É coisa que se vê neste mundo
A pandemia do coronavirus felizmente ainda não fez nenhuma vítima fatal em nossa aldeia e, ao contrário do que acontece em muitas outras localidades brasis, há muita gente nas ruas segundo informações que ouço no programa do Berraz, pela Rádio Mundial, e também pelas notas e informes que circulam nas redes sociais. Nosso alcaide, inclusive, já fez vários apelos para que as pessoas fiquem em casa, determinou o fechamento de casas comerciais, bares e restaurantes, mas, o povo é teimoso e muitos sequer acreditam na Covid-19 e necessitados que se aglomeram na fila da Caixa para receber os R$600,00 oferecidos pelo governo de Brasília.
Vivemos, eu e a Ester Loura, minha querida esposa, em confinamento total nesses dois meses e dias reclusos, mas, atravessando o Rubicão com o apoio das novas tecnologias, do Serra Eat, do Serra Gourmet, do Zuber Serra, sem sobressaltos apesar das perdas financeiras que sofremos, nós, e todos demais classes-média brasis.
Nessa semana que se finda hoje fiz uma reunião balanço com a Ester, pois, não bastasse o conforto que nos traz a internet com a possibilidade de ver a série do detetive Murdock, de Toronto, a Casa de Papel, concertos com Pavaroti, série Isabel de Castela e outros, somos bombardeados por ofertas de toda natureza, o que nos preocupa, porque tantas são que nos deixa atordoados.
Outro dia tinha um pastor vendendo uma poção mágica, dessas que a gente vê em filmes da idade média, que cura a Covid, na base de cada frasquinho R$1 mil. Aqui na Serra já teve um ambulante famosos, o Paco Subico, que vendia uma poção dessas perfumada para atrair mulheres e gritava na feira livre dos sábado, que era comprar, passar no corpo e pegar. O perfuma atraia as mulheres como um imã. Gritava a pulmões cheios: "É mil réis a grama, dez tostões quando acaba".
E como a Ester flagrou-me astuciando a compra de um spray para aumentar o 'pinto' oferta na rede de conversas do Facebook, a senhorita, por sinal, que fazia a oferta mostrando o seu traseiro, um pandeiro maior do que a janela central do casarão de Sêo Jovino, no Largo da Usina, usando um fio dental que caberia entre meus caninos, a senhora dona do lar subiu nas tamancas e quis saber que ousadia era aquela. Tentei justificar dizendo que apenas estava a olhar a oferta.
- Era só que me faltava nessa pandemia. Contente-se com o que Deus lhe deu e tome vergonha na cara, vá assistir à missa do papa Francisco no Canal Vida Nova, ao invés de pensar em estripulias.
- Já lhe disse que não iria comprar nada. Estava apenas a apreciar a oferta e o botijão da senhorita, mas, se comprasse, se por acaso experimentasse esse spray, que segundo a moça aumentaria o 'lindo' em 7 centímetros, com possibilidade de chegar a 14 cm desde que a baforada seja com o spray master, seria para lhe agradar.
- Você parece que não vê toda hora na TV denúncias de gente que foi furtada, foi lesada, foi ludibriada com essas propostas mirabolantes, parece que nunca assistiu o programa do Serginho quando a doutora Laura já disse dezenas de vezes que a média de tamanho dos 'jorginhos' brasis é de 14 cm e nada mais do que isso, advertiu-me.
- Desculpe se errei é que essas redes sociais deixa a gente tonto.
O telefone fixo da sala toca e nosso diálogo foi interrompido. Como estou sempre a esperar um telefonema de Brasília, agora sem meu conselheiro espiritual, Badu, o intelectual de bigode, que Deus levou para sua morada precocemente, solicitei a Ester que atendesse.
- Atenda por favor que tanto pode ser do Goiás Velho como um novo trote.
Ester atendeu e colocou no viva voz: - Oi, dona Ester, aqui é Antonha licorista. Avise ao seu esposo que, apesar da pandemia, estou atendendo nossos clientes e tempos todos os paladares, inclusive o de café que ele gosta muito e as balinhas de jenipapo.
- Não se preocupe que vamos comprar. Agora, mal lhe pergunto e as precauções com a Covid 19?
- Aqui ninguém entra em minha casa. A venda é feita do portão para a rua e o cliente nem precisa saltar do veículo.
- E o pagamento?
- É 15 reais cada litro e o cliente deposita o dinheiro numa cestinha que uso presa numa vara de pescar.
- Agradeço sua deferência. Até o São João vamos passar por aí.
Terminada a conversa, Ester olha-me com sorriso irônico e diz: - Você ouviu: agora na Serrinha tem Cata Véi e Vara Cata Capilé.
- Ora, nossa aldeia é criativa, sorri.
- Vou é tomar meu banho pra gente jantar.
Ester ausentou-se da sala e fique a fazer minhas anotações, ligações para clientes e, uns 40 minutos depois ei-la de volta vestida de enfermeira dos pés à cabeça, avental branco impecável, aquele chapeuzinho das enfas na cabeça, máscara e olhos de gatinho.
Tomei um susto pois notei que estava de sapato alto: - Você disse que iriamos jantar e já tinha até preparado a mesa na varanda e me aparece parecendo que vai ser voluntária no Hospital dos Ferreira no atendimento a pacientes com Covid.
Ester dirigiu-se a adega, pegou um malbec, levou à mesinha da varanda, retirou um queijo do Cerro da geladeira, umas patinhas de rãs, azeitonas verdes e disse: - Vamos jantar.
Quando digo que o mundo está próximo do fim vocês não acreditam. Em chegando na varanda, malbec posto nas taças, a Ester abre o avental, retira-o parecendo Nina da série francesa e quando olho para a enfermeira noto que estava usando um modelito estilizado, meia arrastão, barriguinha de fora e tudo mais à mostra.
Partiu dela a seguinte insinuação: - Não leve a mal, mas, você comprou aquele master gel, o composto 100% natural desenvolvido, vendido por aquela moça do facebook?
- Nem precisa. Você está parecendo Cleópatra. Vamos celebrar a noite.
Taças se tocaram no ar e só as estrelas do céu sabem o que aconteceu. Nem Cleópatra, a real, e Marco Antônio, tiveram noite tão especial.