Colunistas / Literatura
Rosa de Lima

ROSA DE LIMA relê a História da Câmara do historiador Affonso Ruy

Documento importante e essencial para quem deseja conhecer a história da cidade e de sua Câmara
01/09/2013 às 19:44
A Câmara de Vereadores de Salvador, antigo Senado da Câmara, tem uma relação materna com a capital baiana, pois, desde os primórdios com Tomé de Souza governador Geral do Brasil, em 1549, começou a funcionar. 

   Esteve envolvida (e está até hoje) nos principais episódios da cidade, quer desde a regulamentação de leis e posturas de cidadania; às revoltas que aconteceram nos períodos da Colônia, do Império e da República desde os primeiros atritos do segundo governador Duarte da Costa com o clero, as invasões holandesas, a Conjuração Baiana, de 1798; a independência da Bahia do jugo português, em 1823; a Revolta dos Malês, em 1835; a Sabinada, de 1837, e assim por diante.

   Reli, recentemente, a "História da Câmara Municipal da Cidade do Salvador", do historiador e acadêmico da ALB, Affonso Ruy (Editado pela Câmara em 1953, 386 páginas) cuidadosa pesquisa que traz à luz do conhecimento os primórdios desta Casa Legislativa com narrativas e documentos primários de atas das sessões, anotações e depoimentos de personalidade, um caldo de cultura que ajuda a entender a história da cidade do Salvador.

   Segundo o Tratado Descritivo do Brasil, de Gabriel Soares de Souza, pag. 355, "a casa da vereação, como as demais construções, se levantara com  as paredes de taipa e coberta de palha e assim se conservou até que se poderam cozer telhas trabalhadas por Francisco Fernandes, da Capitania de Pernambuco, e Pedro Martins Falheiro, a queimar cal remetida da ilha de Itaparica, onde Pero de Carvalho e Francisco Gomes instalaram caieiras, ou vendidas por Miguel Martins, de Vila Velha".

   Em 1551, o mestre de obras Luis Dias oficiava a Coroa que já havia construido casas ao molde europeu na cidade do Salvador, dando por encerrada sua tarefa, ao concluir os baluartes, a casa do governador e alfândega, e "também fizera cadeia muito boa e bem acabada com casa de audiência e Câmara em cima, tudo de pedra e barro rebocadas de cal e telhados de telha". Segundo Affonso Ruy é a primeira referência oficial feita à Casa de Câmara.

   No final do século XVI a Casa da Câmara estava envelhecida "caminhando para a ruina total, mostrando os assoalhos e vigamentos apodrecidos, insuficientes para acolher os serviços a seu cargo", o que obrigou a vereança a tomar de aluguel uma casa vizinha. Até a invasão holandesa, 1625, a situação era precarissima da casa legislativa. A partir de 31 março de 1626, já sem os holandeses na cidade, a Câmara passou a fazer suas reuniões na Casa da Alfândega.

   A Casa Legislativa passou a ter dois espaços, a Câmara Nova (a casa alugada) e a Câmara Velha interligadas por um passadiço. Em 1636, o carpina Antônio Freire reformou a Casa Velha no trabalho de "envigar, encaibrar, fazer escada nova, porta e frontal do andar superior, restaurar a corniga, águas furtadas e porta da rua". Diante do trise aspecto do Paço "lôbrego e mesquinho" o governador Francisco Barreto de Menezes convoca a Câmara para não mais fazer reformas, e sim que se fizesse "uma instalação condigna com a alta função exercida, comprando três prédios de pouco valor, da quadra que ia até a esquina da rua da Assembleia". 

  Dada a dificil situação financeira do governo, a Câmara resolveu que a construção do edificio se desse sob a administração do próprio Conselho, nomeando para isso Antonio Favela, e quebrando uma resolução da Colônia, pela primeira vez, "o preceito das Odenações que, expressamente determinava fossem as obras públicas realizadas sob pregão e mediante arrematação". 

  "A obra era grandiosa e não vira o governador Francisco Barreto, pois, se afastou do governo, em 1663,  ainda assim assentando "pide reivindicatória" e cabendo ao 2º conde de Òbidos, seu sucessor, a inauguração. A torre abobada para foi posto o sino, inaugurou-se em 1696, já com dom João de Lencastro", atesta Affonso Ruy.

  Em 1794, mais de cem anos depois, segundo o historiador, "não havia forma de procastinar-se a recuperação do paço" , a cadeia estava em estado de ruina e a capela de Santo Antônio da Cadeia, onde foram realizados 8 casamentos de presos, se fehcara. Aconteceu nova reforma com D. Fernando José de Portual e um empréstimo de 20 mil cruzados junto a Câmara de Cachoeira como aporte às obras sendo concluidas em 1797.

   Em "Cartas Soteropolitanas", Luiz dos Santos Vilhena depõe: "Dois edificios públicos são as casas do Senado da Câmara tem 13 janelas de frente para a praça do Palácio, com gradaria de ferro, uma torre onde fica no sino...e do lado Norte fica a soberba sala do Senado e ao Sul a sala das audiências, os três juizes de fora - do Cível, Crime e Órfãos, como também os almotacés, fica mais a morada do carcereiro, sala livre, dez segredos e mais prisões"

   Em 1800 despareceria da torre a "ginga" substitutido por um mastro onde tremulava a bandeira imperial até quase final do século. Em 1836 abriram-se os segredos da cadeia e rasgaram-se as paredes dos cubículos; em 7 de junho de 1853, inaugurados largos passeios de lagedo de Gênova, cedidos pelo presidente Alvaro Tibério Moncorvo de Lima. Em 1880, nova reforma já na presidencia de Augusto Alvares Guimarães, substituiram as escadas de madeira por mármore e restauraram-se forros e assoalhos.

   Com Augusto Ferreira França, o qual substituiu Guimarães, nova reforma de embelzamento da fachada, com obra do arquiteto Francisco de Azevedo Monteiro Caminhoá, com obra que se iniciou em 1888 com novo frontispício estilo neo-renascença, "que nada lembraria o velho Senado da Câmara, escondidas em paredes de tijolos as colunatas do pavimento térreo, desfigurada a clássica torre de onde anteriormente se arrancara ao "ginga da cadeia", agigantada figura de ferro forjado, ostentando nas mãos feixes de corda e açoite, símbolo de punição".
Como complemento de renovação total feita em 1894, "sobre o pátio central, até então aberto em arcadas, transformado em jardim com aléas calçadas com seixos rolados, lança-se uma escada de mármore, que completava o jogo de duas outras, de acesso ao corpo do edifício".

  A Câmara de Salvador foi a segunda instalada no Brasil (a primeira foi a da Vila de São Vicente, em 1532) chamada de Mesa de Vereação e se compunha de 2 juizes ordinários ou do povo, ainda chamados de juizes de vara vermelha, de 3 vereadores e um procurador da cidade, eleitos anualmente. 

   Em 1646, passou a se chamar Senado da Câmara já com a presença de mais um representante, o mestre, das classes proletárias, escolhido por oficiais mecânicos. A esses elementos se agregava o escrivão, funcionário vitalicio, de nomeação real por proposta da Câmara. 

   É muita história e o professor Affonso Ruy descreve essa trajetória até a instalação da República, em 1889, com a repulsa da Câmara ao novo regime. O livro do historiador é um manacial enorme para quem deseja se aprofundar em estudos e trabalhos sobre a Câmara e a cidade do Salvador.