Nara Franco é jornalista e mora em Copacabana
"Divinas Divas" é um filme emocionante. A atriz Leandra Leal, herdeira do teatro Rival, no Centro do Rio, conta de forma muito bonita a trajetória dos primeiros artistas travestis do Brasil. Para quem nasceu há pouco tempo e acha normal, quase obrigatório, ter na novela global questionamentos sobre identidade de gênero, o filme de Leandra parece conto de fadas. Mas não é.
No meu tempo de menina, como diria meu pai, falar em travesti era similar a dizer que havia um extraterrestre sentado no bar da esquina bebendo um chope. Bicha, sapatão, travesti, transsexual, nada disso existia. Eram seres alados. Todo mundo sabia que tinha, mas ninguém ousava admitir. Que bom que a sociedade evoluiu e podemos falar do tema abertamente com nossos jovens e crianças. Melhor ainda que as pessoas tenham acesso a filmes como o de Leandra Leal e acompanhem a trajetória de figuras como Rogéria, Jane Di Castro, Camile K e outras que o motorista travesti da novela de Glória Perez reverencia todas as noites. Marginalizados, merecem nosso respeito.
Mas o que isso tem com Copacabana, pergunta o leitor? Tudo. Apesar do apelido lúdico de "Princesinha do Mar", Copacabana sempre foi o bairro mais transgressor do Rio de Janeiro. Quando a noite cai, o bairro se transforma e se acha de um tudo.
Copacabana teve a lendária Crepúsculo de Cubatão, primeira boate gótica do Rio, onde se dançava no escuro ao som de depressivas bandas londrinas. E Copacabana tem a Galeria Alaska, um inferninho em foma de ponto comercial que há anos resume bem o caldeirão que faz do bairro algo único. A Galeria Alaska é uma mistura de boteco, com puteiro, com karaoke, com ponto de bicho e lojas tão simples como um armarinho. Não tem definição.
Na década de 80, lá por 1987, Eloína dos Leopardos lançou na galeria, depois de uma pequena temporada no Centro, o Show dos Leopardos, com coreografia de de Ciro Barcelos, ex Dzi Croquete, outro lendário grupo de dança que marcou época no anos 70. Mais de 400 homens passaram pelo espetáculo, que deu início ao que se convencionou chamar de "Clube das Mulheres". Mas em 1987, era show de nu masculino voltado para homens, que reunia na galeria travestis já famosos e os da "pista", homossexuais assumidos e enrustidos e muitos estrangeiros. Todos bebendo nos dois botecos que ficam logo na entrada da Alaska na rua Barata Ribeiro. O show fez tanto sucesso que caiu nas graças da mídia, atraiu artistas e virou "darling" da turma alternativa.
Já mais velha, na década de 90, frequentei muito a Alaska por conta de uma boate de rock chamada Basement que ficava por lá. Os leopardos já estavam em decadência e o povo do rock acabou tomando conta da galeria, dividindo democraticamente o espaço com os travestis da pista, os gays frequentadores da Le Boy, lendária boate gay que funcionou até o ano passado, os bebuns dos botecos e as bichas velhas que ainda iam ver os leopardos remanescentes.
Ninguém brigava com ninguém Todo mundo bebia junto, ria junto e a galeria fazia suas próprias regras. Tempos bons que não voltam mais.