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A cada publicação da coleção "Gente da Bahia" uma nova surpresa e revelações que vão compondo a história do estado, especialmente da cidade do Salvador, onde a maioria dos personagens até agora descritos vivia e exercia suas atividades.
A novidade, agora, ficou por conta do livro sobre Francisco Pithon escrito pelo jornalista Flávio Novaes, (Edição Assembleia Legislativa, 209 páginas com fotos, 2015) o qual descreve a tragetória de vida desse 'principe' do cinema, o maior e mais apaixonado exibidor de filmes da Bahia entre as décadas de 1940/1970.
Pithon não foi um simples exibidor de filmes e sim um 'manager', um 'gentelman', um apaixonado pelo cinema e que revolucionou as salas exibidoras em Salvador e Feira de Santana. Marketeiro nato, quando em sua época essa expressão era pouco usada e utilizada, empresário de faro fino, conseguiu colocar a capital baiana entre as cidades mais avançadas do mundo nas exibições de filmes, oferecendo aos seus clientes conforto e serviços adicionais.
Segundo o articulista André Setaro, critico de cinema, o qual escreveu durante muito anos sobre a sétima arte na Tribuna da Bahia e faleceu recentemente, "poder-se-ia dizer que o mercado exibidor baiano era um antes de Pithon e outro depois dele. Um divisor de águas".
E mais do que isso, como bem observou Carlos Coqueijo, ministro do Tribunal Superior do Trabalho e primeiro presidente do Clube de Cinema da Bahia, "Pithon foi, sobretudo, um homem solidário, que amava a Bahia, que colaborava com o que representava nossa evolução e progresso. Cedia seus cinemas para tudo o que fosse promoção cultural. O Clube de Cinema só existiu graças a ele".
Pithon era uma unanimidade e o jornalista Flávio Novaes, cuidadoso pesquisador desde o tempo em que escrevia matérias sobre a cultura baiana no Correio da Bahia e em A Tarde, soube resumir num trabalho de pouco mais de 200 páginas a trajetória de Francisco Catharino Pithon, assim escrevia seu nome completo, desde o momento em que se envolveu em trabalho na Congregação Mariana de São Luis e no Circuclo Operário da Bahia, e a iniciação ao amor pelo cinema com frei Hildebrando Kruthaup.
O livro é um passeio pela história de Salvador nesse segmento da exibição de filmes e as transformações que aconteceram nos cinemas, tanto em termos das novas tecnologias do cinemascope e da melhoria na qualidade do som e das amplitudes das telas; até as mudanças das cadeiras de madeira para as alcochoadas, as salas com ar condicionado, os novos costumes que a cidade ia introduzindo, os porteiros engravatados e a introdução de obras de arte nas salas de espera.
O jornalista José Augusto Berbert, o qual durante muitos anos escreveu sobre cinema em A Tarde diz que Pithon trouxe o luxo para os cinemas da Bahia. "Todos os cinemas eram finos, luxuosos e assim deveriam continuar. Nos meus cinemas é proibido, como muita razão, o ingresso de pessoas chupando rolete de cana, picolés, etc, ou que estejam sujas e embriagadas", comenta Berbet em 25 de novembro de 1966.
Flávio Novaes revela-nos, ainda, que Pithon tinha uma capacidade de convencimento impressionante e transitava com desenvoltura entre os empresários endinheirados, especialmente Norberto Odebrecht, os politicos, os governadores, a igreja católica, os intelectuais e os artistas. Era capaz, como o fez várias, vezes de trazer artistas de nome internacional para estreias e lançamentos de peliculas em seus cinemas.
O livro é o retrato de uma época em que o cinema se tornara a principal atividades de lazer e cultura da cidade do Salvador. Os filmes mereciam comentários dos jornais, a população participava das exibições com paixão, a cada novidade e a cada lançamento filas imensas nas portas dos cinemas, algo imprensável nos dias atuais.
Salvador não possuia centros comerciais de porte, salvo 'As Duas Américas' e o 'Politeama', e todos os cinemas eram nas ruas e praças, o Excelsior, o Tamoio, o Bahia, o Liceu, os Artes I e II, esses mais no centro; e o Tupi na Baixa dos Sapateiros; o Roma e o Itapagipe nos bairros.
Diria, pelas descrições de Flávio Novaes, que a grande paixão de Pithon foi o Cinema Guarany, que vem lá dos primórdios da República Velha e foi reinaugurado e reformado na década de 1950, numa sociedade entre Pithon e Francisco Prado Valadares, tendo a firma Correia Ribeiro na sociedade, inauguração que se deu em 20 de janeiro de 1955.
O cinema chegou acompanhado do Teatro Guarani (com nova grafia), implanta-se o cinemascope com tela retangular e larga e os baianos se sentem orgulhosos com as novidades. Os governadores compareciam as sessões e as inaugurações e os bispos benziam as salas.
André Setaro descreve a inauguração do Guarany: "Os baianos podem vê-lo, em meados do decurso dos 50, no Guarany, em noite de gala, e ficam surpresos quando Richard Burton, um dos autores principais, ao andar do lado esquerdo para o direito do enquadramento, tem sua voz também a acompanhá-lo. É a novidade do estéro que espanta àqueles acostumados à uniformidade do momo".
Piton faleceu em 1992 e assistiu a 'morte' dos cinemas de rua com a chegada dos shoppings centers na cidade a partir da segunda metade da década de 1970 e soube entender as mudanças de comportamento da sociedade, também embaladas no sonho televisivo que chegava às casas a cores e a custo zero, mas nunca abandonou a paixão pelo cinema, muda de profissão sendo juiz leigo e cuida de outras atividades no Clube Inglês e no Rotary.
Como diz o pensador Niels Bohr "a vida só pode ser compreendida olhando-se para trás, mas deve-se ser vivida olhando-se para frente" e a trajetória de Piton tem esse sentido. Pithon não morreu amargurado nem sentido com as transformações do tempo. Compreendendo-as e seguiu adiante.