Economia

COOPERATIVAS DE CRÉDITO SE FORTALECEM NO BRASIL COM FUSÕES

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| 29/11/2009 às 20:24
As cooperativas de crédito se fortalecem no Brasil com um processo de
fusões inspirado em países onde boa parte da intermediação financeira
já circula entre grupos de pessoas que operam com seu próprio banco


Elas são pequenas, ainda. Sua fatia na movimentação financeira do país
não passa de 2% . Em 2008, mais da metade das operações que realizaram
envolveu valores abaixo de R$ 3 mil. Mesmo assim, as quase 1,5 mil
cooperativas de crédito que se estruturaram no interior do país e aos
poucos vão cercando as grandes cidades protagonizam um dos fenômenos
mais interessantes do mercado financeiro: o surgimento de uma multidão
de brasileiros que tem, digamos, um banco para chamar de seu.

Em números redondos, está-se falando de 4,2 milhões de brasileiros que
se tornaram associados de uma cooperativa de crédito. Mais
impressionante que o número, porém, é a tendência que aponta. Afinal,
praticamente dois terços dessa legião ingressou no cooperativismo de
crédito de 2002 para cá.

"Percebe-se que o crédito via cooperativas tem crescido de forma
acentuada já há algum tempo", diz o economista Alex Agostini, da
Austin Rating. Uma alavanca natural é o boom do agronegócio
brasileiro, origem e base do cooperativismo de crédito. Mas, em parte,
pondera Agostini, esse crescimento também se deve ao fato de que as
cooperativas, dispensadas de alguns tributos federais, oferecem
financiamentos e serviços a custos mais baixos que os bancos. Um
estudo da Organização das Cooperativas do Brasil (OCB) ao final do ano
passado sustenta que, em média, as taxas das cooperativas de crédito
em 2008 ficaram bem abaixo das praticadas por bancos e financeiras em
operações como empréstimo pessoal (diferença de 59%), cheque especial
(18%), cartão de crédito (43%), capital de giro (48%) e desconto de
recebíveis (46%).

Um outro atrativo das cooperativas é o de exigir menos garantias no
momento de liberar o crédito. Natural: fica difícil dizer não para um
cliente que é, ao mesmo tempo, dono. "O papel da cooperativa é ter o
dinheiro na hora certa, na hora em que o associado mais precisa",
proclama o presidente da Sicredi União, de Maringá, Wellington
Ferreira. No segundo semestre de 2008, enquanto a maioria dos bancos
fechava a torneira do crédito para fugir do risco, as cooperativas
aproveitaram para avançar. Em dezembro, na comparação com junho,
haviam emprestado 18,6% a mais. E sem riscos maiores. No final do ano,
a inadimplência superior a 180 dias não excedia 1,83%.

Determinadas a ampliar de 2% para 10% sua participação no sistema
financeiro do país, as cooperativas de crédito sabem que precisarão
turbinar seus músculos. "Uma cooperativa precisa ter um tamanho a
partir do qual possa alavancar recursos e atender bem seu associado",
sustenta Orlando Müller, presidente da central que congrega as
coooperativas do sistema Sicredi no Rio Grande do Sul e em Santa
Catarina. "O caminho natural é o das fusões. Presidente do Banco
SICREDI S.A., o banco do sistema Sicredi, Ademar Shardong calcula que,
das quase 1,5 mil cooperativas de crédito no Brasil, restarão cerca de
mil ao cabo de um processo de fusões que se intensificará nos próximos
cinco anos. "Oferecer produtos e serviços financeiros exige altos
investimentos em tecnologia, em processos, em logística. Há uma escala
mínima que uma cooperativa precisa atingir para operar", afirma
Schardong. Nos seus cálculos, com menos de 15 mil associados uma
cooperativa está abaixo da escala mínima. É a situação, hoje, de um
terço das cooperativas de crédito de livre admissão.

O exemplo mais notável dessa tendência é a criação da Sicredi União,
em Maringá, no início de julho. Resultante da fusão de três
cooperativas da região, a Sicredi União exibe 34,6 mil associados em
57 municípios e administra ativos no valor de R$ 500 milhões. Maior
sistema de cooperativas de crédito do país (veja quadro a seguir), o
Sicoob seguirá pelo mesmo caminho das fusões e incorporações, a partir
do planejamento estratégico elaborado recentemente. "É perceptível o
interesse de todos os sistemas em estruturas centralizadas de
administração, a ampliação de pontos de atendimento aos cooperados, e
é exatamente isso que ocorre quando cooperativas resolvem se unir",
apregoa José Salvino de Menezes, presidente do Sicoob.

Menos - e maiores - cooperativas, e multiplicação dos pontos de
atendimentos cooperativos (PACs), é a grande tendência que o país
importa de países em que o cooperativismo de crédito adquiriu maior
peso no sistema financeiro, como França (fatia 60%) e Alemanha (20%).
"Na Alemanha, chegou a haver 12 mil cooperativas de crédito. Hoje,
elas são cerca de 1,2 mil, apenas", aponta o especialista em mercados
Silvio Giusti, da Organização das Cooperativas Brasileiras.

É o que já vem acontecendo no Brasil. O número de cooperativas de
crédito se manteve nos últimos cinco anos, apesar da multiplicação de
associados, e agora deve cair. "No entanto, os postos de atendimento
cooperativo, que são estruturas muito enxutas, se multiplicam a uma
velocidade impressionante", detecta Giusti. O número de postos dobrou,
para 2.729, desde 2001, e a cada dia útil um novo posto surge no
Brasil. "O sistema vem crescendo e quando representar mais de 5% ou 6%
da intermediação financeira veremos as cooperativas influindo de modo
mais determinante na redução do custo do dinheiro no Brasil", anima-se
Giusti.

O CACIFE DAS TRÊS REDES

Siscoob é o número 1 - e também o mais sujeito à tendência de fusões

Número de cooperativas: Sicoob - 633, Sicredi - 130 e Unicred - 124

Postos de atendimento: Sicoob - 1.144, Sicredi - 1.076 e Unicred - 397

Número de associados: Sicoob - 1.715.295, Sicredi - 1.438.208 e
Unicred - 181.229

Depósitos: Sicoob - R$ 7,1 bilhões, Sicredi - R$ 6,3 bilhões e Unicred
- R$ 3,2 bilhões

Operações de crédito: Sicoob - R$ 9,0 bilhões, Sicredi - R$ 8,1
bilhões e Unicred - R$ 2,5 bilhões

Ativos: Sicoob - R$ 14,9 bilhões, Sicredi - R$ 11,1 bilhões e Unicred
- R$ 4,6 bilhões

"Crescer não significa desvio de índole" - Entusiasta do papel que as
cooperativas podem assumir na redução do custo do dinheiro no país, o
consultor do Departamento de Organização do Sistema Financeiro do
Banco Central, Abelardo Duarte de Melo Sobrinho, defende as fusões
"preventivas" - isto é, aquelas que unem instituições saudáveis. E
fulmina o receio, ainda latente em setores do cooperativismo, de que o
crescimento pode trazer problemas. "Ninguém consegue competir com sua
própria fraqueza", adverte.

A fusão de cooperativas de crédito no Brasil é uma tendência? -
Observa-se tendência crescente entre janeiro de 2008 e junho de 2009,
com média de duas incorporações por mês, contra menos de uma entre
2003 e 2007. Ainda assim, são movimentos tímidos e na maioria das
vezes decorrentes de solução de última instância para dificuldades que
atingiram níveis insuportáveis. Claro que a capacidade de reação é
salutar, já que resolve problemas que, de alguma forma, poderiam
comprometer a marca cooperativa. Entretanto, de maior relevância, é o
processo de incorporações preventivas de forma a evitar riscos de
continuidade e o aprofundamento de problemas que, em momentos futuros,
podem mesmo inviabilizar soluções.

Quais as vantagens desse processo de consolidação? - Uma das
principais é o ganho de competitividade. Em ambiente de juros
declinantes, como é desejo de toda sociedade, é imperioso cortar
custos, sem que isto signifique risco de continuidade. Vejamos um
exemplo singelo: uma empresa não consegue mais colocar seu produto com
margem suficiente para equilibrar, no mínimo, seus custos de
funcionamento. Ou corta esses custos, de forma a reduzir a margem
financeira, ou terá de colocar a inútil placa na porta: "Precisa-se de
clientes". Só que há limite para esses cortes, sob pena de não atender
à estrutura mínima ideal e, portanto, sucumbir. Nessa situação só há
duas soluções: ou fecha as portas com placa e tudo ou então se junta
com outros parceiros. Este é o princípio. A arte é fazer esses
movimentos de forma preventiva, com visão de futuro que permita
antecipar cenários. Todos ganham.

Há riscos? O sistema pode se afastar de algumas de suas raízes na
relação com a comunidade, na medida em que dê origem a "mamutes",
digamos, com a missão de enfrentar os bancos tradicionais? - A má
notícia é que tudo na vida envolve risco. A boa é que tudo também
depende de nosso comportamento. Há um desvio muito grande em imaginar
que a descaracterização dos princípios cooperativistas seja
consequência inevitável do enfrentamento do mercado. Devemos abolir
esse sentimento de que crescimento é sinônimo de desvio da índole.
Ninguém consegue competir com sua própria fraqueza. As cooperativas
que se afastarem de seus propósitos serão julgadas pelos próprios
associados e, em nível mais drástico, até mesmo pelo Estado. O desafio
é fazer com que a cultura cooperativista seja algo contido mais na
formação do que no discurso. E essa disseminação de cultura tem sido
muito forte nos últimos tempos.

Das cerca de 1,5 mil cooperativas de crédito no Brasil, quantas devem
restar, considerando-se a tendência de fusões no segmento? - A
resposta seria premonição. Ideal é responder primeiro: "Qual o tamanho
ideal do sistema cooperativista para o Brasil?". Alguns dados podem
contribuir para essa reflexão. Hoje, cerca de 60% dos municípios
brasileiros não possuem presença cooperativista, com destaque para as
regiões Norte e Nordeste, onde há tantos espaços livres. Em
contrapartida, as regiões Sudeste e Sul detêm 75% das cooperativas
brasileiras. Ou seja: há ainda grande espaço a ser ocupado. O
importante é discutir a forma. Creio que em muitas localidades esse
atendimento possa ser feito mediante instalação de Postos de
Atendimento Cooperativo -PACs -, como, aliás, tem sido tendência nos
últimos dois anos. Em outras, no entanto, há necessidade de presença
de sedes. Em suma: há espaço para enxugar o número de cooperativas em
certas regiões e para aumentar em outras.