Para o clube que sempre acreditou, é inacreditável. O Atlético viu seu maior sonho se transformar no maior dos pesadelos nesta quarta-feira. Viu a terra encantada de Marrakesh virar um lugar maldito. Viu tudo ruir: esperança, fé, um lugar na eternidade. Viu o Raja Casablanca, com vitória por 3 a 1, ir à final do Mundial de Clubes e arrebentar com milhões de corações atleticanos – milhares deles presentes no Marrocos. O elenco campeão da Libertadores, histórico, encontra o outro lado da moeda. É uma enorme tragédia. É um dos piores dias, talvez o pior, dos mais de 100 anos de vida do Galo.
Foi uma derrota avassaladora, que remete a 2010, quando o Inter foi eliminado pelo Mazembe, da República Democrática do Congo. O Raja Casablanca saiu na frente, o Galo empatou com Ronaldinho, e aí os africanos fizeram mais dois e levaram ao delírio, a um júbilo histórico, sua apaixonada torcida. O futebol marroquino vive um momento sem igual. É um dia para a posteridade.
Com a vitória, o Raja pega o Bayern de Munique na final. O jogo será no sábado. Sua prévia será a disputa do terceiro lugar, entre o Atlético e o Guangzhou Evergrande, da China.
Existem momentos de tensão que são quase físicos, quase palpáveis – de tão fortes, parece ser possível guardá-los numa caixa e levá-los para casa. Os primeiros 45 minutos da fria noite deste 18 de dezembro, em Marrakesh, desafiaram a torcida do Atlético em sua capacidade de controle, de sanidade, até de respiração. Nas chuteiras de um sujeito chamado Moutaouali, o camisa 5 do Raja Casablanca, o Galo viveu suas maiores agonias, testou seus maiores pesadelos. Quase. Duas vezes, ele quase marcou.
Foi assustador. O Atlético jogou mal no primeiro tempo. Caiu na areia movediça da estreia, se enredou nas teias do temor de uma eliminação prévia. Não conseguiu encaixar seu ataque e ainda sofreu horrores em sua defesa – muito mais do que sua torcida queria e previa. A persistência do 0 a 0 foi um alívio.
Desde o começo, o Raja mostrou que se sentia capaz de encarar os brasileiros e seu evidente favoritismo. Os marroquinos foram agressivos, ousados. Não se amedrontaram. E foram crescendo aos poucos, de forma quase imperceptível, até explodir em duas chances claras. Na primeira, aos 35, Moutaouali pegou cruzamento da esquerda e mandou o chute. Victor, beatificado seja, espalmou. Pouco depois, o mesmo jogador recebeu livre pela esquerda e bateu cruzado. Foram os suspiros de todos os atleticanos que fizeram aquela bola sair.
Ressalve-se, porém, que o Atlético conseguiu ter controle de boa parte do primeiro tempo. Lá pelo 15 minutos, entrou no jogo, tramou jogadas, triangulou, procurou Jô, usou Ronaldinho. E quase marcou também. Fernandinho avançou pela esquerda e acionou Lucas Cândido, que mandou o cruzamento. Jô arremessou o corpo na bola do jeito que deu. Conseguiu desviá-la. Mas ela, maldosa, subiu e decidiu sair. Fernandinho, de novo, em outra chance, em chute cruzado, viu a bola passar rente à trave africana.
Nada é ruim a ponto de não poder piorar. A lei dos pessimistas açoitou a alma dos atleticanos aos cinco minutos do segundo tempo. Iajour, camisa 20, disparou pela direita. O Atlético sabia que seria atacado por ali. O Atlético sabia que a velocidade era a arma suprema do adversário. E permitiu que o jogador surgisse naquele canto do campo mesmo assim. Ele avançou livre e mandou o chute.
Deve ter durado um segundo, não mais que isso, entre o instante em que o pé de Iajour bate na bola e o momento em que a bola encosta na rede. Mas a contagem de tempo de um pesadelo não conhece relógio. Durou anos, décadas, a vida inteira ver aquela bola engatinhar, passar por Victor e entrar. Incrível: entrar. Inacreditável: entrar.
Simplesmente não podia ser verdade. E era? Para uma torcida que sempre acreditou, que sempre acredita e sempre vai acreditar, não seria aquele apenas mais um elemento de sua eterna trama de reviravoltas? Ronaldinho, mágico, mudou tudo.
Eram 17 minutos. O craque se posicionou para bater falta na beirada da área, mais pro lado esquerdo, enquanto Marcos Rocha era substituído, revoltado, cuspindo marimbondos. E aí lá foi aquela bola, teleguiada, predestinada, cumprir seu destino, beijar o ângulo do Raja.
Gol! Golaço! Golaço de Ronaldinho!
Era o alívio, era a esperança. Mas ainda faltava um problema a resolver: a péssima atuação do time. Logo depois do gol, o Galo deu sinais de que dominaria a partida. Mas o Raja continuava extremamente perigoso nos contra-ataques, encontrando surpreendentes espaços na zaga brasileira.
Não havia mais unhas a serem roídas. Não havia mais santos aos quais apelar. Tudo era tensão, tudo era agonia. Jô, de cabeça, ameaçou. Fernandinho se tornou mais participativo. Ronaldinho passou a errar passes. E o relógio martelando, martelando, martelando. E o Raja sempre ameaçando. Iajour, da entrada da área, mandou à direita de Victor. Quase outro dele.
O diabo é saber que tudo era apenas preâmbulo para que o pior acontecesse. Iajour adentrou a área e foi ao chão. A arbitragem viu pênalti de Réver nele. Moutaouali bateu. Moutaouali fez. Não era apenas a mais tensa das noites: era a pior das noites.
Às favas com os minutos finais do jogo, com a luta final do Atlético, com a batalha final pelo empate, que ainda acabou em terceiro gol do Raja, de Mabide, aos 48 minutos do segundo tempo, depois de bola na trave de Moutaouali em toque por cobertura de Victor. O resto é silêncio, é dor, é incredulidade.
Porque é impossível acreditar. A torcida que sempre acreditou agora luta contra o inacreditável.