Pobre é uma miséria. Fica o tempo todo sonhando com coisa de ricos.
Chegou a alta estação do turismo e o movimento aqui no Pelô cresceu bastante com a presença de estrangeiros de várias partes do mundo. Meu comércio de toucas está a mil por hora. Aumentaram também os pedidos de tocatas do meu tamborim e feitios de tererês por parte de dona Céu (minha esposa santíssima e abençoada) nas cabeças das gringas e estamos aproveitando bem, assim espero, para rechear nosso mealheiro.
A questao é que dona Céu, como toda mulher ascendente à classe C, as emergentes do nosso 'rei Sol', estão sempre inventando moda querendo se passar por grãfinas, querendo ser Ritinha da TVZ que é caixa alta; querendo comprar vestidos na Paradoxus e sapatos da Arezzo quando a grana não dá, é curta, e aí vem os improvisos, os 'clones' e fica aquela coisa meia papagaiada que não combina com a luxuria.
Eu mesmo quase ia às vias de fato com Céu porque ela cismou que colocaria hidrogel nas coxas e eu tesei, disse não consentiria, que me mudaria da Caixa D'Água se isso acontecesse e a coisa foi braba. Foi discussão mais acirrada do que as do comendador Zé Alfredo com Maria Marta. Falei que na Bahia não tem escola de samba pra ela bombar as coxas, que não iria desfilar como porta-bandeiras da Império do Tororó porque esta escola não existe mais e a coisa foi feia.
Ela chegou a me dizer: - Não tem a Império do Tororó, a Filhos do Garcia, mas tem o ensaio do Olodum e tenho que me apresentar formosa.
E eu repelí: - Você não é a mulher do Belo, não é a Adriana Galiesteu, então se aquete, vá malhar, vá pegar peso na Academia Jaguatirica com Andreia Lady Lú e se dê por satisfeita.
E ela insistiu dizendo que duas amigas já tinham posto hidrogel nas coxas e no bumbum e eu tesei no não, dei uma de autoritário, dei uma de Bolsonaro e, hoje, graças ao Senhor do Bonfim, santo que me ilumina ela me agradece de pés-juntos diante do caso que aconteceu com aquela modelo gaúcha Andressa Urach, que ficou entre a vida e a morte, e eu continuo com minha Céu com as pernas que Deus colocou ela no mundo pra andar, sambar, pagodar e tudo mais, sem cicratizes, sem parecer câmara de ar, bóia de menino ir pra praia.
Agora, o sonho dela é ganhar um carro Mercedes que está sendo sorteado como promoção natalina do Salvador Shopping. Reuniu a parentada - a irmã Cervejão, a tia Perfume, a mãe Antonia - se cotizaram e conseguiram fazer compras no Le Biscuit, na Mahogany, naquelas lojas mais em conta do Salvador e trocou dois cupons que serão sorteados entre milhares para ver se consegue o Mercedes.
Diria que tá toda entusiasmada e chegou em casa alegre e satisfeita da vida, com os cupons fiscais das notas carimbadas dizendo que abrirá 2015 desfilando num Mercedes vermelho e até já teria feito um 'selfie' no shopping ao lado do automóvel chegando a me mostrar e charlar:
- É este aqui que chegarei na Caixa D'Água esnobando, que irei ao Pelô na terça da bencão, que irei a Basílica do Bonfim nos primeiros dias do ano 2015 para benzê-lo e colocar um molho de fitas do santo, que iremos a praia da Ribeira...e por aí foi até que abri seus olhos:
- Primeiro que você não vai ganhar nada porque gente pobre não tem sorte. Segundo que, se ganhar, mal vai ter dinheiro para colocar gasolina num carro desses.
- Vou ganhar sim...tenho fé na Senhora da Conceição, tenho fé na Santa Bárbara, já fiz minhas rezas, já coloquei um bozó na Baixa de Quintas... então, esse carro vai ser meu. Não tem errada - frisou.
- Já lhe falei que isso é carro de rico, veiculo pro conselheiro Souza, pra uma Rita da Harley Davidson, e não pra gente como a gente (já estava me incluindo). Vai que v deixa aqui na porta de casa passa um moleque e joga uma pedra no pára-brisas, v não vai ter dinheiro sequer para fazer esse tipo de conserto que custa uma fortuna.
- Bobagem...você procura seu amigo rico o causídico Dr Zéu, você levanta um financiamento com Dr Costa no Desenbahia, fala com o marketeiro Mendes do Bahia, o certo que dinheiro não vai nos faltar. Se for o caso fale até com aquele doleiro Yousseff.
- Tu quer me meter em bronca, me jogar nesse jato-d'água só por causa de um Mercedes. Os caras lá são poderos e daqui a pouco tá todo mundo solto. E eu? - lhe pergunto! Vou é mofar na cadeia se entrar nessa Lava Jato. O único lava jato bom que conheço é do Jeremias, onde lavo meu Uno e aspiro por R$7,00.
- Ah! Uno é coisa do passado. Você vai levar em Jeré é nosso Mercedes e dá R$20,00 pelo serviço com recomendações para que não manche isso aqui ó... e mostrou-me três almofadas redondas e floridas que já tinha comprado para enfeitar o carro e um cachorro de plástico daqueles que o pescoço fica balançando.
- Que breguice! - sorri dando de costas.
- Breguice! Isso é 'stilo', é classe - rodou a baiana e mostrou-me um chaveiro de Mickey com a uma miniatura de um Mercedez vermelha que havia comprado na Praça da Sé.
- Ah! Com esse aí não tenho dúvida de que vais passear bastante.
Sêo moço...Céu entendeu minha fala como zombaria... e só tive tempo de me abaixar. A mulher lançou um panetone da Irmã Dulca em minha direção que, por pouco, não comeria passas sem querer.