Copacabana parou. Meu mundo está deserto, isolado, silencioso e calmo. Não sei se longe da pandemia, mas ao menos do pandemônio.
Tenho saído a cada 2, 3 dias. Donos de cachorro vão entender essas escapadas rápidas com minhas cachorras. Eles sabem que o bichinho, quando fica muito tempo em casa, começa a dar trabalho demais. Nessas saídas, vejo uma Copacabana deserta, com moradores de rua pedindo dinheiro e comida para os poucos que passam. Perambulam, arrastando roupas sujas, sacolas plásticas e aquele olhar sem qualquer pingo de esperança.
Esse olhar de quem não está nem aí para a pandemia, contrasta com o jeito destemido dos idosos, que não se cansam de desafiar o vírus. Ir ao supermercado virou passeio (como se já não fosse!) e qualquer assunto é desculpa para ver alguém ou "sair ali rapidinho". Uma rebeldia sem causa.
Semana passada, uma amiga me confidenciou que a mãe queria comprar calcinhas em plena pandemia para ajudar a manicure (que faz a venda pelas revistinhas de produtos sob encomenda). A estratégia foi elaborada: a manicure deixaria a revista na porta, ela marcaria o produto e a manicure pegaria a revista dias depois. Parece simples, né? Mas nem tanto... Era apenas uma desculpa para bater papo com a manicure e, quem sabe, fazer a unha.
Mas qual o problema?, você pode estar perguntando. Muitos! A mãe, idosa, receberia em casa uma pessoa que não tinha (ou tem) máscara e anda de transporte público. Exposição desnecessária por causa de uma .. calcinha! Pois é .. a peça íntima era apenas um pretexto para ter alguém casa para fazer um cafezinho e bater um papo.
Estratégias de fuga da quarentena. E quem compra calcinha justamente nesse momento em que estamos livres para vestir trajes inomináveis diante da ausência de espectadores? Eu, por exemplo, não vejo um sapato há um mês. Meus tênis, sapatilhas e botas devem estar achando que morri. Assim como minhas calças jeans e blusas sociais. Minha roupa oficial agora se alterna entre a roupa da faxina e os pijamas.
Talvez o passar dos anos explique esse comportamento rebelde. Na minha última ida ao mercado, vi um casal de idosos, desses que convivem há tanto tempo juntos que já se parecem fisicamente, passeando nesse cenário Mad Max de Copacabana. Para quem não viu, Mad Max é um filme dos anos 80, estrelado por Mel Gibson, que versa sobre o fim do mundo. Pois bem.. os velhinhos arrumados, perfumados, passeavam de braços dados e máscaras no rosto, apreciando os pedintes, observando a igreja fechada e os cafés com bolinhos apenas pelas vitrines.
Ainda mais resistentes que os idosos, só os cachaceiros. Esses, flambados em álcool, não arredam pé dos seus espaços de convivência, os famosos "pé-sujo". Muitos estão fechados e alguns, abertos a "meia porta". Funciona assim: se o local tem duas portas, abre uma e deixa a outra pela metade do caminho. Do lado de fora, tudo parece deserto. Mas basta passar na frente do estabelecimento, que logo se vê quatro ou cinco camaradas lá dentro, bebendo, papeando, mantendo aquela cervejinha antes do almoço em dia. Já que o álcool mata o vírus, porque não toma-lo?
A pior face desse período de quarentena, no entanto, é a da burrice. A rebeldia da terceira idade não é compreensível, mas vá lá.. aceitável. A burrice, porém, é mais perigosa. Vejamos o caso do prefeito de uma grande cidade da Baixada Fluminense do Rio. Há 15 dias, ele se recusava a fechar templos evangélicos afirmando que "Deus curaria a todos". Atualmente, está na UTI de um grande hospital da Zona Sul carioca. A cidade, uma das últimas a ter o isolamento decretado, vê o número de mortos quadruplicar a cada dia. Essa semana, uma menina de 17 anos morreu.
A burrice é bem mais letal que o vírus. A ignorância, sendo mais exata. Temos a pandemia e o pandemônio, como disse um médico na televisão. Um pandemônio de ignorância. Será que os idosos, dentro de suas sabedoria e experiência de vida, prefiram encarar o vírus a esse mundo desolador? Seria um alerta do planeta, de Deus, Buda, Rá ou sei lá que energia seja, de que precisamos parar?
Copacabana parou. Meu mundo está deserto, isolado, silencioso e calmo. Não sei se longe da pandemia, mas ao menos do pandemônio.
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A Prefeitura do Rio adotou um drone falante para tirar as pessoas das ruas nessa quarentena. Se já estava complicado para os idosos entenderem tudo que está acontecendo, imagina agora com uma voz do alto, gritando: "vá para casa"? Se isso não for o fim dos tempos, sei não...