Colunistas / Literatura
Rosa de Lima

A SAGA DO GANÇAGO NA PENA DE AMAURY CÔRREA DE ARAÚJO

Dois livros editados pela Assembleia Legislativa
13/05/2012 às 08:01
Foto: BJÁ
Dois livros sobre o cangaço editados pela Assembleia e que vale a pena serem lidos
   O tema cangaço é inesgotável e ainda vai resultar em muitas produções artísticas, na literatura, nas adaptações ao cinema, nas artes visuais, no teatro, em estudos de teses acadêmicas e assim por diante. Haja detalhes em análises e até um polêmico Lampião gay foi recentemente posto ao debate.

   Gosto muito desse enredo e quando se lê duas obras produzidas por Antonio Amaury Corrêa de Araujo, "Gente de Lampião - Dadá e Corisco"; e "Maria Bonita" ambos editados pela Assembleia Legislativa da Bahia, EGBA, 327 págs e 275 pags, respectivamente, só faz enriquecer o nosso entendimento sobre as nuances do cangaço.

   Amaury traz como novidades nessas duas obras depoimentos que conseguiu amealhar ao longo de seus estudos e pesquisas sobre o cangaço, ele que é autor de 13 livros e se notabilizou lá nos idos dos anos 1970 respondendo sobre o assunto no Programa "8 ou 800", Rede Globo.

   E o gostoso de se acompanhar os cenários e as histórias do cangaço na pena de Amaury é o fato dele tratar o assunto com sua linguagem informal, não literária na acepção da palavra, o que aproxima o leitor da própria linguagem que era usada pelos cangaceiros de Lampião e Corisco,

   Gostei mais do "Dadá e Corisco" do que do texto sobre "Maria Bonita" talvez porque para mim, como Lampião está muito bem retratado na literatura e Maria Bonita também, o estudo sobre Corisco, sua aventura com Dadá, a eterna companheira que perdeu a perna baleada por soldados de uma das volantes e depois exerceu um fascínio sobre estudantes e pesquisadores porque sobreviveu ao sepultamento do cangaço, de Corisco, Lampíão e Maria Bonita entre tantos que foram degolados, tenha me chamado mais a atenção.

   Sintomático nessas duas obras é como se percebe quão emblemática foi a liderança de Lampião, o qual quando seu bando é exterminado na Grota do Angico pela volante do tenente Bezerra, em 1938, o cangaço se desmantela embora já existissem outros grupos que disseminavam e praticavam a cultura do cangaço pelos sertões, com os grupos mais conhecidos de Corisco, Zé Sereno e Ângelo Roque.

   Amaury deixa isso bem explítico em sua obra e relata detalhes curiosos das vidas desses personagens, como viviam, suas relações politicas e sociais com o coronelato e com os citadinos, os códigos de honra e vingança, tudo isso num Nordeste e numa Bahia provinciana da época de Leopoldo Amararal e Juracy Magalhães e dos primórdios do getulismo, onde, no interior, valia a lei da bala com suas condutas da palavra no fio do bigode e na ponta do punhal.

   Havia espaços para alegrias, tristezas e xodós. Narra Amaury numa das passagens que Corisco ficou triste com a morte de Ezequiel, vulgo Ponto Fino, o último irmão de Lampião no seu grupo, morto com uma rajada de metralhadora do tenente Arsênio de Souza, e conta como se deu esse fato, no dia 30 de abril de 1931.

   Nos xodós, Corisco foi para os "caldeirões" de Marcionílio Souza onde estava arranchado Lampião. Depois de armar sua tenda, Lampião foi conhecer Dadá, e teria dito: - Essa ocê dismamô, num é Corisco! Vai acabar de criar? Naquela noite, ao pé do fogo, Lampião deu uma melancia a Dadá e diz: - Agora nós é cumpradre. Ocê tem que mi dá um presenti.

   Noutra passagem, da vida e alegria, vida e morte dos cangaceiros, Amaury conta que a música era uma das poucas manifestações permitidas pelas condições errantes do cangaço. E, nas bocas da noite, após comer farinha e carne moqueada, o grupo ouvia Cacheado, Suspeita e Gitirana cantando emboladas: o rancho de Lampião/ de lona verde coberta de flor/ não parece rancho de bandido/ só parece um lindo bangalô.

   Amaury é abusado e ciente dos seus conhecimentos de causa sobre a matéria. Nos livros, vez por outra, desmente versões sobre as trajetórias de Lampião, Maria Bonita, Corisco e Dadá e diz enfático:  "Agora, minha opinião sobre o acontecido" e desmente que tenha ocorrido passagens de Lampião nas proximidades de Caruaru; e noutro dito, alerta o leitor: "Sendo verdade, o que acreditamos piamente, quem agira na região era o grupo e Paizinho Bião e nunca Lampião".

   E mais: "Eu, o autor, conheci e fui amigo do famoso matador de Lampião, quando de sua prisão por um meio irmão de nome Josafá"; ou como relata em outro texto "deixemos de especular hipóteses e vamos à realidade".

   Quem conhece da matéria faz assim e Amaury é imperdoável. Bons os livros.