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Rosa de Lima

ROSA DE LIMA comenta Pós-Guerra, uma história da Europa, de Tony Judt

Excelente livro para se compreender a história da humanidade a partir de 1945
23/08/2015 às 12:34
 Há muitos livros, estudos, reportagens, documentários e análises sobre a II Segunda Guerra Mundial e os acontecimentos vividos na Europa durante quase 10 anos, entre 1937 e 1945. Esse episódio da história mundial modificou as relações internacionais, alterou o mapa da Europa, inseriu os Estados Unidos e a União Soviética como potências militares no concerto das Nações e mudou o mundo. A II Grande Guerra foi um divisor de águas, de conceitos, de uma nova geopolitica mundial e alterou as relações mundiais no comércio, na indústria, na cultura em todos os segmentos.

   Os cientistas, nesse período, dominaram a fusão nuclear e produziram as bombas atômicas que mataram (apenas duas delas) 240.000 pessoas nas cidades de Hiroshima e Nagashaki e só assim os EUA conseguiram conter o Japão. A partir dessa descoberta (e uso) instituiu-se o ambiente da "Guerra Fria" que atormentou a humanidade nos últimos 70 anos e até hoje provoca uma corrida às armas nucleares, agora pelo Irã. 

   O que adveio depois desse período e nas relações do Ocidente com o Oriente, especialmente na Europa é o que vamos comentar no livro do historiador Tony Judt, "Pós-Guerra - uma história da Europa desde 1945" (Editora Objetiva, tradução José Roberto O'Shea, R$95,00 843 páginas com bibliografia), no meu entendimento, um dos melhores livros sobre o que se passou depois da guerra e como a Europa se mobilizou e se organizou para enfrentar o 'day-after'. 

   Alguns países estavam com suas economias destruidas, outros vivendo sob o controle do regime comunista e a Alemanha, principal personagem da guerra, recuperando-se mais rápido do que se imaginava porque, em parte, mantivera a sua economia funcionando para atender sua máquina de guerra e tinha um povo escolarizado e disciplinado.

   O livro pode não ser perfeito e até admitir-se que alguns conceitos utilizados por Judt são questionáveis, o que é natural diante da abordagem de um tema tão complexo envolvendo nacões e culturas diferenciadas. Creio, no entanto, que nunca alguém escreveu uma obra num único volume tão completa como a desse historiador inglês falecido precocimente, em 2010, vitima de câncer. 

   O que mais chamou-me a atenção nessa obra é exatamente as informações que o autor coloca do mundo europeu pós-guerra subordinado a Rússia, as lideranças de países como a Polônia, a Hungira, a Alemanha Oriental, Tchecolosváquia, personadidades pouco estudadas no Brasil. 

  O próprio autor admite que o livro é "cheio de opiniões" e oferece uma interpretação "francamente pessoal", portanto, falíveis, controversas, questionáveis, numa abordagem tão complexa. Diz que, apesar disso, tomou por base outros trabalhos da historiogragia clássica moderna que incluem as obras "A Era dos Extremos", de Eric Hobsbawn; "A Europa do Século XX", de George Lichtheim; a "História Inglesa 1914-1945", de A.J.P. Taylor; e "O Fim de uma Ilusão", de François Furet. A bibliografia utilizada pelo autor é extensa e os leitores precisam ter conhecimentos básicos da história univesal mais recente para acompanhar os racionícios expostos por Judt.

   ​É um livro dificil de ser interpretado ainda que o autor procure colocar seus pensamentos de forma didática iniciando com uma abordagem sobre o legado da guerra, um cenário de miséria e desolação total, com fluxos de civis impotentes atravessando paisagens arrasadas, cidades destruidas e campos áridos; descrevendo os programas de reabilitação e os esforços dos países e suas populações, as reorganizações politicas e partidárias.

   A luta dos novos dirigentes nacionais, o que restou e o que se consolidou como força politica das 'exércitos' da resistência contra as forças nazistas, muitos dos quais não sobreviveram e tiveram interpretações diferenciadas, exigindo-se novas lutas e guerras que ocorreram no continente até a queda do muro de Berlim, em 1989, que é um marco, representa o fim da dominação soviética na Europa, com a Perestroika de Gorbachov.

   O que Judt coloca com extremo cuidado para interpretação dos leitores é exatamente como se moveram essas forças políticas e as organizações civis e militares da sociedade para soerguer uma civilização que foi quase dizimada. Estima-se que 36.5 milhões de europeus sucumbiram entre 1939 e 1945 e os tentáculos da fúria nazista chegou até a União Soviética onde 70 mil vilarejos e 1.700 cidades de pequeno porte foram destruidas, além de 32 mil fábricas e 64 mil kms de ferrovias.
 
   Em Viena, Áustria, 87 mil mulheres foram estrupadas por soldados soviéticos nas três semanas subsequentes a chegada do Exército Vermelho. A guerra foi implacável nos dois lados, indomável. Durante o inverno da fome, na Holanda, na passagem de 1944 e 1945, quando algumas regiões já haviam sido libertadas, 16.000 cidadãos - idosos e crianças - morreram de fome.

   Vê-se, pois, a imensa tarefa que foi soerguer a Europa. Imaginar, como algumas pessoas pensam, que terminada a guerra tudo voltou ao normal é um brutal engano. As Nações, mesmo aquelas mais disciplinadas e com forte sentimento patriótico e de resistência (caso da Inglaterra), suas populações sofreram demais no pós guerra, mesmo com a ajuda financeira do Plano Marshall, sujeitas a racionamento de comida e um trabalho imenso para recompor sua infra-estrutura. Só lembrando: Londres foi praticamente destruida pelos bombardeios da Lufhansa, mas, não capitulou.

   Outros países que integram a Europa tradicional e passaram ao controle da União Soviética amargaram novas lutas, enfrentaram novas batalhas e confrontos, não só no âmbito político, mas, também, no âmbito das questões culturais, nos tribunais de excessão que levaram a morte muitos dos heróis da resistência da ocupação nazista e que se depararam com uma nova ocupação, sem liberdades de expressão e de comando dos seus povos.

   Até a derrubada do Muro de Berlim foram mais de 40 anos de revoltas e outros fatos. Judt alinha todos esses fatos, o papel da França e da Inglaterra, a ação dos EUA, as revoltas na Polônia, Hungria, Tchecolosváquia e assim por diante. Livro com ensinamentos profundos.
   Um dos momentos mais brilhantes da interpetação do ator situa-se no capítulo dedicado as 'Guerras de Culturas" ou como descreveu Arthur Koestler: "É inevitável que as pessoas estejam certas pelas razões erradas ...Esse receio de se ver em má companhia não é indicação de pureza politica; é a indincação da falta de confiança". 
 O autor aborda tema extremamene delicado que fora a luta entre o fascismo e a democracia, na época da guerra, e o enfrentamento das futuras gerações pós-guera entre comunistas e anticomunistas, a linha divisória entre Oriente e Ocidente, esquerda e direita, que vai marcar a vida intelectual da Europa, sobretudo entre 1947/1953.

   O papel dos intelectuais nesse contexto (Jean Paul Sarte, George Orwell, Raymond Aron, etc) as produções literárias (O Zero, de Arthur Koestler - 420 mil exemplares vendidos entre 1945/1955; Eu Preferi a Liberdade, de Viktor Kravchenko - 530 mil exemplares vendidos, etc); o fim da velha Europa e a cinematografia com Roberto Rosselilini - Roma Cidade Aberta; Alemanha Ano Zero); a comédia inglesa Passaporte para o Paraíso (1949); Milagre de Milão, de Vittorio de Sica (1951); a prosperiedade que se seguiu até os anos 1970; e as transformações seguintes até os dias atuais. A Europa sempre em movimento.

   Trata-se de um livro fantástico, dos melhores, com grandes ensinamentos para quaisquer pessoas que se interessem sohre a história da humanidade mais recente.