Esporte

NA VARANDA DA COPA: Pátria das chuteiras amargurada, p ZÉDEJESUSBARÊTO

O que tem feito de nós esses tempos de violência, corrupção, palanques e desalentos?
A Fifa fifoda-se. Mas seria ela, a Fifa, a culpada pelo nosso miserê?
ZedeJesusBarrêto , da redação em Salvador | 28/05/2014 às 13:59
Até os indios entraram na onda de protestos aproveitando o momento da Copa
Foto: Roberto Pozzebom Ag Br
Resenhando: 

Encontro, por acaso, um amigo das antigas, amante da bola como eu:
- E essa copa, véi?
- Que copa? Quero que o Brasil se foda, que a Fifa se lasque ... 

Disfarço, mudo de assunto, despedimo-nos. E me vou matutando: O que deu nas pessoas, o que se passa de tanto amargor no coração deste país, um peso de infelicidade que nunca se viu, nem nos tempos mais sombrios da ditadura... quando a bola, a música, os encontros, a arte nos abrandavam o temor e nos agraciavam com um riso de esperança num amanhã sem o cale-se. Nosso cálice, hoje, tem gosto de fel. 

O que tem feito de nós esses tempos de violência, corrupção, palanques e desalentos? 
A Fifa fifoda-se. Mas seria ela, a Fifa, a culpada pelo nosso miserê? Não fomos nós que nos oferecemos, ufanos, a fazer a ‘copa das copas’ na quinta maior economia do planeta? Ou nossa bolinha murchou por pura arrogância, rapinagem e incapacidade de fazer? Pois, a Copa virou a ‘Geni’ do momento: ‘Joga bosta na Geni, joga pedra na Geni, ela é feita pra apanhar, ela é boa de cuspir, maldita Geni!’ (Chico Buarque, 1978, lembram-se ?) 

Desejo meu é que a deusa bola, esse brinquedo do Criador brilhe prenhe nos gramados, bem jogada, arte pura. Os amantes da bola e da vida assim almejam. E o Brasil há de merecer. Amém. 

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A duas semanas da Copa, um corre-corre nas cidades-sede para acobertar os malfeitos. Esconder o lixo, tapear os gringos, enganar-nos de novo e sempre, como estamos acostumados a fazer. Precisamos esconder o viaduto que não ficou pronto, a precariedade dos aeroportos, as gambiarras, os destroços, os entulhos, as calçadas esburacadas, os desamparados de rua, nossa miséria urbana e cotidiana. Haja tapume, vamos maquiar a feiúra. 

Cadê o VLT de Cuiabá? A cidade está revirada. E o estacionamento do novo Beira Rio, o viaduto em frente a Arena das Dunas de Natal? Ah, o descampado empoeirado do Mané Garrincha... e haja andaimes, ‘enfeites’ e enganações, armengues de última hora em Salvador, em Curitiba; o miserê em Manaus, agora mais ainda com a cheia do grande rio, e os sem-teto a metros do Itaquerão ... Arre égua! 

Indolência, esperterza, enganações, incapacidade ... é isso ? Foram sete anos para fazer. E pensar que já fomos capazes um dia de construir Brasilia, a nossa bela capital, em 4 anos, do nada, no meio de uma floresta (1956 a 1960). Mudou o quê ? 

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Do ex-craque goleador Ronaldo, hoje garoto-propaganda da Copa do Mundo 2014: “... é essa burocracia toda, uma confusão, um disse-me-disse, são os atrasos... É uma pena. Eu me sinto envergonhado porque é o meu país, o país que eu amo, a gente não podia estar passando essa imagem pra fora...” 

Foi o suficiente para azedar de vez a relação entre Ronaldo e a presidente Dilma, que se mostrou indignada com as declarações do fenômeno. O ministro Aldo Rebelo disse que Ronaldo deu ‘um chute contra o seu próprio gol’. Fez gol contra, quis dizer. 

Depois, a notícia de que o ex-craque artilheiro estaria, de fato, sinalizando apoio à candidatura Aécio Neves, ‘um amigo de dia e noite’(sic). Entendi. Disse mais: “Estava com a mente fechada. Descobri absurdos e a população precisa mudar nas eleições ou a vaca vai pro brejo”. Perguntas: Que absurdos tem para nos contar? Cadê a vaca? E no brejo tem cobra criada? No mais, tem muita gente de saco cheio, não é Sr Ronaldo Nazário? ... e milhões de saco vazio, só ‘ximbando’, Sr Nazário. 

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Uma coisa é certa. Ver jogos da Copa nos estádios será coisa para pouco privilegiados. Ingressos caríssimos, todos adquiridos via ‘on line’, uma nata de convidados especiais e aquela platéia selecionada, elitizada sim ‘sinhô’. A copa não é para pobre. A grande maioria, classe média, verá os jogos pela tevê, com vizinhos, cerveja, pipocas, churrasquinho, farofa e, quiçá, bandeirolas. 

Os ‘lenhados’ de vera, nem isso. Porque, embora a propaganda do governo não diga, esconda, ainda há muito desamparo Brasil afora, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste onde a escuridão impera. Pra se ter ideia, 142 mil famílias brasileiras não têm acesso a energia elétrica, sequer. Esses números são do próprio governo, saibam. São os ‘apagados’ de cidadania. Pra esses, sim, não haverá Copa. 


Curtinhas de Salvador, capital baiana: 

- Semana passada, na Fonte Nova, já sob comando da Fifa, havia vários sem teto e sem nada abrigando-se das chuvas e dormindo aconchegados aos muros, sob as bilheterias do estádio. 

- E o relógio da copa, que fica à beira do Dique do Tororó e a metros do estádio, quebrou. Pra ele , o relógio, faltam 100 dias para o evento. O pessoal está à procura de alguém competente para regular o monstrengo. Esperamos que a tempo de anunciar o jogo final do torneio. Se for no ritmo do metrô ... 

- Por falar nele, as obras do famigerado metrô de légua e meia, que tem 15 anos em construção e teima em não ir aos trilhos, foram suspensas mais uma vez. O embargo se deu em função da ‘falta de segurança’ para os operários. Dá pra acreditar? 

- Sim, o ‘carnaforró’, tão anunciado como atrativo à parte, não vai acontecer. Já o tal ‘fan fest’ exigido pela Fifa como evento motivador da Copa só esta semana será confirmado: apareceu um patrocinador, a Fifa também pingou algum trocado e a prefeitura deve arcar com as instalações e infraestrutura. Atrações meia boca, sem estrelas. Se de fato acontecer, a ‘festinha’ será mesmo no Farol da Barra. Por lá, obras de reurbanização da orla se arrastam, o tráfego rola complicado e há tapumes e bloqueios nas proximidades. 

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- Na segunda, apresentaram-se os atletas convocados por Felipão para os treinamentos na Granja Comary, toda reformada e modernizada. Dias de avaliação médica, fisiológica e começo de treinamentos duros. 

A equipe faz amistoso contra o fraco Panamá, dia 3, no Serra Dourada(Go) e, dia 6, contra a Sérvia, no Morumbi (SP), só pra dar ritmo e ajustar alguma coisa tática.Trocemos para que ninguém se machuque. 

Na apresentação dos jogadores, na porta do hotel, algumas dezenas de professores protestavam contra a Copa, reivindicavam ganhos para a categoria e diziam-se em favor da educação. O que os atletas da bola têm a ver com o desprezo dos governos para com a educação no país? Cobrar do Neymar, do Felipão... o quê? 

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Noticia-se que os jogadores, em conjunto, decidiram não se posicionar contra as manifestações de rua pacíficas, mas não aceitam fazer propagandas ‘oficiais’ político-eleitoreiras. Que os marqueteiros de tia Dilma esqueçam, pois.


Os treinadores Felipão e Del Bosque (Espanha) são os que podem realizar o sonho de conquistar duas copas do mundo, agora. O único treinador que conseguiu tal feito foi o italiano Vittorio Puzzo (1934 e 1938). O brasileiro Zagallo e o alemão Beckenbauer sagraram-se campeões do mundo como jogador e treinador.


Sim, senhores, vai ter copa, não tem recuo. Mesmo com os temores de todas as dezenas de manifestações de rua previstas e anunciadas nas redes sociais sob o slogan ‘Não vai ter Copa’, mesmo com a possibilidade de greves de PMs e outras categorias ligadas à segurança, também as paralisações de rodoviários, de professores, com as avenidas tomadas pelos sem-teto e sem rumo, mesmo com as flechadas dos índios (evoluímos à era dos tacapes) e as rezas dos caboclos, mesmo as ruas tomadas por estudantes, desocupados, black blocs... mesmo com os desamparados todos deste país, a nossa presidente, tia Dilma, garante que vai ter copa e não aceitará badernas, palavras dela; se preciso for o Exército irá pras ruas, as Forças Armadas estão de prontidão. Ai, que mêeeda ! 

Assim, com todos os vistos percalços, vai ter, sim. Talvez não tenhamos é ônibus, metrô, aeroportos decentes, comunicação dentro do padrões de modernidade, banda larga, ruas limpas, educação, civilidade, serviços adequados... essas bestagens a que nós, brazucas, nem mais nos damos conta de serem coisas essenciais. 

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Recebi, agradecido, e-mail do estudioso de futebol Nivaldo Carvalho, corrigindo e contribuindo: “Foi o desentendimento entre o árbitro e o jogador Rattin, no jogo Argentina x Inglaterra, na copa de 1966, que culminou com a expulsão do argentino, que gerou um estudo da International Board, e, na copa de 1970 os cartões amarelos e vermelhos passaram a ser utilizados pelos árbitros, para advertir e expulsar jogadores infratores sem muita conversa, sem sempre compreendida em função da variedade de idiomas entre atletas e árbitros. 

Na copa de 70, portanto, o primeiro a receber um cartão amarelo foi o soviético Evgeny Lovchev, em um jogo contra o México. No total, foram 51 em 32 jogos. Não tivemos vermelhos”. 

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Historiando

De todas as copas que o Brasil venceu, a que me marcou profundamente foi a de 1970, o tri. Mais do que pela irretocável campanha invicta e o belo futebol em campo, restaram gravados na pele e na alma os flashes daquele instante: o auge dos tempos mais sombrios da ditadura militar, as torturas nos porões enquanto os gols rolavam nos gramados mexicanos, o pavor, a desinformação, a censura, a alienação da absoluta maioria dos jovens e da população brasileira, os ‘90 milhões em ação/pra frente Brasil/do meu coração’, o ‘ame-o ou deixe-o’.

Estudante de Ciências Sociais na UFBA, sabia em parte da repressão, do momento delicado, o medo impregnado. Mas, amante da bola, o futebol era como um antídoto, como o eram também a música, a ‘tropicália’, a arte sempre libertária e contestatória. Não acatava o ódio e a condenação a Pelé, a seleção que representava a Nação e não aquele governo anacrônico e violento, não entendia o escárnio dos ‘engajados’ a Caetano, Gil, Glauber ... afinal, uns revolucionários, sim, mas com outras linguagens e formas de luta. Vivíamos, boa parte dos jovens mais esclarecidos, na linha de fogo cruzado, entre a intolerância dos milicos e o repúdio dos militantes das ‘esquerdas’. Éramos chamados de alienados, festivos... Um ‘arerê’ no juízo, perigas ver. Não era compatível, aos olhos militantes da época, gostar de Chê e Caetano, de Mao e Pelé. Mas o ‘baba’ era a salvação, as canções um alento. 

Como não amar, admirar, exaltar - nós que gostávamos de bola, música, capoeira, mulheres... - a arte de um dos melhores elencos de todos os tempos, juntos : Carlos Alberto, Piazza, Clodoaldo, Rivelino, Jairizinho, Gérson, Tostão, Paulo Cesar Caju e Ele, Pelé, o Rei, no auge de sua realeza, simplicidade e eficiência. Não à-toa aquela seleção é considerada pela Fifa e por que a viu em campo uma das maiores equipes de todos os tempos. Os lances de gol que Pelé não fez, a obra de arte coletiva do último gol contra a Itália, na final ( 4 x 1), são inesquecíveis. 

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Os jogadores de ataque da seleção de 70, Jairzinho (Botafogo), Gerson (São Paulo), Rivelino (Corínthians), Tostão (Cruzeiro) e Pelé (Santos) atuavam em seus clubes com a camisa 10. Todos abriram mão, na seleção, para o Rei – Pelé jogou com a 10.


Zagalo foi o treinador, conquistou o título, mas tudo começou com João Saldanha, o radialista-técnico que formou o grupo e disputou as eliminatórias. Comunista de carteirinha e explícito, Saldanha foi derrubado pelos militares do governo ( o general-presidente Médici adorava futebol) com o apoio inequívoco de grande parte da imprensa esportiva. 

Saldanha, que tinha o pavio curto, atritou-se, enfim, com deus e o mundo, dos milicos aos jogadores, e caiu fora, exatos três meses antes de começar a copa e Zagallo assumiu, cercado de auxiliares ligados ao esquema de segurança do governo. E o que ele fez de melhor foi ouvir e acatar as opiniões dos jogadores, líderes respeitados, como Carlos Alberto, Piazza, Gérson, Tostão e Pelé. Escalou e arrumou taticamente o time com os melhores, adotando um sistema de jogo onde prevaleciam o toque de bola e o talento. 

A taça Jules Rimet, em ouro maciço, viria definitivamente para o Brasil, onde, infelizmente, foi roubada no ano 1983, na sede da CBF; fundida, derretida e os 1.800 gramas de ouro vendidos. A CBF mandou fazer uma réplica. 

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Pela primeira vez os brasileiros viram direto pela tevê, ao vivo, os jogos do Brasil numa copa, ainda em preto e branco, por articulações da Embratel, empresa criada nos governos militares. Foi a primeira copa transmitida pela TV para o mundo inteiro. 

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E, claro, o governo militar, como sempre fazem os regimes totalitários, aproveitou-se o máximo que pode da conquista nos campos do México para iludir a massa provocando o ardor patriótico. Afinal, aquela conquista seria uma jóia do ‘milagre brasileiro’. 
As Copas de 1950, no Brasil, e a do México, em 1970, devem ser repassadas como lições, sempre, em todos os sentidos e significados.