Falta de dinheiro, ocupação de terreno da União e construção de novas possibilidades de vida. Em quase 12 anos de história e um leque de experiências marcantes, a Cooperativa de Reciclagem de Garrafas Pet (Camapet) enfrenta hoje um de seus maiores desafios. O grupo, formado por 23 associados, tenta literalmente renascer das cinzas.
Por crime ou incidente - isso ainda é investigado pela polícia - um dos galpões da empresa, localizada na Baixa do Fiscal, foi completamente consumido por fogo na madrugada do último dia 12 de setembro. Quem passa pela bairro, na Cidade Baixa de Salvador, sente no ar a tristeza propagada.
Nove dias após as chamas, os focos de incêndio ainda estão por todo lado do terreno - de cinco mil metros quadrados - espalhando pela região nuvens escurecidas. Quem passa por fora, sente o incômodo do cheiro; quem está no interior da unidade, vê sonhos virando fumaça.
Prejuízos - No galpão incendiado, cerca de 50 toneladas de materiais recicláveis foram destruídos. Junto com os produtos, equipamentos de alto custo também viraram cinzas. A Camapet perdeu quatro equipamentos de prensagem, duas mesas de triagem, um elevador de cargas, duas balanças eletrônicas, além de big bags (sacolões) e carrinhos de coleta.
Conforme o presidente da Cooperativa, Joilson Santana, o prejuízo total da empresa é de aproximadamente R$ 35 mil reais. Para uma grande indústria, um valor um tanto quanto irrelevante; para um grupo que vive unicamente destes serviços, um perda quase irreparável.
Embora a empresa tenha mantido a produção nos demais prédios do terreno - um onde são feitos colares, cortinas e puffs; e outro onde é feita a triagem de garrafas pet - a cooperativa não consegue se manter com o que é arrecadado.
Fora a quase nula arrecadação, as contas do local já estão se acumulando. A entidade tem custos com combustível para caminhão de coleta, motoristas, telefone, energia, internet, alimentação e transporte dos associados.
Segundo Joilson Santana, o material que estava no galpão incendiado seria usado no pagamento dessas despesas. A arredação mensal, para todos estes gastos, era de R$ 25 mil reais.
Vidas - Grávida de seis meses, Trislane Cerqueira Reis, 20 anos, é uma prova de que as perdas não são só materiais. Associada da cooperativa há dois anos, a jovem encontrou no lugar a oportunidade de trabalho que não encontrou no comércio.
Com a ajuda de uma amiga, que já trabalhava no local, conseguiu se firmar na Cooperativa e se integrar com as colegas de trabalho. " Não acreditei quando ligaram e me disseram que o galpão havia pegado fogo. O mundo caiu em minhas costas. Sozinha, mesmo apertada, a gente se vira. Agora com filho vai ser mais difícil", lamenta.
Como a entidade não está conseguindo compor sua arrecadação mensal, Trislane provavelmente não receberá sua remuneração no período de licença maternidade. Morando com a avó, espera contar com a ajuda da matriarca da sua família. Os cooperados ganham, por mês, cerca de 300 a 400 reais.
O presidente da Camapet, Joilson Santana, tem esperança que o local se reerga. Para começar, já solicitou à Prefeitura Municipal de Salvador o Benefício Eventual Temporário (BET), como também o auxílio alimentação para as famílias. Estes benefícios, caso oferecidos, devem ser fornecidos aos empregados até que todos os trabalhadores retomem as atividades.
Os associados também estão discutindo com a União (dona do terreno), a possibilidade da construção de um novo galpão no local. Já ao Estado, o grupo solicitou o aluguel de um outro espaço, por um período de três anos, até que um novo galpão seja construído.
Segundo a Camapet, a Prefeitura ainda não respondeu ao pedido, mas a Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder) já sinalizou possibilidade de acordo.
História - Formado por jovens negros do bairro do Uruguai, a Camapet foi inaugurada em 1999, como uma meio de inserir pessoas sem oportunidades no mercado de trabalho, como também promover educação ambiental. Segundo Joilson Santana, o grupo instalou-se inicialmente na Comunidade dos Alagados e, em 2001, alugou um espaço que fica ao lado da atual unidade.
"Como não tivemos mais condições de pagar o aluguel deixamos o local, em 2004. Tínhamos um espaço abandonado ao lado, que pertencia a extinta rede ferroviária, e acabamos ocupando", relatou.
Desde então, centenas de jovens da Península de Itapagipe, Lobato e bairros adjacentes passaram pela Cooperativa, desenvolvendo um projeto que dá oportunidades de trabalho para jovens e, por meio de um trabalho sério, promove noções de reciclagem e economia solidária.