O Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), representado por secretarias regionais nos estados do Maranhão, Pará, Piauí e Tocantins, lança no próximo dia 24 de setembro a campanha “Babaçu Livre: Vida, Território e Luta”, que tem como objetivo impulsionar a valorização dos modos de vida das quebradeiras, o livre acesso aos babaçuais e o direito de viver em territórios livres, além da aprovação de novas leis do babaçu livre, o fortalecimento e a fiscalização de leis já existentes. A campanha tem apoio do Instituto Clima e Sociedade, por meio do projeto Mulheres Quebradeiras de Coco Babaçu Preservando as Florestas, além dos parceiros Fundação Ford, ActionAid e ASW.
O lançamento da campanha “Babaçu Livre: Vida, Território e Luta” acontece durante live no 24 de setembro (sexta-feira), às 15h (horário de Brasília), com transmissão ao vivo pelo canal do MIQCB no YouTube. O encontro virtual pretende discutir as leis de livre acesso às florestas de babaçu, as formas de defesa do território e do modo de vida tradicional, e conta com a participação das quebradeiras de coco Maria Alaídes Alves (coordenadora geral do MIQCB), Helena Gomes (coordenadora da regional Piauí), Cledeneuza Bezerra (coordenadora da regional Pará) e Emília Alves (coordenadora da regional Tocantins). Os parceiros Joaquim Shiraishi, doutor em Direito, pesquisador do Observatório dos Protocolos Comunitários e professor do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da UFMA, e Helciane de Fátima Abreu, professora de sociologia do Departamento de Ciências Sociais da UEMA e do Programa de Pós-graduação em Cartografia Social e Política da Amazônia, também integram o grupo de participantes. A mediação do encontro será de Renata Cordeiro, advogada popular e assessora jurídica do MIQCB.
A data de lançamento é também marcada pelo Dia Estadual das Quebradeiras de Coco Babaçu nos estados do Maranhão e Piauí, em reconhecimento pela luta histórica das extrativistas de coco. Na mesma data, as quebradeiras piauienses entregam uma minuta de Lei do Babaçu Livre ao governo do Estado, mais uma de várias tentativas de aprovação do instrumento. “Aproveitamos o Dia da Quebradeira de Coco e o lançamento da campanha para entregar o documento da lei ao governo do estado do Piauí. Estaremos novamente fazendo essa articulação, mas a gente não se cansa. Somos resistentes e dizemos que nós existimos. A gente precisa tirar a cerca do nosso meio. Nós sempre lutamos pela liberdade, nós queremos que tudo seja livre, que os babaçuais sejam livres para as quebradeiras de coco”, enfatiza Helena Gomes, vice-coordenadora do MIQCB.
Ao longo dos 30 anos de história do movimento, as campanhas “Babaçu Livre” estimularam o debate entre as quebradeiras de coco, a criação e aprovação de leis que garantem o livre acesso aos babaçuais, bem como a proibição de envenenamento das palmeiras, das queimadas e das derrubadas de babaçuais, o corte dos cachos, as queimas do coco por completo e qualquer outro tipo de ação que venha prejudicar o desenvolvimento do babaçu. As quebradeiras de coco são mulheres de múltiplas identidades, como quilombolas, ribeirinhas, indígenas e agricultoras, pluralidade que reforça a luta pelo babaçu livre e pelo acesso à terra e ao território.
“Cada uma de nós entende essas leis como um instrumento estratégico de luta. É uma campanha do dia-a-dia, em que nós compreendemos que não existe babaçu livre sem território livre, a partir de um reconhecimento que está dentro dele. O babaçu é nossa vida e nossa essência”, declara Maria Alaídes Alves, atual coordenadora-geral do MIQCB. Atualmente existem 22 leis aprovadas no âmbito estadual e municipal nas regiões de atuação do movimento.
Também intituladas Guardiãs da Floresta, as quebradeiras de coco babaçu são detentoras de direitos fundamentais, buscam o direito de acesso aos recursos naturais que compõem a base de sustentação das comunidades agroextrativistas, garantindo o bem viver dessas mulheres. Elas lutam contra as cercas eletrificadas, o uso de agrotóxicos, além das violências físicas e psicológicas e ações predatórias dos poderes políticos e econômicos da pecuária, dos madereiros, da mineração, da sojicultura, de empresas de eucalipto, especuladores de terra e da biopirataria, que impedem as quebradeiras de realizarem todo o manejo do coco babaçu e demais saberes inerentes a seus modos de vida tradicionais.
“Para quem não conhece o babaçu, de um cacho eu posso tirar o azeite, faço leite, da casca eu faço o carvão, com a palha nós cobrimos casas, na cozinha o tempero é o azeite de coco e lá nós aproveitamos tudo, até o mesocarpo nós aproveitamos. Então, o babaçu é uma riqueza e ela precisa ser preservada. Não sei por que destroem uma coisa tão rica”, relata Expedita Santos Pereira, quebradeira de coco e liderança da comunidade de Água Preta, no município de Amarante, Maranhão, região em que a queima de coco inteiro é intensa, mas ainda se consegue barrar por conta da lei Babaçu Livre, que fortalece o aproveitamento integral da amêndoa. (Lei Municipal nº 22708/2006).
As quebradeiras de coco babaçu movimentam a economia de mais de 271 municípios brasileiros, incentivando a autonomia de mulheres no campo, as trocas econômicas justas, a valorização do modo de vida tradicional, a segurança alimentar e nutricional e as práticas agroecológicas como base das relações com a natureza - a mata nativa, a biodiversidade e a Palmeira Mãe. Como reflete Renata Cordeiro, advogada popular e assessora jurídica do MIQCB, “no ano em que se discute justiça climática, as leis do babaçu livre passam uma mensagem para as casas legislativas: como falar sobre o tema sem as principais protagonistas, que vivem no dia a dia a preservação e conservação do meio ambiente? Mulheres que, apesar de toda a política fundiária, ambiental e econômica voltada para a utilização predatória dos bens e recursos naturais, conseguem preservar e, inclusive, aumentar a incidência de babaçuais nas regiões onde vivem. Fazem isso por meio de prática extremamente consciente, de uma política e economia própria, e de uma ética de relação entre elas com a natureza, com o território e com a vida”.
Saiba mais sobre a Lei do Babaçu Livre
Entre as décadas de 1980/1990, a luta dos(as) agricultores(as), quebradeiras de coco babaçu e sem-terras contra a exploração do latifúndio ganhou força na região do Médio Mearim, no Maranhão, originando novas frentes de organização e movimentos do campo. Em 1991, com o I Encontrão das Quebradeiras de Coco Babaçu, foram aprofundadas as discussões quanto ao acesso livre aos babaçuais, a preservação e a conservação das florestas de babaçu, associadas à produção, comercialização e autonomia econômica das mulheres quebradeiras de coco babaçu. A partir da atividade, foi elaborada a primeira minuta da Lei do Livre Acesso (Lei n. 05/1997), aprovada em 1997 pelo município de Lago do Junco, no Maranhão.
Por estar ainda incompleta, no ano de 2002, durante seu mandato como vereadora de Lago do Junco, a quebradeira de coco Maria Alaídes apresentou nova lei, de n. 01/2002, que trazia em seus artigos o livre acesso, a proteção e cuidado com as palmeiras, a proibição do uso de veneno, derrubadas, queimadas e outras providências contra os danos aos babaçuais. As duas primeiras leis de Lago do Junco deram sequência às demais aprovações pelo acesso livre em outros municípios do Maranhão, Pará e Tocantins. No Piauí existe uma lei estadual que proíbe a derrubada das palmeiras (Lei Estadual nº 3.888/83).
Em âmbito federal já foram apresentados três projetos de lei relacionados ao Babaçu Livre. O primeiro, nº 1.428, foi apresentado em janeiro de 1996 e previa a proibição da derrubada de palmeiras de babaçu nos estados do Maranhão, Pará, Piauí, Tocantins, Goiás e Mato Grosso. Esse projeto tramitou por dois anos e foi arquivado em fevereiro de 1999. O segundo projeto de lei, de nº 747/2003, foi arquivado em 6 de março de 2008, e o terceiro, de nº 231/2007, também foi arquivado, em janeiro de 2015.
Apesar das aprovações nos âmbitos municipais e estaduais, a implementação e a fiscalização ainda são desafiantes. Para que exista um real acesso das quebradeiras de coco ao babaçu, é urgente uma revisão das leis, pois durante a tramitação algumas leis foram alteradas, prevendo limites à presença das quebradeiras de coco nos babaçuais, a exemplo da exigência de autorização dos proprietários das terras.
Conheça o MIQCB
O Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) é uma organização sem fins lucrativos, iniciada há 30 anos em um processo de união de iniciativas de resistência à devastação dos babaçuais. Liderado por trabalhadoras rurais extrativistas, o MIQCB é o maior movimento de mulheres da América Latina, envolvendo quebradeiras de quatro estados brasileiros – Maranhão, Pará, Piauí e Tocantins –, que lutam pelo reconhecimento identitário e político, da igualdade de gênero, acesso ao território e babaçuais livres. O MIQCB tem como objetivo articular as quebradeiras na luta pela conservação e democratização do acesso aos recursos naturais, a fim de quebrar a hegemonia de empresários e latifundiários que aumentam a destruição e a ocupação ilegal de grandes áreas públicas ou devolutas, causa da concentração de terras e da privatização dos recursos, inclusive do babaçu – a Palmeira Mãe das quebradeiras.
O movimento também busca valorizar os produtos e subprodutos de toda a cadeia produtiva da palmeira do babaçu, a fim de evitar atravessadores indesejáveis e constituir uma linha de produtos e uma marca do movimento. Com o amadurecimento de suas atividades, foi também constituída a Cooperativa Interestadual das Quebradeiras de Coco de Babaçu (CIMQCB).
Guardiãs dos babaçuais em uma relação que conecta meio ambiente, ciclos e gerações, as quebradeiras também se articulam em ações e reflexões sobre as relações de gênero, na busca de eliminar os abusos e violências contra a mulher. O MIQCB busca o protagonismo feminino, inserindo as mulheres como agentes políticas, pedagógicas e econômicas, a fim de alcançar grandes conquistas na defesa das florestas de babaçu, como a Lei do Babaçu Livre – nas três esferas governamentais – bem como garantir territórios tradicionais por meio de reservas extrativistas criadas e implementadas e territórios quilombolas demarcados, contribuindo para a regularização fundiária da sua área de abrangência. |