Colunistas / Literatura
Rosa de Lima

"Ditadura à Brasileira", de Marco Antonio VillaVilla

Villa não alivia nas tintas quando enumera os crimes praticados pelos militares, as mortes por torturas nos quartéis, nem as arbitrariedades cometidas contra o estado democrático de direito
16/03/2014 às 13:36
Nas lembranças dos 50 anos da Revolução de Março de 1964, movimento militar que resultou no golpe de Estado que derrubou o governo do presidente João (Jango) Goulart, surge uma safra de novas publicações, livros de autores nacionais com reflexões mais amadurecidas e desapaixonadas para se entender essa fase da vida política nacional, que alguns segmentos chamam de "anos de chumbo".

   Esses novos livros escritos por historiadores, professores universitários e jornalistas são vitais para ampliar e clarear os debates sobre o golpe de Estado e a ditadura militar, muitas vezes colocados aos olhos dos leitores com visões atrofiadas, ideologizadas, salvo relatos de personagens em primeira pessoa, de personalidades que foram protagonistas dessse momento.

   Um desses novos livros é "Ditadura à Brasileira 1964-1985 a democracia golpeada à esquerda e à direita", do professor e historiador Marco Antonio Villa, (Editora Leya, 2014, 430 páginas)  na qual o autor faz uma análise dos fatos políticos, econômicos e sociais desse período, de maneira didática, ano a ano, em texto jornalístico e compreensivel a todos. 

   Revela que, a rigor e no sentido clássico da palavra, regime didatorial só aconteceu entre dezembro de 1968, quando da promulgação do Ato Institucional Nº5; a 31 de Dezembro de 1978 quando foram revogados os atos institucionais e complemantares, porque nos outros anos, entre 1964/68; e 1978/84, quando aconteceram as eleições indiretas para presidente da República, o regime manteve o Congresso Nacional e as instituições funcionando, inclusive as Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores.

   Daí, também que, segundo o autor, não se pode fazer comparativos entre a ditadura brasileira desse período com as ditaduras da Argentina e do Chile, bem  mais virulentas. lembra ainda, num comparativo com a mediocridade atual da Música Popular Brasil, que o período entre 1964/68 foi considerado um dos mais fecundos do país, com "diversos festivais que consagraram uma nova geração de cantores e compositores", floresceu o cinema novo e o teatro de opinião, e as artes visuais ganharam nova dimensão.

   Villa não alivia nas tintas quando enumera os crimes praticados pelos militares, as mortes por torturas nos quartéis, nem as arbitrariedades cometidas contra o estado democrático de direito com a publicação de Atos Institucionais e portarias que cassaram mandatos de governadores, prefeitos e parlamentares, e forçou uma leva de pessoas a se exiliarem noutros países. Mas tem a coragem e a altivez de também revelar que determinados momentos da vida econômica nacional avançaram significativamente, com PIBs entre 6 a 14%, salvo na crise econômica do governo Geisel.

   E lembrou que, mesmo no campo social, o regime militar proporcionou avanços como o Funrural, da Época de Médici; a criação do FGTS, a fusão dos seis institutos de previdência do país com a criação do INPS (INSS), entre outros.

   O trabalho de Villa não se concentra nos bastidores dos bastidores do regime militar, como o fez recentemente Carlos Chagas, nem nos meandros da política com relatava o cronista do JB Carlos Castelo Branco, um dos especialistas nas narrativas e bastidores das articulações que aconteceram no Congresso Nacional. O autor concentra sua análise nos bancos de dados já conhecidos e divulgados pela imprensa e em documentos oficiais, com o mérito de ser impessoal e colocar as situações em seus devidos lugares.

  Diz Villa: "A ação econômica modernizadora foi uma das caracteristicas dos governos militares. Ocorreu uma revolução na infraestrutura, os pontos de estrangulamento econômico foram enfrentados e vencidos. A ocupação do Centro-Oeste e da Amazônia legal ampliouo espaço econômico e criou condições para a transformação do país em uma potência agrícola, apesar do alto custo ambiental". Raro ler isso de um historiador na atualidade brasileira.

  No seu livro, o autor mostra os limites de cada general ao chegar ao topo do poder, desde Castelo Branco a João Batista Figueiredo e os enfrentamentos que tiveram com o chamado "sistema militar" e a "linha dura". Castelo Branco, o qual foi o primeiro da fila entre os presidentes do regime ditatorial e chegou ao cargo falando em democracia e na missão de devolver o poder aos civis via eleição direta, não conseguiu nem uma coisa nem outra. Perdeu inclusive o controle de sua sucessão para o o ministro da Guerra, Costa e Silva.

  Costa e Silva, que o substituiu e era um dos integrantes da linha dura se revelou um presidente que, sem habilidade política, tentou se aproximar do Congresso Nacional e acabou editando o AI-5, o mais arbitrário dos Atos Institucionais, sendo substituido por uma junta militar após ter um derrame e morte iminente. Costa e Silva dizia ter "profundas convicções democráticas" discuro que não conseguia sustentar na prática.

  Já Garrastazu Médici, o presidente do milagre brasileito dos anos 1970, e época da mortes rumorosas nos quarteis, foi o mais popular dos generais sendo aplaudido em estádios de futebol. Ao contrário do seu sucessor, o taciturno Ernesto Geisel, que iria comandar o inicio da abertura política pressionado pela sociedade civil, de um lado; e pela linha dura frotista, do outro; avesso a relações com a população, mas, firme, resoluto; e seu substituto o general João Batista Figueiredo, aquele que preferia o cheiro dos cavalos a uma aproximação com o povo, sequer conseguiu conduzir a sucessão com derrota do seu partido nas eleições indiretas contra Tancredo Neves.
Villa revela em seu livro, como o próprio nome diz, que tanto as forças de direita; quanto às da esquerda não tinham pendores democráticos, isso desde Jango e suas vacilações nas tais reformas de base; aos movimentos armados que promoveram assaltos a bancos e sequestro em troca de prisioneiros políticos, e mostra comportamentos dissimulados de alguns ícones da resistência como Ulysses Guimarães e a Igreja Católica, os quais inicialmente apoiaram a ditadura militar, e depois bandearam para a contra-revolução.

   O livro é pra quem não tem ideias pré-concebidas a respeito desse período. Aquelas ideias imutáveis, ideologizadas ao extremo, e que só veem nesse momento da história nacional miséria, tortura, autoritarismo e assim por diante. Tudo isso existiu. Mas houve um outro lado e é isso que Marco Antonio Villa procura mostrar. Certamente não é um livro que agradará a alguns setores da sociedade, porém, já vale e muito pelo mérito de analisar as questões pelos dois lados, pondo esquerda e direita em seus devidos lugarews.

   E o que é mais sintomático: com o povo de fora servindo como massa de manobra e sem apoiar nem um; nem outro.