Foto: BJÁ

"A Beleza e o Inferno", de Roberto Saviano, Bertrand Brasil, um bom livro

    "Escrever é resistir, é fazer resistência". 

    Assim encara seu ofício o italiano Roberto Saviano, autor de "Camorra", um dos mais contundentes livros (depois filme e peça teatral) sobre a máfia italiana, dito em entrevista ao jornalista Enzo Biagi, o qual mantinha um programa na TV italiana e foi assassinado pela clã mafiosa calabreza.
    A Bertrand Brasil publicou, em 2010, um livro de crônicas de Saviano intitulado "A Beleza e o Inferno", vencedor do Europe Book Prize, onde o napolitano, hoje, vivendo recluso e clandestinamente em algum canto da Itália, sob escolta, narra detalhes de alguns episódios descritos em "Camorra" e textos diversos sobre o domínio da máfia na Itália, na Rússia e intercessões com a máfia nigeriana.


    Alguns dos textos agora neste livro já foram publicados nos jornais La República, El Pais, Die Zeit, Expressen e Washington Post e continuam atualíssimos porque o poderio dos clãs permanece tão forte como antes.


    Na crônica de abertura, "Carta à Minha Terra", Saviano diz que a Calábria tem o PIB mais baixo da Itália, mas a "Cosa Nuova", ou seja, a ‘nadrangheta, fatura tanto ou mais do que uma manobra financeira italiana inteira. A Alitália pode estar em crise, mas, em Grazzanise, território corrompido pela Camorra, está para ser construído o maior aeroporto do Mediterrâneo, num esquema sofisticado de lavagem de dinheiro com beneplácitos das autoridades locais.


    Esse novo livro de Saviano é, essencialmente, jornalístico. Mais até do que "Camorra", pois, abraça crônicas com narrativa direta, de fácil compreensão do leitor, um retrato do cotidiano envolvendo não só a Itália, mas a Nigéira, Rússia, Europa, Estados Unidos África do Sul e assim por diante. Os tentáculos do clã são globalizados sem perder a força na matriz.


    Ao lembrar da morte de Miriam Makeba e seus 30 anos de exílio, o autor diz que, ainda hoje, a África do Sul vive "uma enorme pressão dos cartéis criminosos, mas, seus intelectuais e artistas continuam atentos, vitais e combativos", com foi a exilada Makeba, a qual encantou a juventude dos anos 1970/80 com suas músicas eletrizantes.


    O livro de Saviano é também uma lição. Contém um cabedal enorme de informações que, nós, brasileiros, normalmente não temos à disposição, nem está nas citações da internet.


   São observações de bastidores, situações vividas pelo autor a partir, sobretudo, da publicação de "Camorra", livro, peça teatral e filme que provocaram uma onda de indignação na Itália e em parte da Europa e Estados Unidos, porém, não alteraram o poderio dos clãs mafiosos.


   Em particular, a descrição do assassinato da escritora Anna Stepanovna Politkoskaia, autora de "Tchechênia", livro que narra as atrocidades cometidas pelo governo Vladimir Putin com torturas à mulheres violentadas e soldados, na guerra daquele território emancipacionista da Rússia, é chocante, com três tiros desferidos por pistola IZH em seu coração, e mais um de misericórdia, na nuca; e mais aterrorizador, ainda, a absolvição dos três acusados pelo homicídio, incluindo um coronel (Pavel Riafuzov) integrantes das forças de segurança do governo.


   Cada texto de Saviano ajuda-nos a compreender o quanto é difícil combater as injustiças, o autoritarismo, a corrupção nas máquinas governamentais, e como ainda existem pessoas que lutam por esse ideal, atuam como jornalistas, intelectuais em áreas do teatro e do cinema, escritores e raros políticos.


   "A Beleza e o Inferno" tem um pouco desse mundo diversificado e o autor aborda do sobrenatural Lionel Messi, que venceu um enorme desafio contra as limitações do seu corpo até se tornar o maior jogador de futebol do mundo; a Miriam Makeba, a qual foi a Castel Volturno levar solidariedade a seus irmãos africanos mortos pela máfia carromista; e a Peppino Impastato, que por vinte anos teve que olhar o rosto do assassinato do filho, antes de obter justiça.


   Há, assim, em algum canto deste planeta Justiça e belezas e infernos por onde nós andamos. Saviano nos mostra um pouco dessa trajetória. Por isso mesmo, passando numa livraria e querendo comprar um bom livro, pode ir ao caixa e adquirir "A Beleza e o Inferno".


   É um soco no estômago. Soco que se vai acolhendo aos poucos, sem se dobrar, entendendo que resistir também é possível. 
  

• Rosa de Lima, 55 anos, é formada em letras pela UFBA e tem curso de especialização na Universidade de Lisboa