A análise que Ratzinger faz sobre os movimentos politicos da época de Jesus, de dominação do Império Romano na Judéia é reveladora
Ler Josepht Ratzinger o cardeal que assumiu o nome popular de Bento XVI e renunciou ao posto máximo da Igreja Católica institucional por força da idade diante de não poder atacar de frente os pecados do mundo, de padres pedófilos e mordomo pouco zeloso com as finanças do Vaticano, requer conhecimentos preliminares em religião tal a profundidade das interpretações teológicas, filosóficas e conceituais deste pensador contemporâneo da igreja católica apostólica romana.
Em Jesus de Nazaré (Editora Planeta, 330 páginas, tradução de José Jacinto Ferreira de Farias, SCJ), 1ª parte - do batismo no Jordão à transfiguração, Bento XVI, hoje emérito e papa vivo confinado em Castel Gandolfo, Itália, expõe seu pensamento e conhecimento sobre a personalidade de Jesus avaliada a partir dos velho e novo testamentos e de estudos complementares de autores alemães (em preferencial), italianos e norte-americanos da atualidade.
É um livro de uma densidade estimulante que coloca o leitor para pensar, para pesquisar, reler partes pausadamente para poder entender o que diz o santo padre. E ele próprio se questiona sobre determinadas passagens da vida de Jesus, o que é raro de se apreciar em autores, especialmente da maneira como procede e em sendo papa. Cita, por exemplo, que o batismo de Jesus, em essência, "implicava na confissão dos seus pecados".
Em seguida, questiona: - Como Jesus poderia confessar pecados? Como ele poderia separar-se de sua vida anterior diante de uma vida nova? E arremata: "Os cristãos deveriam se colocar nesta questão", apondo o diálogo entre João Batista e Jesus: "Eu é que devia ser por ti batizado. E tu vens ter comigo" (Mt 3.14)
A análise que Ratzinger faz sobre os movimentos politicos da época de Jesus, de dominação do Império Romano na Judéia é reveladora. Este foi o local/cenário em que Judas, o galileu, apelou para a revolta e seu partido, o zelotes, praticava o terror para restaurar a liberdade de israel; os fariseus (outra vertende política) seguiam a Tora (mandamentos de Moisés) ajustando-se ao processo de unificação cultural helenista; e os saduceus - aristocratas e sacerdotes - viviam praticando um judaismo iluminado e se autogovernando sob o domínio romano, em politica da convivência pacífica.
Com a descoberta de Qumran (comunidade afastada do templo de Herodes) acharam-se registros literários dos essênios (conjunto de famílias que tinha motivações religiosas e politicas) fazendo crer que João Batista e também Jesus e sua familia estavam próximos dessa comunidade.
Adiante, quando Ratinzer comenta o batismo de Jesus e seus primeiros anos de vida, cita que o batismo foi algo de novo e revolucionário nas lutas de Jesus para transformação do mundo. Tem-se enorme sentido esse axioma pois o mundo era o romano, da escravidão e da operassão. Hoje, quando se fala em mundo há toda essa complexidade em vários continentes, de natureza politica, ideológica e religiosa, mas, naquela época, o significado para o mundo (sem meios de comunicação de massa e pouca informação circulante) era o dominio e poderio do Império Romando, o Oriente Médio, a Europa e a Ásia.
O batismo é a essência, a mudança de Jesus.
Advém em seguida as tentações de Jesus - segundo Ratzinger - centrando o âmago da questão no aspecto moral, as provas de identidade do redentor diante do mundo e o pão que descia do céu para alimentar Israel.
O autor cita duas grandes histórias na vida de Jesus envolvendo o pão - a multiplicação para atender milhares de pessoas que o seguiam pelo deserto, envolvendo três coisas: a procura de Deus, da sua palavra e da instrução para toda a vida.
A segunda história aponta para a preparação da ceia - a última ceia que se torna a Eucaristia da Igreja e o permanente milagre do pão de Jesus.
E, na sequência, o cardeal alfineta a igreja do chamado Terceiro Mundo, ou pelo menos o pensamento marxista que predominou em alguns paises da América Latina com a ajuda do Ocidente visando o desenvolvimento com base em principios puramente técnicos e materiais. Alerta Bento XVI: "Julgava poder transformar pedras em pão, mas gerou pedras em vez de pão. Trata-se do primado de Deus. A história não pode ser regulada longe de Deus por estruturas simplesmente materiais".
Ratinzer segue com suas observações a cada novo capítulo, em o Evangelho do Reino de Deus; o sermão da Montanha; a oração do Senhor; os discípulos e as mensagens das parábolas; as grandes imagens de São João; Duas balizes importantes no caminho de Jesus: a confissão de Pedro e a transfiguração; e as autoafirmações de Jesus.
No Reino de Deus, Ratzinger comenta sobre a interpretação secularista dessa concepção na perspectiva eclesiocêntrica, tendo sido a Igreja colocada como ponto central do cristianismo; depois tendo se movimentado para uma visão cristocêntrica - Jesus como ponto central de tudo; passando-se para o teocentrismo - mais próxima das comunidades e das religiões; até atingir o reinocentrismo - a centralidade do Reino - o centro da mensagem de Jesus unindo todas as forças positivas da humanidade para acesso ao futuro do mundo, o "Reino", onde dominam a paz, a justiça e o respeito pela criação.
No Sermão da Montanha o papa aborda as bem-aventuranças desde aqueles que têm fome e sede de justiça; aos puros de coração porque verão a Deus; comenta sobre a Tora do Messias - a "lei de Cristo" é a liberdade - este é o paradóxo da carta dos Gálatas; os mandamentos - o argumento cristológico (teológico) e o argumento social ligados indissoluvelmente um ao outro; a oração do Senhor - o pai nosso que estáis no céu - contido toda a história da redenção, inclusive comentando a questão "não é Deus também mãe", pois há a comparação do amor de Deus com o amor de uma mãe; os discípulos e os evangelhos sinópticos (com mesma linguagem).
Ratinzer comenta ainda as mensagens das parábolas e pergunta: o que é uma parábola? O quer conter? Na história do samatirano misericordioso trata-se da questão fundamental do homem: "Mestre, que devo fazer para herdar a vida eterna?" (Luc 10,25); e/ou na parábola do filho pródigo e o que ficou em casa e o do pai bondoso; daí seguindo e lembrando que nesta parábola somente aparece o pai levantando-se a questão onde se encaixaria Jesus. Falta a cristologia na parábola e Santo Agostinho tentou acrescentá-la onde se diz que pai abraçou o filho.
Em as grandes imagens de São João, o evangelho com a cristologia mais desenvolvida, mas, como reconhece o papa, sem nenhum fonte para podermos modelar o Jesus histórico. E Ratinzer questiona: quem é o autor deste evangelho? Como se situa a sua credibilidade histórica para se colocar João como o mais próximo de Jesus? Adiante, comenta que, desde Santo Irinei de Lião (c.220), a tradição eclesial considera unanimamente João, o Zebedeu (filho de Zebedeu) como o disciplo predileto e o autor do evangelho.
Ainda nas grandes imagens do Evangelho de São João, Bento XVI comenta as descrições sobre a água como o elemento fundamental da vida; enquanto o pão de trigo, o vinho e o azeite são dignos dons da cultura do espaço mediterrâneo.
Por fim, para não nos estendermos demais, nas duas balizs importantes no caminho de Jesus, fala sobre as três formas de confissão de Pedro, que os sinópticos nos transmite e são "substantivas" - tu és Cristo, o Cristo de Deus, o Cristo filho de Deus vivo.
Livro idispensável (Jesus de Nazaré) para quem deseja conhecer os caminhos da igreja católica e seu pensamento teologico mais profundo, repleto de dúvidas e reflexões, as quais, só serão redimidas ao longo dos próximos anos e com novas descobertas.