Feijão tá valendo ouro e a safra na roça do Lobi vai dar pra todo mundo, até pro Bacalhau da Barão
O preço do feijão atingiu a casa dos R$15,00 o kilo lá em São Paulo; R$13,00 nos mercados de Salvador; R$16,00 no Rio de Janeiro e causa o maior reboliço neste país. Aqui na Serrinha, tanto em Anselmo do Feijão; quanto em Sêo João da Farinha ainda compramos o litro entre R$6,00 e R$9,00 com tendência a baixar porque a chuva de molha tá boa e tem muito feijão plantado nas roças.
Eu mesmo estou com boa parte do meu sitio plantado de feijão e Ester Loura, minha digníssima esposa, já faz planos de gastar por conta do preço alto do legume. Ainda bem que a Carmen Stefanes já fechou no Shopping da Serra, mas ainda tem a Dondoca, que é uma boutique que ela gosta muito, ela e suas amigas chiques, daí que anda cubando uma bolsa carrísrima no meu entender para comprar com o preço da safra do nosso feijão.
Digo nosso porque plantamos junto com Casuquinha, um senhor que mora no bairro da Rodagem bom de enxada, até porque tenho outros afazeres e não possuo mais saúde do alto dos meus 282 anos para bater cabo de enxada de sol a sol. Se batesse, diria a vocês, meu litro de feijão custaria era R$50,00.
Na Serra tem esse detalhe: o feijão não é vendido por kilo e sim por litro, o que alguns epecialistas dizem que dá no mesmo, embora existam vários tipos de litros - o magro, o parrudo, o falso, o de concha de zinco e assim por diante. Eu confio nos litros de Sêo Anselmo, barraca que fica junto da tenda de conserto de sapatos de Sêo Roni, e não me queixo de pagar R$9,00 no feijão, sendo que o preto tá mais barato, por R$5,00.
Ester detesta feijão preto e quando falo pra ela fazer uma feijoada com o preto carvoeiro ela diz que não nasceu na Pavuna, não é carioca, nem conhece o Rio de Janeiro, e não vai fazer feijoada com couve e cortes de laranjas.
O feijão virou assunto do dia nas rodas de conversas com nossos amigos e só não convoquei nosso Conselho Politico para discutir esse assunto porque achei de menor monta e no alto dos meus longos anos já vi o feijão subir feito foguete e descer de preço como a flecha do mesmo foguete, daí que nem me incomodo mais.
O que não pode subir é nossa cerveja lá no Boteco do Teco, camarada que faz milagres e ainda vende o cervejão gelado a R$4,00 o que significa dizer que quando tomamos eu e meus amigoos 4 litrões pagamos R$16,00 o que corresponde a dois litros de feijão.
Agora, pra Ester comprar a bolsa lá na Dondoca ela terá que colher uma boa safra em nosso sitio, mesmo com o feijão custando os olhos da cara. Eu, aliás, nunca entendi essa expressão, porque toda cara tem olhos, uns mais feios do que outros, mas, todos têm.
Nas minhas contas ela tem que colher no mínimo 20 sacas de feijão, isso se a dona lagarta não aparecer, para adquirir a tal bolsa. Nem sei pra que, uma vez que já possui uma dezena delas, das mais variadas.
Encontrei com Pinguinha lá no Teco e nem comentei esse assunto sabendo que ele é linguarudo.
- Tá feliz, disse-me, batendo nas minhas costas. Com o preço do feijão na colina da Santa, olhando do alto, vais ficar rico, comentou.
- Rico já sou. E não é o feijão de uma rocinha besta que vai melhorar minha situação. Rico estão aqueles que furtam o dinheiro do governo e ainda estão soltos tomando vinhos caros - respondi.
- Sei disso. Falei do feijão porque lá na barbearia de Soté, o que sa fala é que V.Exa. vai colher uma safra de 2 mil sacas de feijão, obtemperou Pinguinha.
- Quisera eu ter uma safra dessas. O povo aumenta as coisas e conversa de barbearia você sabe que se aumenta tudo.
- Há um exagero, mas, também, há fundo de verdade, riu Pinguinha.
- Não passo de 1500 sacas por minhas contas, frisei.
Teco entra na conversa e pede pra eu ajudar o novenário de Senhora Sant'Anna como pelos menos 12 sacas.
- Duas sacas para a igreja está de bom tamanho, aquiesci.
- Deus lhe castiga Exa por tão pouca ajuda - distraiu-se Pinguinha em risos.
- Deus sabe o trabalho que deu pra plantar, os custos, os insumos e compreenderá meu esforço - consenti.
- Oferte pelo menos 5 sacas pro leilão da igreja que o bispo quer fazer uns consertos na catedral - é louvatório, recomendou Teco.
- Já ajudei muito a construir essa igreja nobre Teco, desde a época do padre Demócrito. Fui eu quem comprou os primeiros ferros em seu Antonio Nunes e quem pagou ao pedreiro Evangelista, nos primórdios.
- Então tem que ajudar mais - brincou Pinguinha.
- E você acha pouco duas sacas de feijão. Também vou ajudar o abrigo dos velhos do Centro Espírita, dá uma mãozinha a um candidato a vereador, ajudar os pobres da rua da Rodagem, a Amas de Sêo João Santos, dividir a meia com Cazuqinha, pagar uma prenda para o povo de santo lá da Caseb, do Terreiro Turizó, mandar uns litros pra minha comadre Rosa e reservar meia saca pro Bacalhau da Barão. É tanta coisa que daqui a pouco fico sem nada.
Nisso deu uma chuva daquelas de correr água pela rua da Bela Vista fazendo poças na porta do boteco e fiquei preocupado, pois, tudo demais são sobras. Daqui a pouco entra água no feijão e olhaí, nem a bolsa de dona Ester, nem a ajuda a igreja, nem nada.
Felizmente a chuva parou e nem atingiu a soleira da mansão de dona Madalena. Pinguinha aquiesceu: - Chove chuva, chove sem parar - cantarolando uns versos.
- Vá com sua boca pro inferno. Precisamos agora é de um solzinho para temperar o feijão lá da roça, para não aguar.
- Então, Sêo Teco, como cerveja não água nem deságua, gosta é do pólo sul, traga mais uma gelada.
Foi chegando gente, dona Madalena, dona Eliúde, Sêo Tolentino Caneco, dona Ó Santa, Belimiro de Sêo Antonho Mercês, Alírio do Cantinho, Luis genro de Sêo Lôro do Fabrico, João de dona Maria Amélia do Ginásio e demos vivas a São Pedro e Senhora Sant'Anna.
Apareceu o filho de Sêo Chicão com pose de cigano e seu violão, a música correu solta, fazendo dupla com Izaias Moreno, e já tinha gente dançando em frente do boteco, uma sobrinha de Rui de Sêo Nequinha e mais uma prima de Jorge CUC, um cunhado do dono da Padaria Baluarte e uma amiga da professora Eru.
Fiquei tão entusiasmado que aumentei a cota para igreja na festa de Sant'Anna, uma doação de 12 sacas de feijão. Fui aplaudido de pé.
Quando cheguei em casa contei a façanha a Ester que preparava uma sopa de legumes com perninhas de grilo e assas de borboleta e minha neta Sol, a qual estudava espanhol, ouvindo a conversa arrematou:
- Bien, desde que sobre diñero para comprar la bolsilla de mi abuela, tudo cierto.