Historiador inglês Ian Kershaw mostra como funcionava o comando das forças nazistas na Alemanha de Hitler durante a II Guerra Mundial
A literatura sobre a II Guerra Mundial - como fato histórico - é a mais densa e complexa da humanidade. Nenhum outro episódio atraiu tantos escritores em trabalhos de historiografia, ensaios, romances, crônicas, biografias e diferentes estilos. Há ainda uma infinidade de outros produtos culturais pertinentes à Grande Guerra, em videos, documentários, cinema, artes visuais, teatro e assim por diante.
Às vezes somos surpreendidas - no campo literário - com algo novo nesse segmento, algo que aborda um ângulo ainda inédito como é o caso do livro do historiador inglês Ian Kershaw, "O Fim do Terceiro Reich" (Editora Companhia das Letras, 596 páginas, tradução de Jairo Arco e Flexa, 2015) uma abordagem sobre o centro do poder nazista e suas indiossincraias, o comando da máquina política, da propaganda, das forças armadas, da Gestapo.
Uma intrepretação baseada em dados, em depoimentos, em textos de diários de alguns desses personagens, explicando-se porque a Alemanha nazista lutou até a sua destruição total, sem render-se, levando só nos aglomerados urbanos e rurais à morte de 400 mil pessoas e a destruição de centenas de povoados, vilas e cidades, incluindo a capital Berlim. Nos bombardeios a Dresden foram mortos 25 mil civis numa noite.
Trata-se, sem dúvida, de um dos maiores enigmas da Grande Guerra porque os nazi tiveram chances múltiplas de se renderem pondo fim a guerra nos idos de 1943, mas, ainda assim, o conflito só terminou quando Adolf Hitler e parte de sua cúpula se mataram e no rastro desse episódio final, em abril de 1945, milhões de pessoas nos seis anos da guerra morreram na Europa, cidades alemãs e de vários países foram destruidas e civis pagaram com a vida, sem necessariaemente estarem integrados no socialismo hitlerista ou contra sua dominação.
Como se explica a sobrevida do Estado nazista quando estava evidente que não havia chance de vitória? Por que o Exército alemão concordou em lutar se o abismo era certo? Por que a sociedade alemã permaneceu fiel ao regime a ponto de tolerar o extermínio dos poucos que se insurgiam contra a luta inútil?
Como entender a liderança de Hitler e a coesão da sociedade alemã até o último tempo, da guerra total, de uma cegueira quase irracional quando a guerra estava perdida há anos desde o desembarque dos aliados na Normandia e a derrota da Batalha de Leningrado?.
É exatamente isso que o historiador inglês Ian Kershaw - autor da melhor e mais completa biografia sobre Hitler - em livro bem documentado, com densa bibliografia, tenta mostrar aos leitores com convencimento.
É claro que algumas de suas afirmativas são passíveis de outras interpretações, mas, o que escreve tem substância por está alicerçado numa densa quantidade de provas irrefutáveis.
O autor adverte que não se trata de um livro sobre a história militar da GG, os episódios nos campos de batalha, nem uma história do planejamento das forças aliadas e do Exército Vermelho, mas uma tentativa de compreender melhor como e porque o regime nazista conseguiu sobreviver por tanto tempo.
E quem foram esses personagens principais que conviveram ao lado de Adolf Hitler - comandante supremo da Wehrmacht, chefe do governo do Reich - o sustentáculo da máquina nazista: Martin Bormann, chefe da Chancelaria do Partido Názi e secretário de Hitler; Joseph Goebbles, ministro do Esclarecimento e Propaganda do Reich; Hermann Göring, marechal do Reich, indicado como sucessor de Hitler, presidente do Conselho de Defesa do Reich, e comandante chefe da Luftwafffe (aviação); Heirinch Himmler, Reichsführer-ss, chefe da Policia Alemã, comissário do Reich para o fortalecimento da Nacionalidade Germânica, comandante em chefe das forças de reservas.
Ainda gravitavam em torno desse núcleo os gaulleiter - comandantes mnilitares e de governo das dez províncias espalhadas pelo país, da Alta Baviera ao Tirol; e mais Erns Kaltenbrunner, ss-Obergruppenführer, general da SS chefe da temida e sanguinária Policia de Segurança; Wilhelm Kritzinger, secretário de estado da chancelaria do Reich; Hans-Heirich Lammers, ministro do Reich e chefe da chancelaria; Robert Ley, chefe da Organização do Partido Nazista e da Frente Alemã de Trabalho; Joacquim von Ribbentrop, ministro do Exterior do Reich; Lutz Graf, ministro das Finanças; Arthur Seyb-Inquart, comissário do Reich para territórios ocupados; Albert Speer, ministro do Armamento e da Produção da Guerra; Whlhelm Stukart, ministro do Interior.
Foram basicamente esses homens - no governo Hitler não havia mulheres em comandos - e mais os chefes militares de campo, como Walter Model, marechal de Campo e comandante dos exércitos do Centro; Karl Donitz, grande almirante, comandante da Marinha e presidente do Reich depois da morte de Hitler; os comandantes dos Exércitos Panzer; Heinz Guderian, chefe do Estado Maior dos Exércitos; e mais onze outros, que determinam o curso da guerra, até onde iria, sem rendição, mesmo sabendo que haveria um extermínio dos exércitos, mais do que qualquer outra das força armadas, prisioneiros ecarcerados e civis aniquilados.
Estima-se, por observação do autor, que um terço dos soldados capturados ao longo de todos os combates no Leste, por volta de 1 milhão de alemães foram feitos prisioneiros de guerra e morreram ao longo dos anos nas mãos dos soviéticos em campos de trabalho forçado na Sibéria.
Trata-se de um livro arrebatador também para se entender a mentalidade desses comandantes muitos dos quais forjados na escola prussiana da disciplina e da força acima de qualquer virtude (Escola Junker), da morte à desonhora, as estruturas de comando e como Hitler manobrava cada uma dessas peças, as desconfianças depois do atentado à sua vida, em 1944, pelo coronel conde Claus von Sctauffenberg, a fidelidade mais do que canina ao füher supremo, sem contestar suas opiniões, ainda que muitos deles entendessem que alguns dos seus comandos e atitudes os levavam ao fracasso.
A GG teve episódios marcantes pós Normandia e Leningrado. Hitler e seus comandantes, em especial o chefe da propaganda (Goellbes), este levou levou a população alemã a acreditar na supremacia das forças nazi, imbatíveis assim seriam, poderiam ter posto fim a guerra em 1943 diante da proposta de rendição incondicional feita pelos Aliados pós Conferência em Casablanca.
Mas a guerra se prolongou até abril de 1945 e findou-se após a invasão em dois flancos, em movimento de pinça, os soviéticos com o Exército Vermelho a Leste pela trilha da Polônia até chegar a Potsdam nos arredores de Berlim; e os aliados pelo Ocidente, via França e Bélgica, cortando a região industral e rica da Alemanha até o Elba e Berlim.
O autor inglês narra as divergências entre esses homens, o esforço de Albert Speer para manter as forças armadas com armamentos competivivos quando perde a força motriz produtiva industrial do país; a propaganda de Goellbes ilusório até o final e a persistênciade Martin Bormann no comando do Partido Nazi e a morte de todos esses líderes que só se suicidaram em abril de 1945.
Goellbes, o mais fanático dos generais, cuja máxima propagandística até hoje serve como ensinamento ou prática de algumas ditaduras, "mentir, mentir, mentir sempre ao povo fazendo com que a repetição de uma mentira se torne verdade" se matou, a ele, a mulher Magda e seis dos seus filhos. Considerava uma desonra suprema cair na mão dos aliados ou dos vermelhos.
Este é o livro e Ian Kershaw uma aula das mais valiosas para que deseje entender como funcionava o comando da guerra no lado dos nazistas e seu fanatismo supremo em torno do fürher, Adolfo Hitler.