Sessão especial pelo centenário de nascimento foi uma iniciativa da vereadora Marta Rodrigues e reuniu autoridades religiosas
Tasso Franco , Salvador |
14/11/2025 às 10:42
Filhas de Santo do Bate Folha na CMS
Foto: Antonio Queiros
A Câmara Municipal de Salvador realizou uma sessão especial marcada por emoção, memória e ancestralidade, em homenagem póstuma a Nengua Guanguacesse — Dona Olga Conceição Cruz — sacerdotisa maior do Terreiro Bate Folha, que completaria 100 anos em março deste ano. A solenidade, proposta pela vereadora Marta Rodrigues (PT), reuniu autoridades religiosas, representantes da Casa e filhos de santo que exaltaram a trajetória espiritual e o legado de uma das mais importantes lideranças da tradição Congo-Angola no Brasil.
O Plenário Cosme de Farias se transformou em um espaço de celebração à fé e à resistência afro-brasileira. Com cânticos, folhas e lembranças da Nengua, a homenagem foi marcada por depoimentos que destacaram o papel de Dona Olga na preservação da natureza e na defesa da liberdade religiosa. “Essa homenagem é o reconhecimento a uma mulher que foi guardiã da tradição, símbolo de sabedoria, acolhimento e força espiritual. Falar de Nengua é contar a história viva do povo de santo e da luta da nossa gente por dignidade e respeito”, afirmou Marta Rodrigues.
Durante a cerimônia, o Tata Cícero Rodrigues Franco Lima, atual responsável espiritual pelo Terreiro Bate Folha, lembrou a trajetória da sacerdotisa e a importância da Casa na preservação ambiental de Salvador. “O terreiro completa 109 anos no dia 11 de dezembro e tem 155 mil metros quadrados de mata virgem dentro da cidade; um verdadeiro santuário de vida. Dona Olga foi responsável por manter essa tradição e por garantir que a Casa continuasse existindo com força. Ela lutou para que o terreiro não se acabasse e não diminuísse. Faria 100 anos nessa luta. Essa sessão é importante para perpetuar sua memória, especialmente entre os mais jovens, que não chegaram a conhecê-la”, afirmou.
Tata Cícero destacou ainda o pedido deixado por Nengua Guanguacesse antes de sua partida: que a Casa permanecesse unida. “Ela pediu que o terreiro nunca se dividisse. Tenho certeza de que o espírito dela está em bom lugar, de luz, satisfeita com as obrigações da Casa e com o que continuamos a fazer. Essa homenagem na Câmara é fundamental para reafirmar o legado dela e inspirar novas gerações”, completou.
Entre os participantes da sessão, estiveram Olinda Lopes Sacramento (Nengua Kixinga), Makota Carla Nogueira (Mukuamuiji), Alaíde Conceição, Babalorixá Aizinho, do Pilão de Prata, além de representantes da comunidade religiosa e civil do Bate Folha.
“Me sinto muito honrada de ser filha dessa Casa. Cheguei muito novinha e vou ficar até o último dia. Ser do Bate Folha foi o maior presente que recebi”, disse Nengua Kixinga, emocionada, lembrando os conselhos e a serenidade de Dona Olga.
Por vídeo, João Antônio, presidente da Sociedade Beneficente Santa Bárbara —braço civil do terreiro— também prestou sua homenagem. “Por motivos de saúde, não pude comparecer, mas trago minha gratidão. Nengua tinha conselhos sábios em todos os sentidos. Quem colheu seus ensinamentos vive melhor. Hoje celebramos uma mulher que continua viva nas águas, ervas, folhas e no chão”, afirmou.
Terreiro
Fundado em 1916 por Manoel Bernardino da Paixão, o Terreiro Bate Folha Mansu Banduquenqué, localizado na Mata Escura, é uma das casas mais antigas do país e o primeiro terreiro da nação Congo-Angola a ser tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em 2003.
Reconhecido como patrimônio cultural brasileiro, o Bate Folha preserva cerca de 15,5 hectares de Mata Atlântica em área urbana, funcionando como uma reserva ambiental viva em meio à expansão da cidade. O espaço é referência em educação tradicional, sustentabilidade e religiosidade afro-brasileira, com importância histórica que ultrapassa os limites do terreiro.
Iniciada aos 24 anos, em 1949, Nengua Guanguacesse tornou-se a grande mãe espiritual do Bate Folha, conduzindo a Casa por mais de sete décadas com serenidade, sabedoria e firmeza. Sua liderança consolidou o terreiro como símbolo de resistência negra, mantendo a tradição Congo-Angola viva e fortalecendo o papel do Candomblé na formação da identidade soteropolitana.
Ao final da sessão, Marta Rodrigues destacou que homenagear Nengua é também defender a preservação do Bate Folha como território sagrado, natural e cultural. “Celebrar Nengua Guanguacesse é comemorar a história da nossa cidade, a força das mulheres negras e a importância de proteger os espaços que mantêm viva a memória e o axé do nosso povo”, concluiu a vereadora.
Compuseram a mesa da sessão especial Cícero Rodrigues Franco Lima, Tata dia Nkisi do Terreiro Bate Folha; Olinda Lopes Sacramento, Nengua do Terreiro Bate Folha); Aizinho, Babalorixá do Terreiro Pilão de Prata; Alaíde Conceição, sobrinha de Nengua Guanguacesse, e Carla Nogueira, Makota do Terreiro Bate Folha.