Colunistas / Literatura
Rosa de Lima

ROSA DE LIMA comenta "Histórias ao pé da Letra" de J. GRIMALDI MARIANO

É um retrato da 'velha Bahia mundana' com papos sobre o mercado publicitário, jornalismo, música, futebol, vida alheia, a mulhereada, à boa mesa e assim por seguinte.
07/06/2015 às 10:38
  O professor e mestre Cid Teixeira diz que a literatura na Bahia é também feita por obras de autores desconhecidos do grande público e que atuam como formiguinhas editando seus próprios livros, quase sempre com tiragem que variam entre 500 e 1000 exemplares, com esforço próprio e ajuda de alguma empresa. A maioria das monografias sobre a vida dos municípios baianos foi produzida desta forma.

   A propósito, chega em nossas mãos e à leitura, uma dessas obras escrita por José Grimaldi Mariano, intitulada "Histórias ao Pé da Letra" com ilustrações de Simanca, Cau e Reinaldo, selo da editora Ponto & Vírgula, 125 páginas. 

   São crônicas do cotidiano escritas por um funcionário de A Tarde, o qual tem grande parte de sua vida dedicada profissionalmente a este jornal de longo curso, com muitas histórias, pois, centenário esta 'folha' já comemorou.

   E Grimandi - assim é mais conhecido - traz aos leitores muitas dessas histórias em crônicas tecidas sem o pendor literário de um profissional, pero, de grande valia. Ou como diria o mestre Cid: - São exatamente essas pequenas histórias, os causos, o dia-a-dia de episódios da Bahia que compõem o cenário de nossa literatura que, infelizmente, não conta com circuitos literários, editoras de maior porte, feiras permanentes e assim por diante;

   Vê-se, pois, que José Grimaldi deve ter passado pelos mesmos problemas de centenas de outras pessoas que desejam publicar um livro, possuem escritos na gaveta, mas, não têm como fazê-lo. Felizmente, Grimaldi fez e sua obra é deliciosa, singela, de uma sinceridade sem par. 

   O autor usa uma linguagem coloquial, caseira - como deve ser a boa crônica - descrevendo os cenários e os episódios com os personagens usando as palavras que vivenciavam em seus diálogos.

   Em "Chope e Criatividade" conta-nos Grimaldi: "Aos sábados, em meados dos anos 1980 (nesta época trabalhávamos até o meio dia), após o expediente não dispensávamos um chope bem gelado. Todos os caminhos nos levavam ao Baby Beef, que ficava próximo ao jornal. O amarelinho era bem tirado, gelado e cremoso. Tinha gente que fechava os olhos no primeiro gole. Vale ressaltar a presença indispensável das costelinhas grelhadas. Realmente, dá saude".

   Tem algo melhor para descrever um momento da vida de Salvador nos anos 80, quando ainde se podia andar pela cidade sem ser assaltado? 

   Grimaldi nos revela aí somente nesse texto, três ou quatro aspectos da vida citadina, o fato de naquela época o expediente na parte administrativa dos jornais era até o meio dia reservando-se à tarde ao lazer com amigos e colegas; a lembrança do Baby Beef, o restaurante fundado pelo saudoso Mamede Paes Mendonça, o qual ensinou a baianada a beber vinho e uisque, o então famoso 'Bala 12'; o amarelinho bem tirado que nessa época era raríssimo em Salvador, poucos locais sabiam tirar chope cremoso; as costelinhas grelhadas que marcaram época no Baby juntamente com os pães de queijo; e a saudade, uma recordação de tempos que não voltam mais.

   O autor complementa citando os companheiros de copo e de trabalho: Arthur Couto, Jorge Costa, Máximo Cruz, Eliezar Varjão, Paulinho Portela, Antônio Couto, Luis Carlos Sá Freite, Sydney Resede, José Roberto Berni, Antônio José Laranjeira e outros mais.

   É um retrato da 'velha Bahia mundana' com papos sobre o mercado publicitário, jornalismo, música, futebol, vida alheia, a mulhereada, à boa mesa e assim por seguinte. 

   Há quem entenda que a crônia é um dos campos da literatura mais fáceis de ser praticado. É possível. De fato, a ficção é mais complicada, mais tensa. Mas a crônica quando posta dessa forma, sem rebuscamento de linguagem, tratando o cotidiano de uma cidade é perfeita, maravilhosa. 
 Vamos a outro trecho do livro, crônica intitulada "Miragem em Boipeba": - Já era final do ano quando recebi uma ligação do meu cunhado Geraldo, convidando-me para quinze dias em Boipeba e Porto Seguro. Como ainda não tinha feito a minha programação de férias, o convite foi perfeito, até porque as hospedagens já estavam pagas, pois houve a desistência de um colega de trabalho, que iria com ele. Pelo preço não tinha como rejeitar".

   Mais baiano do que isso é impossível. Linguagem simples, coloquial, direta para revelar um fato comum na Bahia, o estado de espírito do baiano, sua vida folgada - 'o convite foi perfeito, até porque as hospedagens já estavam pagas', a possibilidade de conseguir uma boca livre graças a algum bom amigo. 
O livro de Grimaldi segue todo ele nesse contexto: a vida baiana dos seus colegas e a sua, as aventuras no campo da música, as brincadeiras, os tempos que não voltam mais, a saudade, as paisagens, os personagens típicos, a lembrança de fatos. 

   São pequenos detalhes da vida que compõem "Histórias ao Pé da Letra". Fácil de ser lido, agradável, pitoresco, um retrato fiel de parte da Bahia.