Raymundo Pinto, desembargador aposentado do TRT, é também escritor e membro da Academia de Letras Jurídicas da Bahia e da Academia Feirense de Letras.
Raymundo Pinto , Feira de Santana |
05/12/2014 às 18:41
Raymundo Pinto no lançamento de "Uma Pequena História de Feira"
Foto: Demais
Qualquer empresário, cujo negócio cresce bastante e alcança um elevado porte, reconhece, de pronto, a necessidade de concentrar seus esforços no essencial de seu ramo e de delegar algumas tarefas de menor importância, embora indispensáveis. Com base nisso, convencionou-se denominar atividade-fim aquela voltada para tornar concretos os objetivos e finalidades principais da empresa ou instituição. É óbvio que nenhum empreendimento – público ou privado – tem condições de dispensar a execução de certos trabalhos ou providências previstos em lei ou exigidos pela própria realidade cotidiana.
Costuma-se chamar de atividademeio a esses serviços auxiliares. Numa pequena fábrica, por exemplo, o dirigente pode supervisionar os operários que manejam as máquinas e, ao mesmo tempo, fiscalizar os setores de pessoal, contabilidade, manutenção, segurança, entre outros. Se a empresa se agiganta, fica impossível controlar, com eficiência, todas as atividades. Por ser evidente essa dificuldade, expandiu-se, em escala mundial, o fenômeno da terceirização.
No Brasil, curiosamente ainda não foi aprovada nenhuma lei que traga em seu texto, de modo expresso, o termo terceirização. Isso, todavia, não significa total ausência de norma legal. A velha CLT, que é de 1943, prevê, no art. 455, a possibilidade de subempreitada e responsabiliza a empresa principal pelas obrigações trabalhistas dos empregados da primeira em caso de inadimplência dela. A Lei 6.019/74 trata do trabalho temporário, contendo várias restrições, e a Lei 7.102/83 autorizou a existência de empresas para prestar serviços de vigilância e transporte de valores a instituições financeiras. São exemplos de hipóteses em que é permitido terceirizar serviços sem usar a indicada denominação.
Em face da omissão de regras sobre o tema, a lacuna vem sendo suprida pela jurisprudência. O TST – Tribunal Superior do Trabalho, após reiteradas decisões num mesmo sentido, emitiu a Súmula 256 (1986), que considerou ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, exceto nos casos das leis já citadas.Diante de uma reação negativa que se seguiu, o referido TST flexibilizou sua posição anterior e, por meio da Súmula 331 (1993), ainda vigente, ampliou os casos em que seria permitida a contratação de mão de obra fora do próprio quadro da empresa (terceirizar, pois): a) serviços de conservação e limpeza; b) “... serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador”.Esta última hipótese atenuou bastante o rigor da interpretação anterior.
Com as facilidades então surgidas, verificou-se um aumento vertiginoso das empresas de prestação de serviços mais simples, a exemplo das que se dedicam às tarefas de higienede e limpeza. Pessoas gananciosas e inescrupulosas criavam tais empresas, apenas alugando uma sala e lá colocando algumas mesas e cadeiras. Sem patrimônio para garantir seus compromissos financeiros, davam o golpe de fechar o negócio, deixando humildes trabalhadores com salários atrasados e sem nada receber quanto a indenizações resultantes do contrato de emprego. É bem verdade que a Justiça do Trabalho, com base na citada Súmula 331, tem responsabilizado as denominadas empresas tomadoras. Contudo, a avalanche de reclamações teve como uma de suas consequências a campanha que se desencadeou no país, condenando a terceirização em todas as modalidades ou em parte delas.
É evidente que se registram, no território nacional, numerosos casos de irregularidades cometidas, em especial, por pequenas empresas que prestam serviços terceirizados. Essas ocorrências devem ser combatidas com bastante rigor e punidos os responsáveis. No entanto, a propósito disso, pregar a proibição, pura e simples, da terceirização ou até limitá-la em demasiado nos parece uma posição exagerada e muito radical. Trata-se de um fenômeno mundial, como antes já afirmado, e que tem contribuído, com pleno êxito, para o aumento da produtividade da economia de vários países mais desenvolvidos. No Brasil – há que se admitir – tornou-se irreversível.
Eis algumas vantagens da terceirização para a empresa tomadora: a) diminuição de encargos trabalhistas e previdenciários; b) melhoria da produtividade e da qualidade do produto ou serviço oferecido, pois a empresa se dedicará mais à sua especialização; c) simplificação da estrutura organizacional; d) redução dos custos, podendo destinar recursos a novos investimentos e pesquisa de tecnologia; e) diminuição do espaço ocupado, contribuindo para melhorar as condições ambientais, de segurança e de saúde dos trabalhadores. Quanto aos empregados das prestadoras, os principais benefícios são: a) geração de novos empregos nas terceirizadas; b) melhor distribuição de renda entre os participantes do processo produtivo; c) aperfeiçoamento da mão de obra daqueles que vão trabalhar em empresas especializadas; d) possibilidade de criação de sindicatos que vão defender interesses de empregados das terceirizadas.
Não há dúvida da extensão e da complexidade do assunto ora enfocado neste curto trabalho. Basta dizer que já existem, no nosso país, inúmeros livros, artigos, teses, entre outras estudos e publicações tratando do tema. A discussão tende a se avolumar quando entrar na pauta do Congresso Nacional a votação de um projeto de lei que pretende regulamentar a terceirização. Por enquanto, há forte oposição da parte das Centrais Sindicais. A intenção aqui foi esclarecer alguns aspectos da questão e contribuir para retirar do debate certos enfoques de natureza emocional que só impedem de enxergar o que a realidade dos fatos nos impõe. Cuidaremos de outros pormenores em um segundo artigo, inclusive sobre a terceirização nas atividades-fim e no caso das entidades públicas.