos sábios do Sião”. Como explica o autor, alguns personagens reúnem características de mais de uma pessoa que de fato existiu — e o próprio protagonista não está assim tão longe de ser real, podendo até mesmo continuar entre nós (atire a primeira pedra quem tem idade para se interessar por Umberto Eco e desconhece notícias de corrupção, preconceitos e fraudes à sua volta).
O desprezo generalizado de Simonini aos poucos se particulariza. Depois de destruir o mítico Garibaldi, ele segue destilando fel e atirando farpas em quem mais encontra Itália e França afora, inclusive intelectuais e pintores “medíocres” como Proust, Zola, Monet e que tais.
"O Cemitério de Praga" dissemos nós é um livro complexo, instigante, com personsagens reais da história - salvo Simonini.
- Capitão Simonini - pergunta um interlocutor chamado Lagrange - o senhor tem noticias do abade Dalla Piccola?
- Nenhuma. Por que?
- Desapareceu, e justamente quando fazia um trabalho para nós. Ao que suponho, o senhor foi a última pessoa que o viu: - Havia me pedido para falar com ele, e eu o encaminhei. E depois?
Simonini já havia matado o abade e o autor com toda sua criatividade faz com que o capitão mate o abade pela segunda vez.
Narra Eco de forma genial: "Faltava apenas "matar" (pela segunda vez) Dalla Picolla. Bastava pouco. Simonini tirou o disfarce de abade e repôs o hábito no corredor; e eis que Dalla Picolla desapareceu da face da terra".
Por outros motivos, também desapareceu da face da terra o excepcional ficcionista Umberto Eco e todos nós lamentamos muito a sua perda.
Fica a obra para nos deliciarmos.