Colunistas / Literatura
Rosa de Lima

NELSON RODRIGUES CONTINUA ATUAL NO BRASIL DE HOJE: A CABRA VADIA

Coletânea de crônicas de Nelson Rordigues
08/07/2012 às 09:01

Foto: BJÁ
"A Cabra Vadia", 2012, foi editado pela Agir, coletânea de crônicas dos anos 1960
   Recordar é viver. Ao ler a coletânea de crônicas de Nelson Rpdrigues (A Cabra Vadia - Novas Confissões, Ed Agir, 469 páginas) o (a) leitor (a) terá a sensação de um "d'já vieu" dos idos de 1968/1969, em pleno olho do furacão da ditadura militar recente do país, momento do AI-5 e do corte geral nas liberdades nacionais, entre outras atrocidades que aconteceram no Brasil.

   Nelson, tido por alguns segmentos como um reacionário, jornalista indepedente e crítico voraz da Igreja Católica (o padre de passeata foi um dos seus marcantes personagens), de Dom Hélder Câmera, então bispo de Olinda, (o bispo vermelho) e de outros cenários da vida brasileira, em "A Cabra Vadia" mostra-nos neste trabalho remekarizado da Agir, como era a cena brasileira em sua ótica naquele momento da ditadura militar, especialmente no Rio de Janeiro onde atuava como jornalista e homem de teatro.

   Não escapava da verve de Nelson a folclórica esquerda festiva nacional e os intelectuais "revolucionários" que frequentavam o bairro de Ipanema o balcão do Antonius, bar e restaurante carioca que fez fama e a cabeça de incautos brasis que se inspiravam no uisque e na revolta dos paralelepípedos do maio parisiense, assim citava o articulista.

   O cronista também dedicou atenção especial a cena artística do teatro brasileiro onde transitava como autor de peças e crítico dos costumes da época.

   Nessas pinceladas ele vai descrevendo os cenários do Rio, as passeatas, os protestos contra a ditadura, as dificuldades que os profissionais do jornalismo e do teatro enfrentavam no dia-a-dia para suas sobrevivências comendo nos botequins da vida e se matando de cigarros, cada crônica uma apaixonada narrativa , de preferência tratando os "idiotas da objetividade" com bastante sarcasmo, ele que teve a capacidade de não se influenciar pelos modismos dos movimentos internacionais e pelos dogmas marxistas que povoavam o Rio de Janeiro nos ambientes artísticos que frequentava.

   Nelson também tinha o cuidado sempre permanente em suas crônicas e nas peças de teatro de retratar a vida da cidade, o cotidiano das pessoas comuns, as mulheres, as noivas, os trabalhadores, a violência, a sensualidade, os canalhas, os chifrudos, os casos passionais e assim por diante.

   Em "Tempo de Papelotes"  (O Globo 9/9/1969) diz que ia começar a escrever sobre terroristas, "mas resolvo esperar mais um dia e volto às minhas lembranças de repórter de Polícia" para narrar como uma senhora gorda "numa época de gordas. Em 1920, quem não era gorda tinha os flancos fortes, potentes de fecundidade", a qual ao ser flagrada pelo marido se lançou do prédio do apartamento onde morava e foi salva por um toldo, enquanto o sedutor encontrava-se embaixo da cama do casal e o marido cornuto o procurava armado com uma bengala.

   Muito interessante a linguagem usada pelo autor para descrever essas cenas do cotidiano, "como a adúltera saira pela janela, o Casanoiva deveria ser a vítima única e obrigatória", ou noutra descrição "o marido manso que ia para a sinuca, enquanto a mulher, bem acompanhada ia para o Jardim Zoológico; e, lá, dava biscoito à macaca".

   O que mais impressiona em Nelson é que suas crônicas são atualíssimas no Brasil de hoje, evidente com as mudanças de comportamento que aconteceram na sociedade ao longo desses quase 50 anos, mas, ainda assim, perduram personalidades como a mulher infiel, o marido trouxa, os canalhas, os espertos, os corruptos, o torcedor fanático do futebol, os memoráveis FlaxFlu, os padres de passeatas travestidos em ações carismáticas e os "esquerdinhas" da politica muitos deles pendurados nas aposentadorias "revolucionárias" do governo, além do ativismo teatral que parece querer ensinar aos brasis como se comportar.

   Nelson é um caso raro na crônica brasileira, pois, depois de morto e passada a borrasca
da ditadura vê-se que ele tem muita razão no que fala, no que dizia, jornalista de opinião própria e que não se deixava influenciar pelos modismos, pelas revoluções de bares e paralelepípedos, e assim por diante.

   Bom livro esse "A Cabra Vadia". No mínimo, para quem não viveu aquela época, anos 1960 em sua segunda quadra, pode ter uma boa idéia lendo essas crônicas desse pernambucano indomável.