Imagem do sofrimento do povo baiano com a prolongada seca
Saí de Santaluz em direção a Salvador e me perdi em direção a Queimadas. Fiquei triste com o que vi. O Rio do Peixe sem pescado e sem o coachar dos sapos. O Riachão pedindo socorro. O gado ralo e magro com as costelas mais marcadas que as sanfonas de Luiz Gonzaga. A plantação inexistente. O pasto esturricado.
Nunca tinha visto - e olha que vejo cada coisa com esses olhos que a terra um dia vai comer - uma cabra magra, satisfazendo-se em lamber o sal das pedras. Quase atropelo um cão esquálido. Matei e fiquei com dó de uma paca (acho que era paca, que de cidade grande que sou e gente da capital não entende nada de fauna do mato) que correu na estrada e não deu para desviar. Nem olhei para trás. Maior tristeza.
Não sei se o motorista do carro-pipa que encontrei num posto, a ermo, estava tentando me impressionar ou era mesmo verdade ao revelar que cobrava 200 reais para levar água aos povoados distantes.
Mesmo na sede de Santaluz, o Tanque Grande, embora bonito e iluminado, está vazio. As lâmpadas feéricas mostram as feridas deste grande período de estiagem: a pedreira desnuda. Na semana que por aqui cheguei fez um lindo pôr do sol, e fiquei sem saber se comentava com o amigo ao lado que me acompanhava perdido na estrada, que o lusco-fusco estava lindo.
Para quem não vive o drama da seca pode se tratar de um belo cartão postal. Para quem espera chuva, deve ser mais um dia de expectativa, agonia e solidão. O olhar vago do boi não capta este tipo de beleza. Pensei: claro que o pôr de sol é um ponto de vista.
Óbvio. E não é calemburgo infame, deixo claro. Tem chovido de mansinho no sertão e fico a observar o Morro dos Lopes à margem da estrada. Uma imponente escultura feita pela natureza - ou como diria os criacionistas, criado por Deus - com uma tênue franja formada pelas finas gotas da chuva sobre seu cume. Teve dias em que o morro sumiu e pensei que a esperada chuva que sempre faz a redenção do sertão estava chegando ou à espreita.
A chuva grossa não chega. Será que vem agora em julho? Será que vem em agosto? Que venha logo. A fauna e a flora. A fauna humana. Este pedaço de sertão não pode esperar indefinidamente.Tem feito frio não só na noite em Santaluz (será que o nome é junto ou separado? Tem uma santa chamada Nossa Senhora da Luz.
Em Salvador, na Pituba, tem uma praça que leva este nome e a designação é separada. E me veio à cabeça minhas aulas de catecismo na Igreja da Boa Viagem: o nome Maria significa senhora da luz. Santa Maria, portanto, é Santa Luz. Deve ser, e que o luzense me perdoe se estiver errado.
Quem bem sabia era Lampião, que intimidou toda região, mas não entrou no município, diz-se que por causa da santa e talvez ele a tenha confundido com Santa Luzia, protetora dos deficientes visuais, doca de um olho que o era). Tem feito frio e caído chuva fina a qualquer hora.
A esperança é que a garoa seja a previsão do cambueiro de setembro. Chuva forte e benfazeja. Mas, que a água venha do céu na quantidade certa. Nem pouca, nem muita. Nem forte, nem fraca. Que venha a chuva. E que venha logo. Sinto falta da arribação e do pio do nambu no galho da jurema.