O acesso à educação pode modificar muitas vidas. No caso da presidente da Federação Nacional das Empregadas Domésticas, Creuza Maria Oliveira, a inclusão social e educacional teve início com o curso supletivo que fez à noite, a partir de 1984, no Colégio Antônio Vieira. Foi o seu momento de percepção de que estava sendo explorada pelos patrões e que era hora de mudar o quadro. Essa história de luta foi contada durante o debate “Cenário e perspectivas do trabalho decente: o impacto da terceirização na vida do trabalhador”, realizado como pauta da Agenda do Programa Bahia do Trabalho Decente, na manhã desta segunda-feira (15), na sede do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia (Crea-BA).
O evento reuniu técnicos da Secretaria do Trabalho e Emprego, da Ouvidoria Geral do Estado, estudantes de Serviço Social e profissionais ligados ao Crea-BA. Iniciado em 2007, o objetivo do programa é dar condições de liberdade, equidade e segurança, capaz de garantir uma vida digna, através de ações para detectar e evitar a exploração dos trabalhadores em relação a salário, condições de trabalho, direitos trabalhistas, entre outros. O presidente do Conselho, engenheiro mecânico Marco Amigo, disse que “o grande fator de mudança é a capacidade de percepção das diferenças, o que leva ao amadurecimento e a busca de soluções”.
A Coordenadora da Agenda Bahia do Trabalho Decente, dirigida pela Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte (Setre), Tânia Portugal, ressaltou que o trabalho integrado de diversos órgãos vem apresentando bons resultados. Segundo ela, no ano passado, foram resgatados mais de 200 trabalhadores que exerciam atividades que se assemelham à escravidão. “É um programa que se tornou referência no país, valorizando o trabalho de diversas categorias, entre elas a dos trabalhadores domésticos. Atuamos com eixos voltados à erradicação do trabalho infantil, escravo, saúde e segurança no trabalho, igualdade de raça e gênero, entre outros”. O comitê do programa é formado por 23 entidades e dividido em câmaras temáticas.
O coordenador da Fiscalização Preventiva da Bacia do Rio São Francisco e assessor especial do Crea-BA, José Augusto Queiroz, explicou que a FPI, que tem como um dos principais parceiros o Ministério Público da Bahia, desde 2002 vem atuando de forma pioneira em todo o interior do Estado, fiscalizando cerâmicas, fazendas, carvoarias e diversos outros tipos de atividades. “O Crea atua em toda a Bahia com 26 inspetorias, 52 técnicos, 60 conselheiros e 200 inspetores. Mas, o trabalho da FPI tem soma dos ainda 21 órgãos federais, estaduais e municipais, o que dá uma grande dimensão, garantindo excelentes resultados”.
Ele explicou que o trabalho, cujo objetivo é contribuir para a preservação do Rio São Francisco e seus afluentes, acaba flagrando uma série de ações irregulares. “Trabalhamos com a prevenção de riscos ambientais, fiscalizando o uso de agrotóxicos, revenda, coleta de lixo e flagramos assim atividades que se assemelham à escravidão em carvoarias. Já tivemos casos de prisão e são exigidas melhorias nas condições de trabalho, registro de trabalhadores e condições de segurança”. Outras FPIs também são coordenadas pelo Crea-BA, como a do Rio Paraguaçu, do Agrotóxico, Mineração, e de grandes eventos, como Carnaval, Micaretas, casas de shows”.
O procurador Geral do Estado, Yulo Oiticica, destacou que o trabalho é um direito humano fundamental e deve ser exercido em condições de segurança e saúde. Ele criticou a nova lei de terceirização que vai permitir às empresas terceirizarem não só as atividades-meio, como em alguns casos as atividades fins, o que trará uma série de riscos para os trabalhadores. “A nova lei aprovada no Congresso nacional vai trazer prejuízos à organização das categorias. Vale lembrar que de cada cinco acidentes fatais, quatro acontecem com trabalhadores terceirizados”.
Trabalho doméstico - O assistente social Pedro Ernane, que trabalha com Educação de Jovens e Adultos no Colégio Antonio Vieira, apresentou os resultados de sua pesquisa de graduação, realizada com as empregadas domésticas, onde mostra que o acesso à educação permitiu que elas melhorassem suas condições de percepção, reduzindo a exploração por parte dos patrões.
Creuza Maria Oliveira é um exemplo disso. Ela começou a trabalhar como doméstica aos 10 anos de idade e somente adulta fez o supletivo. O curso abriu seus horizontes e permitiu que se tornasse uma das maiores defensoras da categoria no Brasil. Hoje presidente da Federação Nacional das Empregadas Domésticas, ela já rodou o mundo defendendo a categoria e destacou, sensibilizada, que muitos direitos como a folga aos domingos só foram conseguidos com muita mobilização.
“A PEC trouxe avanços, reforçando a luta que temos travado ao longo dos anos. Em 2008 foi decretada a proibição do trabalho infantil. Muitas trabalhadoras foram exploradas sem direito nem ao salário-mínimo. Ainda falta regulamentar algumas questões como FGTS, seguro-desemprego, adicional noturno, salário-família, mas as condições melhoraram”.
Ela conta que chegou a fazer um curso em Pernambuco, escondida dos patrões, aproveitando a folga do domingo, viajando na madrugada do sábado, passando o dia em Recife,e retornando na madrugada de segunda-feira. A categoria se desenvolveu tanto na Bahia que chegou a conquistar a construção de um Conjunto Habitacional voltado para as trabalhadoras domésticas, nas proximidades do Conjunto Doron (Cabula). “Os prédios têm nomes de companheiras domésticas que participaram ativamente da luta”, lembrou Creuza Maria.