Colunistas / Crônicas
Jolivaldo Freitas

O foca de A Tarde e o mestre José Curvelo

Lembranças de um tempo em que a imprensa escrita tinha muita força
08/10/2015 às 18:14
Semana passada estive na Igreja de Nossa Senhora da Vitória, na missa em memória do jornalista José Curvello. A igreja está bem alinhada, com seus afrescos originais recuperados, embora eu ache que o anexo que foi feito nos fundos do templo, com esquadrias e vidro destoou do estilo clássico desta que foi a primeira igreja de Salvador. Será que os arquitetos da construtora, que está dando a contrapartida à construção do espigão na área onde ficava o frontispício
original da Igreja da Vitória, quis chocar igual ao arquiteto que colocou uma pirâmide de vidro à frente do Louvre, em Paris? Guardando-se as devidas proteções. Mas, vá saber o que ocorre na cabeça dos arquitetos baianos. Basta
ir numa Casa Cor para ver que esse povo faz “arte” terceiro-mundista, mas acha que o Casa Cor é o MoMa, em Noviorque.

   Durante a missa fiquei lembrando de uma das minhas primeiras pauta, como foca no jornal A Tarde, missão mandada pelo grande jornalista Reynivaldo Brito, hoje riquíssimo milionário aristocrata entendedor de vinhos finos, pois foi precursor das casas de vinho de Salvador e um grande colecionador de obras de arte, mecenas que continua sendo.  Devo muito a Reynivaldo que sempre fez vistas grossas para as “merdas” que cometi nesta carreira inglória.

   Pois ele me deu a pauta para cobrir uma missa solene nesta mesma igreja. Quando cheguei na sua porta, isso lá pelas bandas de 1972, encontrei José Curvello, que já era um afamado e respeitado editor de primeira página daquele que ainda era chamado de vespertino e que tinha virado matutino. Ele me tratava bem na redação e a mesma coisa com meus colegas Chico Viana e outros que chegaram junto comigo na primeira renovação que A Tarde fez, colocando
jovens para aprender com os mais antigos. E a redação era uma constelação, com nomes importantes como o poeta Jehová de Carvalho, Jorge Calmon, Cruz Rios, Sérgio Mattos, Agostinho Muniz, Marco Antônio Moreira, Cristovaldo Rodrigues, Chico Ribeiro Carvalho, Brito Cunha, Pinheiro Call e tantos outros.

   Para ganhar intimidade com meu editor cheguei fofocando:

   - Curvello, me disseram que aqui tem um padre negão, elegante e cheio de prosopopeia que é cheio de filho e tem filhos até com senhoras da alta sociedade.

   Ele me olhou sem dar muita atenção e respondeu:

  - Meu filho. Ser jornalista não é ser fofoqueiro. Tá começando mal. 

   Eu tentei argumentar: - Mas...

   -Curvello:  -Nem mais nem menos. Só fale o que você pode provar.

   Com o rabo entre as pernas procurei cumprir minha missão, mas aquilo não saiu da minha cabeça. Mas Curvelo ficou meu amigo, passando a confiar que se eu saísse com uma pauta, com a certeza que não ia voltar de mãos vazias e foi ele quem me indicou para uma missão que ao mesmo tempo era uma prova de que estava com moral no jornal, mas de uma labuta imensa. De repórter policial passei para repórter de geral tendo todo dia de escrever uma página inteira (lembro bem que eram 9 a 10 laudas de texto batidas nas velhas Remingtons que ficavam cravadas nas mesas de mogno na redação do jornal ainda na Praça Castro Alves). A página 2 durante muito tempo era “minha”. Entrava no
jornal às nove horas da manhã e só saia no início da noite. 

   Como eu disse, a redação só tinha estrelas, dentre os quais o jornalista e intelectual (ele tinha o     hábito de ler tudo que é tipo de livro enquanto editava ou copidescava uma matéria e muitas vezes escapou de ser atropelado lendo no meio da rua) José Olympio da Rocha. Crítico literário. Zé Olímpio não tinha paciência com foca e quando eu acabava de escrever minhas reportagens ele pegava o papel, as laudas, e gritava a plenos pulmões para a redação toda ouvir:

   - Quem é este analfabeto de nome Jolivaldo?

 Todo dia era isso mas eu passei a não ligar, até um dia que José Curvello aproveitou que ele gritou de novo e do fundo da redação respondeu:

   - Zé, lembra quando você chegou aqui? Levou um ano para aprender que era anzol e não anzó e que areia não levava acento agudo.
 José Olympio me “esqueceu” e eu paguei uma Pilsen para Curvello no Cacique. Aproveitei, anos depois, para retomar a conversa que foi perdida na Igreja da Vitória, pois todo mundo já sabia que tinha mesmo um padre negão bonitão que era muito assediado pelas carolas e, dizia-se na cidade toda que tinha mesmo filho. Curvello de novo:

   - Você tem provas? 

    Eu não tinha, mas pelo sorriso dele vi que ele sabia bem mais coisas do que eu. Muitos jornalistas devem a carreira a José Curvello e seu saco para ouvir desculpas das mais esfarrapadas quando o assunto não vinha e achar um “calhau” – notícia fria – para colocar no buraco deixado na página. Hoje, neste advento da internet, blogs, site, faces e wsaps, ele iria pirar.