Colunistas / Causos & Lendas
Lobisomem de Serrinha

LOBISOMEM SERRINHA narra revolta do povo contra leões que comiam gatos

Dono do circo armado no Largo da Usina alimentava seus leões com gatos serrinhenses
15/12/2013 às 11:34
 Uma guerra é a pior das tragédias. Quando demora demais como aconteceram na II Guerra Mundial e agora na Síria, há batalhas dramáticas com muitas mortes e assim por diante. A guerra traz consigo o drama da fome. Há casos de relatos da segunda grande guerra onde familias disputavam a tapas um rato e comia-se papelão com sal pensando-se num bacalhau. 

   Felizmente, aqui na Serra, nunca experimentamos uma guerra. Sequer uma batalha. A mais próxima de nós foi a Guerra de Canudos, no final do século XIX, eu já era vivo, mas, não me recordo de alguém que tenha ido para esse campo de batalha sertanejo. 

   Lembro que o trem da Leste passava em direção a Queimadas repleto de militares do Exército, sendo recepcionados pelos nossos dirigentes municipais na gare com vivas a República e morte ao conselheiro, beato Antônio.

   Um parente de Mariano Silvio Ribeiro, nosso primeiro intendente, teria participado dessa guerra como cabo do Exército, mas, não se tem provas desse feito.

   Nossa independência de Irará foi pacifica. No Império, aclamamos dom Pedro I com foguetes. Na Proclamação da República só soltamos rojões. De sorte que somos um povo de paz & amor, daí que dona EsterLoura, minha santíssima esposa, ficou chocada quando viu sírios matando um leão do zoo de Al-Qarya al-Shama para comer o bicho e o grupo de homens ainda posou para uma foto mostrando como se corta um traseiro de leão, à moda dos carneiros e bois do nosso matadouro, e teve até um deles que fez pose ao segurar a cabeça do leão.

   Não tenhno a menor idéia do gosto de leão na panela. Aprecio muito raposas da caatinga, galinhas (de preferência ao molho pardo), moqueca de anun preto e as trairas negras do Açude da Cabeça da Vaca com molho lambão. Eventualmente, quando vou ao Bar de Cebola Pobre jogar uma mão se sinuca como ovos coloridos cozidos.

   Agora me lembro de um causo que se deu aqui na Serra, isso nos anos de 1960, salvo melhor juizo como dizia o doutor Álvaro Ferreira, quando por acá aportou um circo que trouxe consigo, pela primeira vez na Serrinha, um casal de leões. 

   O circo armou sua lona com dois mastros, outra novidade para a época, no Largo da Usina nas proximidades do atual supermercados Chama e juntou foi muita gente para ver os leões que ficavam presos numa jaula no fundo do circo.

   Os bichos quando urravam os meninos saiam correndo dizendo que era o fim do mundo e o padre Demócrito mandava Zé Sacristão baladar os bronzes da Igreja Matriz para espantar quaisquer  maus agouros.

   E o que se espalhou na cidade foi que o dono do circo estaria comprando gatos para dar comida aos seus leões e a noticia correu como um corisco pelas familias serrinhenses e quem tinha seu bichano de estimação o trancou a sete chaves com medo de alguém capturá-lo e vendê-lo ao circo.

   O certo é que os leões chegaram magros, famintos, e depois de uma semana já estavam dando sinais de melhores condições físicas e isso causou uma indignação na cidade, porque alguém espalhou que já havia vendido dez gatos ao dono do circo.

   Cidade pobre, carente de empregos, alguns espertalhões viram nessa oportunidade uma boa chance de ganhar dinheiro e deu-se uma correria enorme na busca de capturar gatos, o que não é uma tarefa fácil, sendo que se armou logo uma roda de sábios caçadores de felinos na tenda de Djalma, no Mercado Municipal, cada qual dando sua opinião.

   Uma amiga minha aqui do bairro de Oseas, perto de minha toca, tinha uma gatinha chamada "Getúlia", diz-se que colocou esse nome em homenagem ao presidente Getúlio Vargas, ficou tão apavorada que prendeu "Getúlia" num quarto tão abafato que, ao invés da gatinha cair na boca dos leões, morreu sufocada pelo calor.

   Foi um clamor de tal ordem, com sepultamento feito em seu quintal e a presença de inúmeros convidados, que o assunto chegou como queixa formal na delegacia de policia, exigindo-se do senhor delegado que o circo desarmasse sua lona e fosse embora de Serrinha.

   Houve inclusive uma passeata saindo da Rua da Rodagem até o Largo da Usina, dona Hortência de Sêo Demá à frente do grupo, ela que era dona de "Getúlia", dona Suzana da Irmandade do Coração de Maria e dona Conceição professora portando cartazes de protestos, exigindo-se o "fora Circo com seus leões".

  Sem alternativas diante do clamor popular o delegado fez campana com o cabo Júlio Pé de Mesa e o soldado Dinho Motorista nas proximidades da casa de Sêo Zé Faustino, que ficava próximo do circo, e flagrou na madrugada um camarada que se dizia chamar Manoel de Domingos, filho de Sêo Dominguinhos do Cajueiro, entregando um saco de alinhagem contendo 3 gatos pardos que seriam vendidos ao dono do circo.

   Dada voz de prisão ao infrator, Manoel alegou que se tratava de uma doação de livre e espontânea vontade, dada a situação de fome que se encontravam os leões, mas, não convenceu ao senhor delega que levou o dono do ciro, Mané e os 3 gatos até a delegacia, na mira de um fuzil da Segunda Guerra Mundial portado pelo cabo Júlio, onde foi lavrado um auto de infração.

   Os homens só foram liberados após pagamento de fiança e os gatos levados para uma área próxima a carceragem onde foram soltos.
Além disso, o delegado determinou que o circo fosse desarmado porque poderia haver uma revolta popular, já programada uma nova e maior passeata a pedido da mãe de "Getúlia" e se mudasse da Serra. O dono então apelou que já havia feito um contrato de publicidade com Paulo Teiú da Urubixaba, o serviço de alto falante, por 15 dias, fazendo uma apelo à autoridade no sentido de ficar mais uns dias na Serra.

   O senhor delegado, que não era um homem arbitrário, consentiu desde que os leões fossem alimentados com carne de boi comprada na banca de Diú Goleiro (ainda não havia o selo Friboi) sob inspeção da gloriosa Prefeitura.

   E assim foi feito, os espetáculos com os leões fizeram o maior sucesso, o domador parecendo mandrake usando um chicote, e a platéia boquiaberta com aqueles animais que nunca tinha visto.

    Narro isso porque eu estive presente num desses espetáculos ao lado de Padreco e ele não me deixa mentir. Diz-se ainda, coisa da boca do povo, que o dono do circo ao deixar Serrinha levou consigo no fundo de uma caminhonete um saco contendo 12 gatos.