Colunistas / Crônicas de Copacabana
Nara Franco

ZÉ PILINTRA, O PREFEITO DO RIO

Nara Franco é jornalista e escritora
02/12/2020 às 10:11
  Na eleição para prefeito de 1988, o Macaco Tião, morador do zoológico carioca, recebeu 400 mil votos dos eleitores  e quase se tornou prefeito do Rio. A ideia de lançá-lo "candidato" foi da turma do "Casseta e Planeta", mais precisamente do falecido Bussunda. Uma forma bem humorado de protesto aos desmandos da política fluminense (que por sinal, continuam...). Trinta e dois anos depois, em 2020, na disputa entre Marcelo Crivella e Eduardo Paes à mesma prefeitura do Rio, se ainda tivéssemos voto em cédulas em papel, certamente Zé Pilintra teria chances de comandar a cidade e se tornar o novo Macaco Tião. 

  Com cinco governadores presos e uma dezena de políticos respondendo  processos na Justiça, não é de se estranhar que desde a década de 80 o deboche seja a marca das eleições no Rio de Janeiro. Mas em 2020, o Zé Pilintra chegou na disputa aos 45 minutos do segundo tempo, causando uma avalanche de chapéus pelas ruas no segundo turno. O que mais se viu nas ruas no último domingo foi o orgulho de ser Zé Pilintra. 

  A resposta da população foi a uma declaração intolerante do Bispo Crivella, prefeito do Rio. A resposta mostrou que não se mexe mesmo com religião ou crença. O Zé Pilintra tem a simbologia do malandro carioca. Um homem negro (em algumas representações tem a cor branca), de terno branco elegante, gravata vermelha e chapéu Panamá na cabeça. Não há como andar pela Zona Norte da cidade sem esbarrar em imagens, adesivos e tatuagens do "seo Zé". Sua figura surgiu no nordeste, na crença do Catimbó, dizem que no estado de Pernambuco. É presença frequente nos centros de umbanda e representa o malandro boêmio, da Lapa, dos bares, do submundo. 

  O Zé Pilintra é povão, com seu chapéu Panamá e andar malemolente. É do samba, das esquinas e encruzilhadas. Ao criticar o prefeito eleito por usar "chapéu de Zé Pilintra no carnaval", Crivella mexeu com um, mexeu com todos. Mesmo sendo evangélico, não respeitou a marca da cidade e do país: o sincretismo religioso. Minha rua, por exemplo, tem uma encruzilhada na esquina da Igreja de São Paulo. Nada mais comum por aqui do que esbarrar em um despacho enorme ao sair da missa. Acende-se uma vela para Deus e outra para o Zé. A gente vai pedindo licença e se agarrando no que pode. 

  A crítica à essência carioca mostra não só preconceito como despreparo. Não conhecer a cidade que governa, suas características e idiossincrasias deixou Crivella exposto e a surra nas urnas foi humilhante. Logo após a declaração, a loja da escola de samba Salgueiro, na Tijuca, vendeu mais de 70 chapéus Panamá. Diversos artistas, cantores e anônimos votaram de chapéu. Manifesto debochado, como é a cidade. 

  "O sambista está apenas dando a resposta do que sente e não poderíamos ter mais orgulho da nossa gente do que ver todo mundo nas ruas mostrando a sua opinião em relação a mais uma fala preconceituosa de quem disse que iria cuidar das pessoas", disse Victor Brito, gerente da escola, ao jornal O DIA.

  E como ser anti-samba ou anti-umbanda na cidade que deu ao mundo Donga, Tia Ciata, Cartola, Paulo da Portela, Beth Carvalho, Zeca Pagodinho. Candeia, entre tantos outros. Não há expressão mais forte da cultura carioca que o samba. Pode ser tocado em uma caixa de fósforos, num prato ou na mesa. Não importa se é branco, negro ou gringo. Desde que o samba é samba, é assim.. Aqui o samba se tornou Bossa Nova com João Gilberto, poesia com Chico Buarque. Vai entender...

  No Rio, é feriado no Dia de São Jorge. Dia de Ogum. O equivalente à Lavagem do Bonfim em Salvador. Não importa o santo, desde que ele nos ajude a atravessar o dia a dia duro do Rio de Janeiro. Em 2020, deu Zé Pilintra na cabeça. E como não sou boba, já vou acender minha vela. 

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  Os números da Covid aumentam e as senhoras de Copacabana não sossegam. Por ordens médicas, tenho andado três vezes por dia na praia e sempre muito cedo para evitar aglomeração. Lá estão elas com seus exercícios, maiôs desbotados e cadeiras de praia. As mais ousadas, se arriscam em exercícios em grupo, dizendo ao vírus que são mais fortes. Certamente estão contando com a ajuda do "seo" Zé, o prefeito do Rio.