E como já nos acostumamos com a guerra nossa de cada dia, enquanto o tiro come, as guitarras urram. Coisas que só o Brasil é capaz de produzir.
Crônicas do Rio de Janeiro. O Exército cerca a favela da Rocinha em busca de mais um traficante que bagunça o dia a dia da cidade. E o Rock In Rio corre solto na Barra. Coisas que só o Rio de Janeiro é capaz de produzir. A cidade partida como diz o jornalista Zuenir Ventura. A Rocinha é uma das maiores favelas da América Latina, talvez do mundo. Aproximadamente 300 mil pessoas moram lá. A omissão do poder público é gritante quando se olha para o tamanho da quase cidade Rocinha.
Ela fica entre a Zona Sul e a Zona Oeste. Começa ou termina na Gávea, bairro nobre, e cobre São Conrado, também nobre. Tem agência bancária, rede de varejo, academia, rádio, supermercado, salão de beleza, casa lotérica e banco. Historicamente, uma "guerra" na Rocinha é tudo que não se quer pela visibilidade do fato. Quando o Complexo do Alemão entra em guerra, nada para. Quando a Rocinha ferve, uma ponta da cidade não se conecta à outra e aí o bicho pega.
Mas, como hoje temos a Linha 4 do Metrô, vamos e voltamos da Barra com tranquilidade, já que passamos por baixo de São Conrado. Taí um legado olímpico que temos de nos orgulhar. Sem o Metrô, hoje não haveria Rock in Rio. E como já nos acostumamos com a guerra nossa de cada dia, enquanto o tiro come, as guitarras urram. Coisas que só o Brasil é capaz de produzir.
No mundo de Copacabana, tudo na paz. Cidade lotada de turistas, muita gente na praia, poucos camelôs na rua (a prefeitura resolveu se coçar e tirar a multidão de ambulantes que invadiu às calçadas). Bares cheios e tudo na ordem. A Casa Cruz continua fechada. O apontador do bicho da esquina na verdade usa QR Code nas apostas. Sofisticação pouca é bobagem. A vida segue.
Se estamos em guerra nada mais lógico que o Exército atue com força nesses locais. A Colômbia só conseguiu destruir Pablo Escobar quando se aliou ao exército americano e a seu próprio contingente. Polícia e Forças Armadas trabalhando juntas e deu no que deu. Onde eles acertaram? Tratado de extradição para os Estados Unidos e atuação nas florestas onde Escobar mantinha refinarias e guardava suas armas.
No Brasil, entra-se com qualquer coisa em qualquer fronteira. Na favela, fuzil é como um colar. Um acessório. Por onde entram? O discurso é velho, mas o Governo Federal fecha os olhos e trata o narcotráfico nacional como "coisa de polícia". Não é. O PCC já parou São Paulo e partiu de um presídio de "segurança máxima" a ordem de Nem para o pau comer na Rocinha.
Então melhor mirar para o Rock In Rio porque se depender da vontade pública, meus tataranetos conviverão com isso. O debate sobre a descriminalização da maconha é mais que urgente. Mas andamos rumo às trevas com nosso estado "laico".
Mais estranho que isso é ver no Rock In Rio o show dos velhinhos. Primeiro foi Elza Soares, 80 anos, mandando o recado reto, com um discurso forte, feminista. Depois o som de Nile Rodgers, 65 anos. O cara botou o público para dançar com seus hits, que não são poucos. Rodgers produziu Madonna e compôs 90% dos sucessos dançantes dos anos 70. Ontem, dia 21, foi a vez do Aerosmith mostrar que rock com R maiúsculo é com eles. O vocalista Steven Tyler tem 69 anos. A banda, 46. O guitarrista Joe Perry, 67. E os caras fizeram o melhor show do festival. Podiam ter feito o que as bandas brasileiras fazem há anos: tocar hits e tudo bem. Mas não. Os caras tocam cover, tem nuvem de fumaça, tiram a blusa, se jogam no público. Puta show.
Ainda tem The Who. A banda foi criada em 1964. O lendário guitarrista Pete Towshend tem 72 anos. Roger Daltrey, o vocalista, tem 73. Ou seja, a edição 2017 do RIR mostra que a terceira idade não tem limites. As novas gerações são chatas demais, repetitivas demais, caretas demais. Os coroas não. Já fizeram de tudo e estão nem aí. No mínimo vão aparecer na Rocinha. É ver para crer.