Colunistas / Literatura
Rosa de Lima

" A QUEDA", o fascinante livro de Diogo Mainard

Não se trata de um livro de auto-ajuda em roteiro clássico que fascina os incautos com lições de como se conseguir sucesso na vida, como se dar bem, e, no caso de enfermidades, como curar doenças de A a Z
10/03/2013 às 10:57
O que mais me impressinou no livro "A Queda  - As memórias de um pai em 424 passos", (Editora Record, 152 páginas, R$30,00) do jornalista Diogo Mainardi, foi o modelo de linguagem utilizado pelo autor para descrever a trajetória de vida do seu filho Tito, portador de uma paralisia cerebral provocada por negligência médica no hospital de Veneza, prédio da Scuola Grande di San Marco, do arquiteto Pietro Lombardo, e que resultou na condeção financeira e institucional desta Santa Casa.

   A forma de se expressar usada pelo autor, de maneira fotográfica, quase epigrámica, com narrativas concisas, didáticas e reflexivas sobre a história de Veneza, da literatura mundial em flhask back com o Brasil e outros países, revela-nos a trajetória de um pai dedicado ao filho em tempo integral e uma história comovente, apaixonante.

   Sem medir esforços em buscas de conhecimentos e alternativas na cura da doença acometida por Tito, ou pelo menos de novas tecnologias e práticas médicas que pudessem melhorar a vida do garoto, a medida dos anos, do seu crescimento, o autor se revela de um amor transcendete, e dá-nos uma aula de humanismo e de conhecimento do enredo histórico da vivilização a partir da fascinante Veneza.

   Não se trata de um livro de auto-ajuda em roteiro clássico que fascina os incautos com lições de como se conseguir sucesso na vida, como se dar bem, e, no caso de enfermidades, como curar doenças de A a Z. O livro é muito mais inteligente do que isso, embora sirva de sinalização mostrando que a paralisia cerebral é um doença incurável e que exige um aprendizado de convivência, e não coaduna com receitas de charlatães ou doutores que recomendam fórmulas e ambientes mágicos de cura. E Mainard, até por descargo de consciência cita alguns desses elementos em que se deparou pela frente, em sua trajetória abnegada por Tito.

   A paralisia cerebral de Tito foi provocada por uma médica, em setembro de 2000, que apressou o parto estourando a bolsa com o líquido aminiótico que protege o bebê. Quando o fez, com o objetivo de adiantar sua saída do plantão do sábado, o cordão umbilical esmagou o feto que ficou sem o devido oxigênio. A solução, neste caso, segundo os especialistas seria realizar uma cesária de urgência, mas, a obstetra demorou em abrir o ventre da esposa de Mainard, e Tito ficou asfixiado por 45 minutos, daí resultando numa lesão que o impede de falar, andar e pegar objetos com as mãos normalmente.

    Que relação teria Tito com John Ruskin donde Mainardi retirou o título do livro! Tem a ver na concepção literária que adotou no seu trabalho, recheado de citações de poetas, arquitetos e pensadores, e mais a arquitetura da Scuola Grande di San Marco, "com seus elementos que remetiam nostalgicamente à arquitetura do século XII" (Renascimento Bizantino) e Ruskin, em "As Pedras de Veneza", ao seu último volume intitulou "A Queda". 

  A arquitetura de um lugar, segundo ele, tinha o poder de moldar o destino dos seus habitantes e isso bastava para assegurar a hegemonia moral e intelectual dos venezianos, isso conceituado em 1853.

   Não foi à toa, antes desse fato que resultou na paralisia de Tito, que Mainard escolhera Veneza para morar. Jornalista inquieto, insubmisso, certamente viu em Veneza algo além da mediocridade reinante no Brasil para trabalhar e produzir seus romances, longe do atraso secular de pensamento do Brasil provinciano.
 
   A partir do nascimento de Tito, Mainard muda essa ótica e deixa de controlar os fatos, as suas narrativas em ficção e outros, e modifica a leitura dos acontecimentos se inserindo dentro desse novo contexto, e se doa em "A Queda" (a dificuldade de andar de Tito, levantando e caindo), como se cada passo represente uma conquista, até conseguir os 424 passos descritos no livro.
Cada capítulo, alguns com 10/20 linhas, outros com duas linhas de textos, fotos, setas, marcações, envolvem Tito na marcha da vida e o leitor vai acompando essa trajetória com enorme entusiasmo, estudos paralelos e anotações do saber complementar para entender quem fora Erza Poundo, o nazi-fascismo, Christy Brown, Jacopo Sansovino, Pietro Lombardo e ou torcendo para que Tito tenha uma vida normal, no girar de cada página.

   "A Queda" é um livro de pura emoção e se contém essas passagens no campo da literatura, essa forma fotográfica de revelar um drama, o que marca esse livro não é o estilo, nem a concepção gráfica contida no trabalho, mas, a história em sí. O leitor acaba, de certa forma, tão envolvido pelo contexto da história, real, veridica, que se torna um pai (uma mãe) e incorpora os sentimentos do autor.

   E isso é fantástico para qualquer leitor, não só apreciar a obra, mas, se enolver com a obra. Vivenciar, beber a obra, interagir, participar. "A Queda" proporciona tudo isso.