Edson diz: - Se trabalho com dignidade e também consumo bens e serviços dou minha contribuição ao país
Tasso Franco , Salvador |
20/04/2023 às 10:10
Édson Félix da Silva
Foto: BJÁ
Vamos publicar uma série de matérias sobre empreendedores que trabalham nas ruas de Salvador, considerados invisíveis, e que tiram o sustento de suas familias vendendo objetos de toda natureza e dão uma contribuição (ainda que indireta) ao desenvolvimento econômico e social do país. O primeiro deles, que apresento a vocês, é Edson Félix da Silva, 39 anos, vendedor de cabides que atua há 16 anos no passeio em frente da paróquia da Ressurreição do Senhor, Ondina.
Perguntei a ele como era a vida de um vendedor de cabides em pleno século XXI na era do 4º momento da Revolução Industrial, da Tecnologia da Informação (TI), da Inteligência Artificial (IA), das novas profissões como mestre de edge computing e biotécnicos, ele respondeu: - Foi a vida que escolhi, a profissão que me dou bem, vendas nas ruas, uma coisa tão antiga como na era de Cristo, portanto me sinto bem.
Édson é casado com uma pernambucana, Zaira Mirela da Silva, com quem tem uma filha de 2 anos de idade, é natural de Salvador do subúrbio ferroviário da Plataforma, onde nasceu e vive com a família, numa residência dessas que são feitos puxadinhos para cima e para baixo, onde também moram seu pai e um dos seus irmãos, e se diz plentamente satisfeito com a vida que leva.
"Sem aborrocimentos, sem patrões, sem dívidas, meus fornecedores de cabides só cobram aqueles que vendo, agora também comercializo mesinhas, bancos vindos do Ceará, vassouras, panos de cão e raquetes de matar muriçocas e moscas e recebo essas mercadorias por um preço, coloco meu lucro e tudo bem, ganho o que dá para sustentar minha familia numa boa".
Você não pensa em mudar, se especializar nalguma coisa nova, estudar?
"Nem pensar. Pra que isso? Estou satisfeito com o que tenho. Com a venda dos cabides ajeitei minha morada em Plataforma e abri um espaço para minha esposa fazer penteados e ai temos um ganho adicional, uma renda mensal melhor".
Qual o nome do salão de beleza de sua esposa?
"Não tem nome. É uma coisa pequena e só ela trabalha na área onde dá até mais gente para trabalhar, mas não queremos porque Plataforma tá muito violenta e a gente tem medo de assalto e também se for colocar gente para trabalhar tem que fichar e isso depois dá problema. Ela só faz cabelos de pessoas conhecidas e com hora marcada".
Entã, vocês usaam as novas tecnologias da internet?
"Sim, eu vendo cabides e panos de chão e vassouras mas recebo Pix desde que o Pix foi criado e essa máquina verdinha (meteu a mão numa mochila e mostrou-me a máquina de cartões de débito) que aceito cartões. Minha esposa também usa a internet para marcar a hora para suas clientes".
Essas novas tecnologias melhoraram suas vendas?
"Sem dúvida. Muita gente ainda paga no dinheiro vivo porque minhas peças são baratas, um cabine é R$70,00 um pacote de panos é R$20,00 mas muita gente hoje gosta de pagar no Pix, a maioria, e outros no cartão. Então a gente tem que diversificar dá todas as opções aos fregueses".
No periodo da pandemia do Coronavirus (2020/2021), Édson diz que foi dureza porque as pessoas ficavam com medo de fazeer compras, mas atravessou a temporada sem muitos sobressaltos: "Usei máscara e até hoje ainda uso por que isso dá mais tranquilidade aos fregueses", confessa.
Édson diz que já foi visitado por uma pessoa do Sebrae que lhe falou muitas coisas boas, assim ele pensa, "mas não mudei nada e ela nunca mais apareceu".
O vendedor de cabides estudou até fechar o ensino fundamental, já trabalhou em serviços gerais na época em que o salário mínimo era R$600,00 mas quando a empresa não quis pagar as horas extras que ele fazia, pediu as contas.
"Pedi minhas contas porque não me pagavam o trabalho extraordinário, que era muito, e olhe que isso foi por muitos anos, pois, quando entrei o salário era R$600,00 e quando saí já era R$1.000,00 e decidi ser vendedor de rua e comecei no Costa Azul e depois me mudei para Ondina onde estou até hoje".
É uma vida dura? - inquiri.
"Eu acho uma vida boa. Chego aqui às 9h30min, por ai, trago minha marmita, e fico até 18h, 19h, porque o pessoal compra mais à tarde, e conheço todo mundo o padre Cristovão deixa eu guardar minhas mercadorias na igreja, o pessoal da Dorilândia (escola ao lado) é amigo, os pais dos meninos compram bem, a turma do hotel também, então, é como se eu tivesse em casa. E meus fornecedores entregam as mercadorias em Plataforma onde tenho meu pequeno estoque. Quando vendo uma ou mais peças aqui, trago outras de casa no dia seguinte".
E o sol e a chuva?
"Isso é de menos. Eu me protejo e pronto. Quando chega no mês de setembro vendo buquês de flores 'sempre-viva', um bom negócio que uma pessoa traz da Chapada Diamantina e dá bom ganho".
E você dá notas aos clientes?
"Quando pedem dou recibo que compro nos armarinhos e pronto", desconversa.
O trabalho de Édson, como a maioria dos vendedores de rua, é informal. Pagou, levou. Para ele, o importante é o ganho que seja acima do SM e dá bem para sustentar a familia e até para fazer umas viagens.
"Meu sogro deixou uma pequena oficina para minha esposa, isso quando ele morreu, e uma casa de morada boa e nós vamos lá de vez em quando, no interior de Pernambuco, depois de Paulo Afonso passando por Glória e descando por lá 10, 15 dias. É uma maravilha. Estou, inclusive querendo vender a oficina".
E você leva sua menina de 2 anos na viagem?
"Levo, sim, eu, a mulher e a menina, pegamos o ônibus para Paulo Afonso (a Guanabara) e depois para o interior de Pernambuco e chegamos lá de madrugada, numa boa".
Você acha que você e seu negócio dão uma contribuição dos pequenos negócios para o desenvolvimento econômico e social do país?
"Não sei lhe responder essa pergunta porque sou invisível para o estado brasileiro. Mas, como eu, existem milhares aqui em Salvador - provavelmente milhões no Brasil - e se eu trabalho, tenho ganhos, consumo também porque compro alimentos, roupas e outros para manter minha familia com dignidade, viajo, etc, creio que estou dando uma contribuição".
Como você pensa que será seu futuro quando ficar velho?
"Tenho 39 anos e estou me organizando para contribuir com o INSS recolhendo o imposto sobre 1 ou 2 salários para ter minha aposentadoria. Meu pai recebe, hoje, 2 salários de aposentado e vive com esse dinheiro. Ele, inclusive, que, no momento está solteiro pensa em se casar de novo aos 75 anos depois de duas experiências e. nós, os filhos, já dissemos para ele ficar quieto, se aquetar".
Então você está feliz?
"Estamos, eu e minha família, assim penso. Não piso nos calos de ninguém, sou querido aqui por todos, pode perguntar ao padre Cristovão (padre titular da Paróquia de Nossa Senhora da Ressurreição) e lá em casa também. (TF)