Bem que o Lobisomem tentou cortar gastos em sua 'toca', mas que casa com mulher chique tem que gemer
Diante do aumento dos juros, do reajuste da gasolina, do tarifaço na conta de energia e do 'pacotaço' a ser anunciado pela nossa presidenta para conter a fome do dragão da inflação, convoquei minha senhôra Ester Loura para um ajuste nas contas da nossa 'toca' com o fito de não sermos surpreendidos com aqueles homens de macacões coloridos da Coelba cortando nossa luz e ver nosso cartão de crédito entrando no vermelho.
Quando a mulher me mostrou a conta de luz saltando de 120 reais para 300 mangos dei um pinote na cadeira e só não fui ao chão porque já conheço essa desdita desde a época do bigodudo José Ribamar e a gente, nesses momentos de dificuldades, tem que apertar o cinto ainda mais até o penúltimo furo, sem ter muito o que obrar diante do estômago vazio.
Aí falei pra Ester: - A partir de hoje, ligar o ar condicionado do nosso quarto só às terças, quintas e sábados mesmo assim na época do verão, a máquina de lavar roupas só vamos acionar uma vez ao mês e o banho quente do chuveiro elétrico ficará suspenso até segunda ordem...
Ester nem deixou eu concluir a minha lista de restrições e rebateu na minha fuça: - Daqui a pouco você vai querer à volta dos fifós, da água quente pro banho esquentada em caldeirão na trempe com fogueira de pau-de-rato, à época de Joaquim Hortélio de beber água do Tanque das Abóboras, comprar querozene no Armazém do Seu Demá de dona Todinha, passar as roupas com ferro movido a brasas como as antigas caldeiras das máquinas do Trem da Leste - ralhou-me.
- Não seria de todo ruim retornar aos fifós, pois, com as novas tecnologias, com o gás liquefeito, eles não fariam mais aquela fumaceira - pilheriei.
- Eu é que não vou me submeter a isso. Dona Dil manda lá naquele ministro margarina, Sêo Manteiga, mas, você não venha querer mandar em mim por gentileza, nem querer que eu durma nesse calor infernal da Serra voltando a usar abano de pindoba e mosquiteiro pra proteger minha alva cútis dessas muriçocas que mais parecem uns besouros.
- São as exigências do momento. Não adianta querer ficar no bem bom do ar condicionado com seu cobertor modelo panda, você e minha neta Sol dormindo enroladas dos pés às cabeças, e não ter dinheiro para pagar a conta da luz. Tudo bem que não voltemos ao tempo do fifó, mas, pelo menos ao tempo do 'aladim', aquele candeeiro lâmpada mágica - arreliei.
- Isso nem vende mais na Serra. Era no tempo da loja de Sêo Sinfroninho Lopes, de Sêo Neném Gonzaga, de Sêo Juca Cândido. Agora temos é a Insinuante, aquele outro que aparece toda hora na televisão, a loja de Sêo Ricardo Elétrico, o Magazine Dona Luiza, e vamos inaugurar nosso shopping e você vem me falar em 'aladim'...pelo amor do bispo Scolari.
- Sim, isso mesmo, se não tiver nessas lojas chiques que você tá falando passe lá em Bazar, no Largo da Federação, que ele dá um jeito de arranjar uns três 'aladins', dois de mesa e um de parede, para iluminar nossa toca e deixa de protestar.
- Estou zelando por meus direitos. Daqui a pouco você vai querer arranjar uma corrente e mandar prender meus pés numa mesa de ferro - sorriu passando um creme na cútis e nas papadas.
- Não duvide. Porque do jeito que você fala com essa autoridade em pouco tempo vai se juntar com aquele grupo das "Mulheres Vadias da Serra" e sairem peladas pela Praça Luiz Nogueira desfilando até a Morena Bela batendo panelas.
- Se for por uma justa causa vou mesmo. Vamos convocar a professora Conceição, a modista Cremilda, a pró Eru, a ativista Pitucha... e vamos fazer um panelaço contra esses atos da dona Dil.
- Outra coisa - falei sério - não fique pensando que depois de inaugurado esse Shopping da Serra lá no Jardim Maravilha que você vai bater-pernas por lá todo dia, vai gastar gasolina se deslocando aqui da 'toca', de nosso sitio, até lá. Se for, vá de 'bis' na motinha que vaqueja as vacas de leite que é mais econômica - sugeri.
- Era só o que faltava...eu ir ao Shopping da Serra, toda chique, com meus ouros à mostra, com minhas sandálias Arezo, com minhas saltos-altos Luiza Bacelar, com minhas 'dresses' da Zara e da Animale, pilotando uma 'biz', nem pensar. Pra isso tenho meu Renault e vou é nele, a gasolina pode ir a R$10,00 o litro. Não tô nem aí - falou e disse mostrando o chaveiro do seu Logan.
- Você não tá porque não paga as contas, não sabe quanto devo de gasolina em Sêo Sidel, quanto paguei do seu cartão MasterSerra, quando foi seu plano do SaúdeSerra, quanto foi sua conta e de amigas em "brunchs"no JR - cobrei.
- Você taí aí é pra pagar mesmo. Por isso lhe ajudo, faço a contabilidade de sua oficina, controlo suas finanças, conserto seu computador e a impressora, cobro dos seus clientes...portanto, o Shopping da Serra que abra logo suas portas e me espere, que vou é causar.
- Pelo que sei, o papel de uma contadora é orientar no equilíbrio das finanças, no economizar e não no pipocar - comentei dizendo que o tempo é de recesssão técnica.
- Você que é leitor de A Tarde até parece que não lê os artigos de Sêo Nizan. Pois ele diz, a todo momento, que em época de crise é preciso ser criatividade, inovar, e não economizar, apertar-cinto, entendeu ?
- Entendi. A propósito, cadê a lista das compras de Natal? inquiri.
- Está aqui, prontinha, respondeu Ester mostrando-me a lista com queijos, vinhos, champagne, nozes, presuntos, panetones e assim por diante.
- Alguma objeção? - questionou.
- Não...nada...
- Pois, já que você diz que não lhe oriento como contabilista...escute só...contabilista!, técnica de nível superior em ciências contábeis pela UCSAL e não contadora, ao invés de você fazer nossos compras no Carrefour de Paris, como fazes todos os anos, opte pelo Carrefour do Rio, na condição de não reduzir nem um dos itens e trazer minha champagne Veuver Clicquot Ponsardin, rosé.
Fazer o que né...temos que safisfazer a esposa. Mais tarde, na alcova da toca, a noite foi maravilhosa e até ligamos o ar condicionado.