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Rosa de Lima

ROSA DE LIMA comenta livro sobre a vida do pintor Floriano Teixeira

Floriano tinha a cara de índio como a maioria dos nascidos em Cajapió e adquiriu a identidade buda-nagô, como diria Dorival Caymmi, na cidade do Salvador
06/03/2016 às 10:30
 Acabei de ler mais um livro da Coleção Gente da Bahia publicação da ALBA com a EGBA sobre a vida do pintor e gravurista Floriano Teixeira, obra escrita por seu filho Cristiano Teixeira. 

   Essa coleção retrata personagens baianos ou de outros estados que viveram na Bahia, como é o caso do maranhense Floriano, que chegou em Salvador aos 42 anos de idade quando já era considerado um pintor consagrado em Fortaleza cidade que viveu depois de passagens de sua natal Cajapió, por São Luis, a capital maranhense.

   Floriano tinha a cara de índio como a maioria dos nascidos em Cajapió e adquiriu a identidade buda-nagô, como diria Dorival Caymmi, na cidade do Salvador diante sua amizade com o grupo de artistas e intelectuais baianos que era capitaneado pelo escritor Jorge Amado, o qual quando gostava de uma pessoa prosava e amparava. 

   Assim foi com Floriano, um amor intelectual a primeira vista, desde que o maranhense promoveu e participou de uma Expo no MAMB, na década de 1960, dirigido na época pela italiana Lina Bo Bardi.

   O livro escrito pela pena de Cristiano Teixeira, óbvio com uma visão paternalista do pintor, mas, sem excessos ou elogios gratuitos, traz também depoimentos de Guido Guerra, Antonio Gato, Juarez Paraíso, James Amado e textos de Jorge Amado de apresentações em alguns dos seus livros, além de um brilhante prefácio de Délio Pinheiro.

   Comecemos por Dèlio: "Rua Ilhéus, 33. Rio Vermelho. Muitos anos atrás, em um dos dias da primavera dos anos 1980, perto das onze da manhã. Chego ao endereço fácil de memorizar que me fora dado dias antes pela pintora Magadlena Rocha, minha amiga. Um muro alto revestido de ardósia protege a intimidade da casa de dois andares. Toco a campanhia ao lado do portão de madeira maçica envernizada. Minha ansiedade imaginara esse momento muitas vezes. Eu estava tenso. O encontro a ponto de acontecer me intimidava. Afinal de contas ia conhecer um artista plástico consagrado, cujas pinturas, desenhos e gravuras me fascinam até hoje".

   "Enquanto espero - segue Délio - noto na pequena viga sobranceira ao portão um azulejo com um original desenho do signo zodiacal dos peixes. Depois de algum tempo o portão entreabriu  e surge um homem que me examina com os olhos perscrutadores. É um homem maduro, tez morena, de baixa estatura, bigode grisalho espesso sombreando um leve e amistoso sorriso. Cara de índio. Índio manso. Tive a impressão repentina de estar diante de um indio amazônico andarilho extraviado na cidade da Baía de Todos os Santos. Pergunto ao "índio" com bigode a la García Márquz se ali é a casa do pintor Floriano Teixeira. Era ele".

   Em sua 27 edição do livro Baía de Todos os Santos, Jorge Amado, descreve-o: "Nasceu no Maranhão, viveu no Ceará, onde plantou raizes fundadas, terminou na Bahia e aqui se transformou finalmente num artista profissional conhecido e proclamado. Sendo um dos maiores desenhistas brasileiros de todos os tempos, na Bahia conquistou a pintura com paciência, enorme talento e rara consciência artística. Sua obra é de comovente beleza". 

   Fala o professor Juarez Paraiso sobre seu desenho: "Mesmo quando dirigidos à ilustração de textos, os desenhos de Floriano Teixeira possuem vida própria, transcendendo a sua função inicial e encarnando novos conteúdos. Escapam dos limites das ilustrações, pela riqueza das associações que despertam e pela força de sua estrutura plástica. O desenho expressa a síntese de uma mente analítica, daí a umicidade de sua abastração linear, a força e intensidade de suas imagens concebidas luminosas e despojadas.

   James Amado, com pena suave e mais refinada do que a de Jorge, seu irmão Amado, diz também em depoimento que a Bahia deu a Floriano o que mais queria "porque sua arte se fez necessária". James destaca que Flirano nunca usou recursos de marketing, "não tinha jeito para nenhuma dessas arapucas, não era um vendedor. Gostava de saber que sua arte atingia carências, fazia bem aos que tinha seus quadros. Viveu feliz como era devido. Usava a liberdade do seu tempo para compadrio da amizade. Nos últimos anos não tinha quadros seus nas paredes, os "usuários" de sua arte faziam as encomendas à Alice e nunca tiveram a ousadia de dizer ao pintor o que devia pintar, nem como".

   Essa são pinceladas na vida de Floriano que achei interessante de colocar aqui para traçar um pouco de sua personalidade, apegado a arte, a casa, a familia a uma vivência cotidiana onde existam a arte, a prosa, a amizade e a liberdade plena de criar.

   Diria que esses depoimentos são suficentes para que o leitor tenha uma idéia  do personagem Floriano Teixeira com complementos de revelações feitas por seu filho Cristiano Teixeira, o autor da obra.

   O livro relava também como Salvador, daquela época dos anos 1970/1980, respirava arte e cultura em cada esquina. Foi com esse sentimento que Jorge falou para Floriano: "Venha para a Bahia que é a terra dos artistas". E ele sentiu essa aura, sentiu essa atmosfera e veio com sua eterna Alice e filhos e nunca mais voltou para Fortaleza, sua segunda morada, nem para a sua terra natal, o Maranhão.

   Na Bahia se tornou o artista nacional, cresceu, evoluiu, sem perder seu traço original índio, desenhando as formosas mulheres que expôs em suas telas, as redes, os pássaros, os galos, e a critividade das janelinhas que se tornaram famosas e representavam um quadro dentro do quadro, e que atraia a atenção dos colonecionadores e clientes dos seus trabalhos.

   Floriano faleceu em 21 de junho de 2000 e deixou um legado enorme para a arte brasileira. Ainda hoje sesus desenhos e pinturas são disputados por colecionadores.