Pós quarta-feira de cinzas um temporal caiu no Rio de Janeiro. Zona Oeste completamente alagada, uma criança morta, ciclovia caindo (de novo). Se o prefeito não fosse evangélico, eu seria capaz de sugerir um banho de pipoca na cidade. Uma lavagem completa com as baianas que fazem a Lavagem do Bonfim para tirar essa uruca. Mas o que esperar de uma cidade sem comando? Prefeito ausente (em todos os sentidos) e governador rezando para o mandato acabar. Tá osso, como diria uma amiga.
Passei o carnaval em casa. Muito lixo na rua, metrô imundo e lotado, calor dos infernos e pouca paciência para os blocos. Quando se tem 20 anos, tudo é lindo. Depois dos 40, tudo irrita. Na República de Copacabana, não vi arrastão, assalto, tiroteio, nada. Fui ao Leblon, à praia, e além do lixo só vi gente bêbada, restaurantes e bares entupidos e mais lixo. Arrisco a dizer que a TV Globo deu um tom alarmante à cobertura para bater com força no desafeto Crivella. Merecido. Enquanto os prefeitos das grandes capitais davam às caras no Carnaval (até o Doria!) nosso alcaide arrumou uma desculpa e se pirulitou para a Europa.
Nessa "folguinha", como ele disse, perdeu seu boneco de Judas na Mangueira. Sem patrocínio público, as escolas capricharam nas críticas aos governos. Campeã e vice foram as mais ousadas. A Paraíso do Tuiuti, uma escola tão pequena que faz seus ensaios embaixo de um viaduto, virou notícia até na Alemanha. E como o Brasil não é país de amador, a Beija Flor, escola da família Abraão David, que manda e desmanda em Nilópolis, município da Baixada Fluminense, tem seu presidente condenado a 48 anos de prisão por lavagem de dinheiro e outras contravenções. Vai entender. O Carnaval do Rio tem essa licença poética. Todo mundo sabe que bicheiro é contraventor, mas no Carnaval tudo isso fica em segundo plano porque, afinal, um bom camarote na Sapucaí faz a memória ficar bem curta.
Já a Paraíso do Tuiuti, que de fato fez um lindo desfile, ano passado teve um carro que atropelou 20 pessoas e matou duas. Se fossemos um país de moral elevada, a Tuiuti não teria desfilado esse ano. Mas temos memória curta. O que não apaga o mérito da escola, que colocou em plena avenida um vampiro de faixa presidencial. A esquerda festiva foi ao delírio.
Ontem, nas lanchonetes e bares, várias pessoas se juntavam para acompanhar a apuração e discutir o desempenho das escolas. O que por si só já é bom porque o povo sai da inércia e lembra que está tudo ruim. Um salgueirense indignado arrumou até briga no bar por conta do terceiro lugar da escola. Para muitos, a Tuiuti é a campeã moral do carnaval. O torcedor da vermelho e branco não aceitou.
Não frequento os botecos de Copa porque até para mim, que sou desprovida de grandes frescuras, eles são xexelentos demais. É uma quantidade de bebum de meia idade que, sinceramente, não dá. Sempre os mesmos, nos mesmo horários. Deviam ganhar cartão fidelidade. Há uma grande diferença entre boteco e bar. Boteco, boteco MESMO, é aquele que tem um balcão, petiscos de três semanas, secos de tanto ficar na vitrine, ovo colorido, freguês de "pé inchado" e garçom de unha suja. Os banheiros são de um nível de sujeira que ultrapassam qualquer noção de higiene. Mas a cerveja é sempre muito, muito gelada. Bebe-se em pé ou na calçada mesmo. Aqui perto de casa tem vários e na minha próxima coluna irei mapea-los.
Os botecos são a verdadeira alma carioca. Ganharam fama em um passado recente e alguns viraram até gourmets. Os daqui não. Seguem mantendo a tradição do verdadeiro "pé sujo".