Não é um livro para iniciantes. Pelo contrário. Exige muita atenção na leitura e pelo menos conhecimentos básicos da história universal para seguir adiante.
A leitura de Tony Judt é sempre complexa e prazerosa. Em "Pensando o Século XX" (Editora Objetiva,427 páginas, RJ), o último legado deixado por Judt antes de sua morte, em 2010, vitima da esclerose lateral amiotrófica, isso fica ainda mais evidente.
A interpetação das observações postas no livro nas conversas com o historiador norte-americano cetedrático em História da Universidade de Yale e seu colega Timothy Snyder, de descendência judia, é de uma densidade profunda diante da abrangência dos temas tratados e de movimentos da Europa Oriental que, normalmente, nós, os ocidentais temos pouco ou nenhum conhecimento.
Judt nasceu em Londres no alvorescer do pós-guerra, em 1948, filho de pais comunistas moldados no Império russo, sua mãe era judia romena da Moldávia filha de pai russo judeu que fugiu para a Inglaterra no inicio do século XX; e seu pai tinha raizes na Europa oriental com avó paterna nascida e criada na aldeia Lituana e avô de Varsóvia, daí se vê a complexidade de sua educação básica e do seu pensamento, e a grandeza de suas teses porque aborda Oriente/Ocidente e o mundo judeu.
Sua profunda formação em literatura na língua alemã e erudição em artes e filosofia são reveladas no livro de forma muito nítida.
Não é um livro para iniciantes. Pelo contrário. Exige muita atenção na leitura e pelo menos conhecimentos básicos da história universal para seguir adiante. Sem esse básico essencial o leitor ficará voando e o autor destaca mais o liberalismo no sentido britânico/americano do que o liberalismo clássico.
"A dura realidade é que os judeus, o sofrimento judaico e o extermínio dos judeus não eram assuntos de interesse predominante para a maioria dos europeus (afora judeus e nazistas) daquela época. A centralidade que hoje atribuimos ao Holocausto, seja como judeus seja como humanitários, é algo que só surgiu décadas depois", confessa Judt ele próprio que, na década de 1960 se mudou para Israel e se incorporou numa comunidade kibutz e de lá saiu com nova visão do new deal judaico, sem radicalizar e sem permanecer em Israel.
Foi uma fase de entendimento. Portanto, não se apegou gregariamente e radicalmente a esse mosaico tanto que voltou a Inglaterra e depois a França para defender uma tese sobre o pensamento europeu dos anos 1920/1930 e depois se mudou para os Estados Unidos, sendo professor de universidades norte-americanas e articulista do NYT e da New York Review of Books.
Quem de nós teríamos essa impressão de que o Holocausto era uma situação de compreensão restrita e que os negros mundo à fora eram completamente desconhecidos como seres de uma sociedade nova que se esboçava a partir do inicio do século XX!
O predominante pensamento alemão, o avanço dos Estados Unidos, a elite pensante de Oxford, Cambridge, Paris e Viena, o Império Russo moldado a partir da Revolução Bolchevique isso era o que mais importava.
Sobre o Império Britânico e as fomas de pensamento dominante no inicio do século XX questiona Snyder a Judt se Cambridge não começara a admitir pessoas do Império no seu seleto mundo anglo-saxão: - Sim e não, responde Judt.
- Lembre-se que até o final de 1950 você poderia viver a vida inteira em Londres sem jamais encontrar um rosto negro ou pardo. No caso de você conhecer uma pessoa de pele escura, era quase certamente proveniete da restritiva elite de indicados que tinham sido sugados por cima no sistema educacional britânico, confessa.
O livro de Judt é uma história das ideias politicas modernas. Um bate-papo profundo sobre os acontecimentos que moldaram o Século XX, relato bem argumentado, substancial e valioso, antes e pós II Grande Guerra.
Aí é que está a importância maior desse depoimento porque analisa as primeiras décadas do século XX com a primeira guerra mundial, os conflitos e a expansão do império Russo e do comunismo, os pensadores da época e assim por diante.
"Sigmundo Freud chegou no momento certo para influenciar toda uma geração de pensadores centro-europeus. De Arthur Koestler a Manés Sperber, o trampolim lógico a partir de um compromisso marxista jovem era a psicologia: freudiana, aldleriana, junguiana, conforme o gosto.A psicologia vienense ofereceu uma maneira de desmistificar o mundo, de identificar uma narrativa abrangente com o qual interpretar o comportamento e as decisões de acordo com um padrão universal", cita.
A natureza excepcional dessa obra de Judt é evidente em sua própria estrutura avalia o The Guardian. Antes de morrer, havia pensando em trabalhar um novo livro abrangendo uma história intelectual e cultural do pensamento social do século XX, mas reconheceu que não havia mais tempo para isso devido a degeneração de sua saúde. Atesta que o século XX foi rotulado, interpretado, invocado e castigado mais do que qualquer outro, uma era de extremos na visão de Eric Hobsbawm, um conto incessante de desgraças e sofrimentos coletivo humano do qual saimos mais tristes, porém, mais sábios.
Um século transformador. Nessa perspectiva - diz o autor - os grandes vencedores foram os liberais do século XIX, cujos sucessores criaram o estado de bem estar social em todas as suas formsa extremamente variáveis. Eles conseguiram algo que, já na década de 1930, parecia quase inconcebível: forjaram estados democráticos e constitucionais fortes, de alta tributação e ativamente intervencionistas, que podiam abranger sociedades de massas, sem recorrer à violência e à repressão.
Ademais, como consequências diretas de descobertas médicas, mudanças politica e inovação institucional, a maioria das pessoas no mundo tinha maior expectativa de vida e viviam de forma mais saudável do que qualquer um poderia ter previsto em 1900.
"O Pensamento do Século XX" é desses livros que se lê e ficam sempre próximo dos seus olhos e suas mãos para frequentes consultas". Trata-se de um livro polêmico e que traz à luz questões fundamentais daquele período, seus fenômenos culturais, sociais e politicos, sem uma ordem cronológica. Um mosaico de ideias e pensamentos para refletir, sempre.